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São Paulo, quarta-feira, 03 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O pessimismo e suas consequências

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Na quarta-feira da semana passada, o IBGE divulgou os dados relativos ao crescimento da economia no terceiro semestre de 2003. O fato era aguardado com especial interesse, uma vez que traria importantes informações para o debate sobre a controvertida retomada (ou não) da economia.
Particularmente no que se refere à comparação do terceiro trimestre com o anterior, o número divulgado (0,4% de crescimento) mostrou-se muito inferior às previsões mais pessimistas. Diante dessa nova evidência, duas reações seriam plausíveis: entendê-la como uma confirmação de que a economia continua imersa em crise (não havendo ainda sinais de que o "espetáculo do crescimento" estivesse sequer começando); ou tomá-la como indício de que algo estava errado. Nesse caso, ou bem eram falsos os indícios de retomada até então surgidos ou o novo dado continha problemas.
Prevaleceu de longe a primeira atitude; o noticiário foi inundado por juízos altamente negativos sobre a economia e as políticas para ela voltadas.
Para os que trataram de averiguar o ocorrido, no entanto, várias surpresas surgiram de imediato. Cito aqui apenas duas.
Primeiro, num ano em que a agropecuária se apresenta em excelente forma, prometendo crescer algo como 5,5%, o terceiro trimestre teria apresentado uma retração de 6,7%! Isso significa que, se os dados fossem expressos pelo método usual nos EUA (com os trimestres anualizados), a agropecuária teria sido apresentada como sofrendo um verdadeiro colapso: cerca 24% de retração.
Já o comportamento da indústria e o dos investimentos, respectivamente 2,7% e 2,8% de expansão (voltando a comparar o terceiro com o segundo trimestre), excede as projeções mais otimistas. Mais que isso: a retomada dos investimentos (ou, melhor dito, o início de retomada dos investimentos) já nos primeiros meses da presente reativação mostra-se precoce, sugerindo condutas mais vivas ou especialmente propensas à expansão. Em poucas e simples palavras, os dados relativos à indústria e aos investimentos são surpreendentemente favoráveis!
Por contraste com o que acaba de ser dito, prevaleceu, no entanto, um denso pessimismo. Aponto, no que segue, possíveis consequências dessa atitude.
Estamos vivendo uma fase de desrepressão da demanda, deflagrada pela queda dos juros. Essa é uma fase em que prevalece amplamente um certo automatismo das reações de consumidores e empresários. Daqui para a frente, no entanto, as decisões passam a requerer conjecturas acerca do futuro próximo -a partir das quais serão tomadas decisões quanto ao nível de atividades, os turnos de produção e até as primeiras (novas) decisões de investimento. À medida que se ingresse nessa fase, o pessimismo passa a ser um freio à expansão da renda e do emprego.
O pessimismo pode também revelar-se nocivo, ao alimentar demandas setoriais de proteção ou ajuda -que, possivelmente, não mais têm razão de ser. Assim, por exemplo, se o reaquecimento da economia estiver em pleno curso, a prorrogação do corte do IPI dos automóveis, pleiteada e obtida pelo setor e a CUT, na sexta-feira, constitui um anacronismo. E não se trata apenas de uma concessão extemporânea: transmite a impressão de que o próprio governo estaria admitindo que ainda estamos distantes da retomada.
Finalmente, convém sublinhar que, tendo a economia brasileira sofrido enormes mudanças nos últimos anos e aparentemente adquirido competitividade em novos ramos e produtos, ninguém sabe ao certo o seu efetivo potencial de crescimento. Na realidade, dado o miserável desempenho dos últimos 23 anos, é mais fácil subestimá-lo, por medo de crescer, do que sobreavaliá-lo.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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