São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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OBSTÁCULO

Desequilíbrio nos EUA e petróleo preocupam; para analistas, país deve aproveitar atual momento para recompor reservas

Risco mundial ameaça retomada brasileira

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

A economia brasileira pode estar correndo contra o relógio mais uma vez. Riscos à recuperação mundial são reconhecidos por analistas mais moderados e preocupam os pessimistas. Representantes dos dois grupos defendem que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva aproveite, então, o bom momento para avançar em reformas, recompor reservas e melhorar a pauta de exportações.
"Existem riscos à recuperação mundial. O mais preocupante são os desequilíbrios macroeconômicos nos Estados Unidos. O ideal para o Brasil seria aproveitar as condições favoráveis e avançar em reformas como a da Previdência e a tributária", diz John Bowler, diretor da Economist Intelligence Unit (EIU) responsável por América Latina.
Os efeitos de um aperto monetário maior nas economias avançadas e de uma desaceleração do crescimento mundial -principalmente da China e dos EUA- teriam, sem dúvida, efeitos nocivos sobre a economia brasileira. Difícil é, dizem analistas, mensurar as possíveis conseqüências de um choque externo.
"Do lado macroeconômico, o Brasil avançou muito, a situação das contas externas melhorou, mas é difícil saber como a economia reagiria a uma desaceleração global mais forte que o previsto", afirma Bowler.
Entre os analistas, há os que acreditam que o país está muito mais preparado para enfrentar choques externos e, por isso, não deveria sofrer muito na hipótese de uma crise. Já outros defendem que o país continua vulnerável.
Na semana passada, o FMI (Fundo Monetário Internacional) projetou uma expansão de 5% para o mundo neste ano, com os EUA crescendo 4,3% e a zona do euro, 2,2%. A perspectiva para o Brasil é de uma alta do PIB de 4% em 2004. Apesar disso, há o temor de uma desaceleração ocasionada, principalmente, por um choque de preços do petróleo, que fechou a semana cotado a mais de US$ 50,00 o barril em Nova York.
"Acho que o governo brasileiro fez um trabalho muito responsável e que o país está bem mais preparado para adversidades externas. Os intensos altos e baixos do passado devem ser mais suaves", diz Tim Congdon, economista-chefe da Lombard Street Research, uma das consultorias mais respeitadas no mercado financeiro londrino.
"Uma reversão do cenário global, que me parece provável, afetaria fortemente os mercados emergentes e o Brasil. Uma desaceleração econômica na China, por exemplo, teria impacto sobre as exportações, principal pilar do crescimento brasileiro", diz Wilber Colmerauer, sócio da corretora Liability Solutions.

Juros altos
Para Colmerauer, o governo brasileiro perdeu uma oportunidade única para reduzir mais a taxa de juros entre o fim do ano passado e os primeiros meses de 2004 -a Selic caiu dez pontos percentuais no período, mas voltou a subir no mês passado e está atualmente em 16,25% ao ano.
Ele acredita também que o Banco Central deveria estar perseguindo uma política mais agressiva de recomposição de reservas.
"O Brasil ainda fica muito aquém dos países asiáticos em vários pontos, um deles é o nível de reservas líquidas, ainda baixo. Acho que os próximos meses ainda serão favoráveis e o governo deve aproveitar para reforçar suas reservas porque, se houver uma reversão do apetite por risco, a tendência é que boa parte do capital especulativo que está no país, saia", diz o analista.
Colmerauer defende ainda que o governo invista na sofisticação de sua pauta de exportações já que, no médio prazo, a aposta de analistas é a de que os preços das commodities recuem. Pesquisa divulgada anteontem pela EIU, por exemplo, prevê queda de 4% dos preços em 2005, contra elevação de 9% ocorrida neste ano.
Outro caminho sugerido por economistas é que o governo brasileiro siga emitindo títulos no mercado externo para garantir recursos para cobrir suas despesas financeiras em 2005, fazendo o chamado "pré-financiamento".
"As condições no mercado externo continuam muito favoráveis aos mercados emergentes devido ao baixo nível dos juros dos títulos norte-americanos. Acho que é um momento ótimo para o Brasil voltar ao mercado, fazendo pré-financiamento dos vencimentos de 2005", diz Dennis Holtzapfell, chefe da área de emissões de mercados emergentes do UBS, em Londres.
Segundo Holtzapfell, o mercado também espera que o Brasil volte a perseguir mais reformas depois de passadas as eleições municipais, cujo primeiro turno é hoje.
A expectativa não é por acaso. Embora a maioria dos analistas ainda aposte em desaceleração da economia global a passos moderados, os efeitos de choques -como os vividos no passado- para o país não estão claros. Uma preocupação é o que aconteceria com as contas externas, uma das principais vitrines do atual governo, caso um menor ímpeto importador da China e a queda do comércio global de forma mais ampla afetem as exportações do país.
O risco é maior se ocorre um cenário de saída de capitais de curto prazo do país, caso os juros subam mais fortemente nos países desenvolvidos.
Nesse caso, o Brasil deveria compensar parte da receita e dos recursos perdidos com atração de investimentos diretos e com um colchão reforçado de reservas.
A dúvida, dizem especialistas, é se o país tem condições de atrair investimentos em escala maior sem avançar com maior força em reformas estruturais, na melhoria da sua rede de infra-estrutura e do ambiente institucional.


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