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Bancos levam operação de risco cambial a pequenos
Contrato atrelado a dólar é similar ao que deu prejuízo a empresas como Aracruz
Fabricante de produtos para piscinas acumula dívida de quase R$ 100 mil com banco; empresa diz ter sido induzida a fechar contrato
FÁTIMA FERNANDES
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Ao menos quatro bancos brasileiros passaram a pequenos
empresários o complexo modelo de financiamento atrelado à
variação da taxa de câmbio (derivativos cambiais) que resultou em prejuízos bilionários a
grandes companhias do país.
Pouco antes de o dólar disparar, esses bancos resolveram
testar com pequenas empresas
um programa piloto que previa
o financiamento de capital de
giro com juro mais baixo, porém, atrelado a um risco cambial até então subestimado.
A operação, que deu bons ganhos a grandes empresas enquanto o dólar caia, é semelhante a aquelas que deram
prejuízos bilionários a gigantes
exportadoras, como Sadia e
Aracruz, só que com valores
menores. Com a alta do dólar, a
dívida dessas empresas disparou e a discussão em torno desses prejuízos -em alguns casos- vai acabar na Justiça.
Alegando desconhecer o risco que corria, a Damarfe Produtos Químicos, uma fabricante de produtos para piscinas de
Diadema (SP), decidiu recorrer
à Justiça para cancelar um contrato firmado com o Banco
Itaú, em 15 de agosto deste ano,
que já lhe trouxe uma dívida
vencida de R$ 95 mil em razão
da alta do dólar. Até abril de
2009, a empresa tem dívida a
vencer de R$ 230 mil.
João Resio, proprietário da
empresa, acusa o banco de ter
lhe oferecido um modelo de financiamento que não era compatível com o porte financeiro
de sua empresa -ele fatura R$
500 mil mensais- e que o banco não lhe explicou claramente
que o negócio era complexo e
atrelado à variação do dólar.
A Folha apurou que outras
três empresas um pouco maiores do que a Damarfe fizeram o
mesmo tipo de financiamento
- com risco cambial- com outros três bancos. Esses clientes
preferiram não expor seus nomes e os dos bancos porque
ainda tentam resolver o caso
por meio de negociação.
Pelo contrato assinado pela
Damarfe, a empresa conseguiria como benefício a redução
da taxa mensal de juro de 1,9%
para 1,6% para descontar em
média R$ 400 mil mensais em
duplicatas -modalidade de
crédito em que o banco adianta
para a empresa o dinheiro de
suas vendas a prazo.
Em contrapartida, a empresa
se comprometeria a cobrir cada centavo de parte do montante emprestado -convertido
em dólar-, caso a moeda americana passasse de R$ 1,71.
"Entendi que o banco tinha
me oferecido um refinanciamento, que reduzia meu juro.
Do dia para a noite descobri
que tinha uma dívida de cerca
de R$ 95 mil com o Itaú por
conta da alta do dólar. Aí fui ver
que o contrato, que tinha assinado no dia 15 de agosto era
igualzinho ao feito pelas gigantes Aracruz, Sadia e Votorantim. Isto é, sem eu saber de nada, o banco me induziu a assinar um contrato, dizendo que
era bom negócio para mim,
sem me explicar que estava
atrelado ao dólar. Quero agora
o cancelamento do contrato."
Sem saber, segundo o dono
da Damarfe, a empresa se comprometeu a vender ao banco o
"direito" de comprar cerca de
US$ 650 mil -ele afirma que o
valor foi estipulado pelo banco- em seis contratos com
quatro diferentes datas de vencimento (14 de outubro, 15 de
dezembro, 11 de fevereiro e 13
de abril) a R$ 1,71 e a R$ 1,72,
independentemente de quanto
estivesse o dólar no período,
como consta no contrato.
Por esse "direito", o banco
pagou à empresa seis prêmios
-de pouco menos de R$ 8
mil- no momento da assinatura do contrato. Esse crédito
servia para abater o volume de
juros pagos, daí a redução da
taxa final do financiamento.
A operação funcionava bem
para o cliente se o dólar ficasse
abaixo de R$ 1,71. Abaixo desse
valor, o banco não exerceria o
direito de comprar a moeda,
pois poderia adquiri-la a um
preço menor de qualquer um
no mercado. Mas se o dólar subisse, o cliente teria de cobrir
cada centavo que passasse do
valor estipulado. Foi o que
aconteceu, no dia 14 de outubro, data dos dois primeiros
vencimentos de US$ 96.175 e
de US$ 115.473,71 vendidos a
US$ 1,71 cada unidade.
Naquele dia, o dólar estava
em R$ 2,16, e a empresa teria
de cobrir R$ 95.240. Não cobriu e ficou inadimplente. Se
quisesse desfazer a operação
como um todo, naquele dia, deveria desembolsar R$
328.458,50.
Resio diz que há cerca de cinco anos tinha um bom relacionamento com o gerente de
uma agência Itaú em Diadema,
onde fica sua empresa, e que a
relação de confiança era tão sólida que fez com que ele assinasse o contrato até sem ler.
O cliente do Itaú diz que o
negócio com o banco era apenas para desconto de duplicatas da ordem de R$ 400 mil por
mês. Isto é, ele tinha esse valor
de crédito a receber dos clientes, e ia adiantando no banco e
rolando essa dívida com juros
mensais da ordem de 1,9%.
Carlos Alberto Barsotti, advogado da Damarfe, diz que teve de fazer um curso para "tentar entender" a operação de financiamento que o cliente fez.
Após conhecer melhor o problema em que o empresário se
envolveu, Barsotti afirma que a
operação só faria sentido se a
empresa fosse exportadora e tivesse receita em dólares, como
tinham Sadia e Aracruz.
""Ele [o cliente] estava na
ponta errada. Meu cliente é importador. Se tivesse de fazer
uma operação que envolvesse
taxa de câmbio teria de comprar dólar [a um preço fixo],
como fez o banco. Quando o
dólar subiu, ele perdeu tanto
com o preço dos produtos importados quanto com a dívida.
Esse é um contrato de derivativos que só pode ser feito e entendido por grandes empresas.
Um banco jamais pode oferecer uma operação tão complexa a um pequeno empresário.
Vamos à Justiça para pedir o
cancelamento", diz. O advogado estuda também pedir uma
indenização para o cliente, que
está inadimplente.
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