São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2008

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Bancos levam operação de risco cambial a pequenos

Contrato atrelado a dólar é similar ao que deu prejuízo a empresas como Aracruz

Fabricante de produtos para piscinas acumula dívida de quase R$ 100 mil com banco; empresa diz ter sido induzida a fechar contrato

FÁTIMA FERNANDES
TONI SCIARRETTA

DA REPORTAGEM LOCAL

Ao menos quatro bancos brasileiros passaram a pequenos empresários o complexo modelo de financiamento atrelado à variação da taxa de câmbio (derivativos cambiais) que resultou em prejuízos bilionários a grandes companhias do país.
Pouco antes de o dólar disparar, esses bancos resolveram testar com pequenas empresas um programa piloto que previa o financiamento de capital de giro com juro mais baixo, porém, atrelado a um risco cambial até então subestimado.
A operação, que deu bons ganhos a grandes empresas enquanto o dólar caia, é semelhante a aquelas que deram prejuízos bilionários a gigantes exportadoras, como Sadia e Aracruz, só que com valores menores. Com a alta do dólar, a dívida dessas empresas disparou e a discussão em torno desses prejuízos -em alguns casos- vai acabar na Justiça.
Alegando desconhecer o risco que corria, a Damarfe Produtos Químicos, uma fabricante de produtos para piscinas de Diadema (SP), decidiu recorrer à Justiça para cancelar um contrato firmado com o Banco Itaú, em 15 de agosto deste ano, que já lhe trouxe uma dívida vencida de R$ 95 mil em razão da alta do dólar. Até abril de 2009, a empresa tem dívida a vencer de R$ 230 mil.
João Resio, proprietário da empresa, acusa o banco de ter lhe oferecido um modelo de financiamento que não era compatível com o porte financeiro de sua empresa -ele fatura R$ 500 mil mensais- e que o banco não lhe explicou claramente que o negócio era complexo e atrelado à variação do dólar.
A Folha apurou que outras três empresas um pouco maiores do que a Damarfe fizeram o mesmo tipo de financiamento - com risco cambial- com outros três bancos. Esses clientes preferiram não expor seus nomes e os dos bancos porque ainda tentam resolver o caso por meio de negociação.
Pelo contrato assinado pela Damarfe, a empresa conseguiria como benefício a redução da taxa mensal de juro de 1,9% para 1,6% para descontar em média R$ 400 mil mensais em duplicatas -modalidade de crédito em que o banco adianta para a empresa o dinheiro de suas vendas a prazo.
Em contrapartida, a empresa se comprometeria a cobrir cada centavo de parte do montante emprestado -convertido em dólar-, caso a moeda americana passasse de R$ 1,71.
"Entendi que o banco tinha me oferecido um refinanciamento, que reduzia meu juro. Do dia para a noite descobri que tinha uma dívida de cerca de R$ 95 mil com o Itaú por conta da alta do dólar. Aí fui ver que o contrato, que tinha assinado no dia 15 de agosto era igualzinho ao feito pelas gigantes Aracruz, Sadia e Votorantim. Isto é, sem eu saber de nada, o banco me induziu a assinar um contrato, dizendo que era bom negócio para mim, sem me explicar que estava atrelado ao dólar. Quero agora o cancelamento do contrato."
Sem saber, segundo o dono da Damarfe, a empresa se comprometeu a vender ao banco o "direito" de comprar cerca de US$ 650 mil -ele afirma que o valor foi estipulado pelo banco- em seis contratos com quatro diferentes datas de vencimento (14 de outubro, 15 de dezembro, 11 de fevereiro e 13 de abril) a R$ 1,71 e a R$ 1,72, independentemente de quanto estivesse o dólar no período, como consta no contrato.
Por esse "direito", o banco pagou à empresa seis prêmios -de pouco menos de R$ 8 mil- no momento da assinatura do contrato. Esse crédito servia para abater o volume de juros pagos, daí a redução da taxa final do financiamento.
A operação funcionava bem para o cliente se o dólar ficasse abaixo de R$ 1,71. Abaixo desse valor, o banco não exerceria o direito de comprar a moeda, pois poderia adquiri-la a um preço menor de qualquer um no mercado. Mas se o dólar subisse, o cliente teria de cobrir cada centavo que passasse do valor estipulado. Foi o que aconteceu, no dia 14 de outubro, data dos dois primeiros vencimentos de US$ 96.175 e de US$ 115.473,71 vendidos a US$ 1,71 cada unidade.
Naquele dia, o dólar estava em R$ 2,16, e a empresa teria de cobrir R$ 95.240. Não cobriu e ficou inadimplente. Se quisesse desfazer a operação como um todo, naquele dia, deveria desembolsar R$ 328.458,50.
Resio diz que há cerca de cinco anos tinha um bom relacionamento com o gerente de uma agência Itaú em Diadema, onde fica sua empresa, e que a relação de confiança era tão sólida que fez com que ele assinasse o contrato até sem ler.
O cliente do Itaú diz que o negócio com o banco era apenas para desconto de duplicatas da ordem de R$ 400 mil por mês. Isto é, ele tinha esse valor de crédito a receber dos clientes, e ia adiantando no banco e rolando essa dívida com juros mensais da ordem de 1,9%.
Carlos Alberto Barsotti, advogado da Damarfe, diz que teve de fazer um curso para "tentar entender" a operação de financiamento que o cliente fez. Após conhecer melhor o problema em que o empresário se envolveu, Barsotti afirma que a operação só faria sentido se a empresa fosse exportadora e tivesse receita em dólares, como tinham Sadia e Aracruz.
""Ele [o cliente] estava na ponta errada. Meu cliente é importador. Se tivesse de fazer uma operação que envolvesse taxa de câmbio teria de comprar dólar [a um preço fixo], como fez o banco. Quando o dólar subiu, ele perdeu tanto com o preço dos produtos importados quanto com a dívida. Esse é um contrato de derivativos que só pode ser feito e entendido por grandes empresas. Um banco jamais pode oferecer uma operação tão complexa a um pequeno empresário. Vamos à Justiça para pedir o cancelamento", diz. O advogado estuda também pedir uma indenização para o cliente, que está inadimplente.


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