São Paulo, quinta, 3 de dezembro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA

Esquizofrenia tributária

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Meus amigos, uma das coisas mais confusas e contraditórias é a movimentação do governo federal na área tributária. Nos últimos dias, veio à luz mais uma proposta ambiciosa de reforma do sistema tributário. É a terceira em apenas quatro anos. Decididamente, não é por falta de propostas ousadas que o sistema brasileiro não melhora.
A nova proposta mantém a preocupação em diminuir o componente tributário do chamado "custo Brasil". Ao apresentá-la, o ministro Malan referiu-se, mais uma vez, ao fato de que o peso dos tributos "em cascata", como a Cofins e o PIS, "coloca a produção nacional em desvantagem competitiva". Chegou a dizer que o crescimento sustentável não é possível com um sistema tributário que discrimina o produtor nacional na competição com produtores localizados em outros países. Por esse motivo, a Cofins e o PIS estão entre os tributos que o governo propõe extinguir.
Tem toda razão o ministro da Fazenda. A Cofins e o PIS, que incidem sobre o faturamento das empresas, constituem uma pesada carga sobre a produção brasileira, prejudicando as exportações e os setores que concorrem com importações no mercado nacional.
A essa altura, contudo, até o mais distraído dos observadores já terá notado uma curiosa dissonância entre o discurso e a prática do governo em matéria tributária. Dissonância não. Dissonância é "understatement". O que há é uma certa esquizofrenia.
O último exemplo dessa esquizofrenia foi o pacote fiscal apresentado recentemente ao Congresso. Grande parte dele consiste justamente do aumento expressivo de tributos cumulativos: a Cofins, cuja alíquota sobe 50%, e a CPMF, que será prorrogada com uma alíquota de 90% maior em 1999. A majoração da Cofins já foi aprovada pelo Congresso. A prorrogação e o aumento da CPMF ainda dependem de emenda constitucional.
Aparentemente, a proposta de reforma estrutural foi atropelada pela emergência financeira. É a reprise de um filme que o contribuinte brasileiro já sabe de cor.
Nem mesmo a nova proposta de reforma tributária respeita integralmente a necessidade, "imperiosa", segundo o ministro Malan, de reduzir o "custo Brasil", uma vez que inclui a transformação da CPMF em tributo permanente, com o nome de imposto sobre movimentação financeira (IMF).
Evidentemente, tudo isso onera mais as exportações brasileiras e facilita a penetração das importações no mercado interno. Uma beleza para um país que precisa crescer, gerar empregos e reduzir o desequilíbrio nas contas externas!
Nessas circunstâncias, não vai ser nada fácil convencer os brasileiros de que a nova proposta de reforma tributária tem ou terá alguma aderência à realidade prática. O ceticismo ameaça transformar-se em cinismo. A solução talvez seja acionar a "bomba atômica" e mobilizar o próprio presidente da República.
Como diz o Luís Paulo Rosenberg, nem os mais insistentes e obstinados detratores de FHC podem negar-lhe uma qualidade: a capacidade de persuasão. Tivemos recentemente um exemplo dessa sua virtude. Em 1998, Fernando Henrique operou a façanha de reeleger-se com a promessa de acabar com o desemprego. Vejam bem: o desemprego que ele próprio criou!
É como aquela história do sujeito que assassinou pai e mãe, foi a julgamento e resolveu apelar para a clemência do júri sob a alegação de que era órfão.


Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net




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