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OPINIÃO ECONÔMICA
O pessimismo e suas consequências
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Na quarta-feira da semana passada, o IBGE divulgou os dados relativos ao crescimento da economia no terceiro semestre de 2003. O fato era
aguardado com especial interesse,
uma vez que traria importantes
informações para o debate sobre
a controvertida retomada (ou
não) da economia.
Particularmente no que se refere à comparação do terceiro trimestre com o anterior, o número
divulgado (0,4% de crescimento)
mostrou-se muito inferior às previsões mais pessimistas. Diante
dessa nova evidência, duas reações seriam plausíveis: entendê-la
como uma confirmação de que a
economia continua imersa em
crise (não havendo ainda sinais
de que o "espetáculo do crescimento" estivesse sequer começando); ou tomá-la como indício de
que algo estava errado. Nesse caso, ou bem eram falsos os indícios
de retomada até então surgidos
ou o novo dado continha problemas.
Prevaleceu de longe a primeira
atitude; o noticiário foi inundado
por juízos altamente negativos
sobre a economia e as políticas
para ela voltadas.
Para os que trataram de averiguar o ocorrido, no entanto, várias surpresas surgiram de imediato. Cito aqui apenas duas.
Primeiro, num ano em que a
agropecuária se apresenta em excelente forma, prometendo crescer algo como 5,5%, o terceiro trimestre teria apresentado uma retração de 6,7%! Isso significa que,
se os dados fossem expressos pelo
método usual nos EUA (com os
trimestres anualizados), a agropecuária teria sido apresentada
como sofrendo um verdadeiro colapso: cerca 24% de retração.
Já o comportamento da indústria e o dos investimentos, respectivamente 2,7% e 2,8% de expansão (voltando a comparar o terceiro com o segundo trimestre),
excede as projeções mais otimistas. Mais que isso: a retomada dos
investimentos (ou, melhor dito, o
início de retomada dos investimentos) já nos primeiros meses
da presente reativação mostra-se
precoce, sugerindo condutas mais
vivas ou especialmente propensas
à expansão. Em poucas e simples
palavras, os dados relativos à indústria e aos investimentos são
surpreendentemente favoráveis!
Por contraste com o que acaba
de ser dito, prevaleceu, no entanto, um denso pessimismo. Aponto, no que segue, possíveis consequências dessa atitude.
Estamos vivendo uma fase de
desrepressão da demanda, deflagrada pela queda dos juros. Essa é
uma fase em que prevalece amplamente um certo automatismo
das reações de consumidores e
empresários. Daqui para a frente,
no entanto, as decisões passam a
requerer conjecturas acerca do futuro próximo -a partir das
quais serão tomadas decisões
quanto ao nível de atividades, os
turnos de produção e até as primeiras (novas) decisões de investimento. À medida que se ingresse
nessa fase, o pessimismo passa a
ser um freio à expansão da renda
e do emprego.
O pessimismo pode também revelar-se nocivo, ao alimentar demandas setoriais de proteção ou
ajuda -que, possivelmente, não
mais têm razão de ser. Assim, por
exemplo, se o reaquecimento da
economia estiver em pleno curso,
a prorrogação do corte do IPI dos
automóveis, pleiteada e obtida
pelo setor e a CUT, na sexta-feira,
constitui um anacronismo. E não
se trata apenas de uma concessão
extemporânea: transmite a impressão de que o próprio governo
estaria admitindo que ainda estamos distantes da retomada.
Finalmente, convém sublinhar
que, tendo a economia brasileira
sofrido enormes mudanças nos
últimos anos e aparentemente
adquirido competitividade em
novos ramos e produtos, ninguém
sabe ao certo o seu efetivo potencial de crescimento. Na realidade,
dado o miserável desempenho
dos últimos 23 anos, é mais fácil
subestimá-lo, por medo de crescer, do que sobreavaliá-lo.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
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