São Paulo, quarta-feira, 03 de novembro de 2004

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LUÍS NASSIF

Decifrando o Plano Real

Na semana passada, procurei destrinchar a aparente falta de lógica da política cambial do Plano Real, à luz da internacionalização da poupança interna. Nos anos 80, houve intenso processo de acumulação na ciranda financeira, época em que fortunas foram criadas em cima da mera "adivinhação" das taxas do Banco Central, dos movimentos de futuros da Bolsa, da corrupção pública facilitada pela inflação.
Esse dinheiro ficava no Brasil em contas ao portador. Em março de 1990, quando advém o Plano Collor -com o bloqueio dos cruzados e o fim das contas ao portador-, um volume expressivo sai através de doleiros.
A possibilidade de reciclar esse dinheiro, disfarçado de investimento externo, permite ganhos inéditos aos bancos de investimento, corretoras e consultores especializados em fundos agressivos, criados na ciranda dos anos 80. O butim era apenas deles, já que os bancos comerciais, conservadores, não disputariam essa poupança.

Sucessivos erros
São esses interesses que explicam a lógica dos erros sucessivos da política cambial. Veja como a lógica econômica foi aviltada em três episódios conhecidos:
Episódio 1: a apreciação cambial do Real.
Os autores do Plano Real defenderam insistentemente a necessidade de geração de déficits em contas correntes, a fim de abrir espaço para o capital financeiro. Segundo a teoria econômica, a geração de déficits visa evitar a apreciação do câmbio. Se entra muito dólar via conta comercial e muito dólar via conta financeira, o excesso de dólares provoca a apreciação do câmbio, tirando a competitividade da produção interna. A alternativa é facilitar as importações, reduzindo o superávit comercial sem apreciar o câmbio. O que o Plano Real fez foi não apenas escancarar o país para as importações, como apreciar o câmbio, acelerando a dependência do país desse capital especulativo. Não foi acidental: foi uma meta perseguida e comemorada.
Episódio 2: a facilitação, pelo Banco Central, da remessa de dólares através dos esquemas de fronteira.
Com a apreciação do real, grandes grupos brasileiros são vendidos e aumenta o capital rentista no país. Esse dinheiro saía através do câmbio paralelo. O Banco Central alegou que o ágio do paralelo conturbava o mercado e criou facilidades para que esse dinheiro saísse pelo câmbio oficial através das contas CC5 (destinadas a não-residentes no país). Na verdade, o que o Banco Central fez foi eliminar o imposto-ágio e o risco legal, dois fatores inibidores à saída de dólares, em momento em que era crucial para o país manter o dinheiro aqui.
Episódio 3: a compra de dívida externa.
Ainda no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), correm rumores de que o Banco Central pretendia recomprar títulos da dívida externa brasileira. Para quê, se o país necessitava robustecer sua reserva em dólares? Grupos brasileiros se antecipam e adquirem títulos da dívida externa brasileira, aguardando a valorização. A crise da Rússia (em agosto de 1998) surge de forma imprevista, apanhando muitos fundos no contrapé.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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