São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2004

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NOVO FILÃO

Segundo estimativas do Ministério do Trabalho, existem 18 mil entidades; contribuições chegam a R$ 600 mi por ano

País ganha um novo sindicato a cada dia

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Criar uma entidade sindical no Brasil pode ser sinônimo de negócio lucrativo. Responsáveis pela movimentação de mais de R$ 600 milhões por ano somente em recursos da contribuição sindical (o chamado imposto sindical), os sindicatos se proliferam no país e atuam sem mecanismos de fiscalização por parte do governo.
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que de janeiro a novembro do ano passado, 335 novos sindicatos foram registrados -o que equivale ao surgimento de quase uma entidade por dia. A estimativa do governo é que atualmente existam no país cerca de 18 mil sindicatos de trabalhadores e de patrões.
"Abrir um sindicato no Brasil é mais fácil do que abrir um botequim", afirma o secretário de Relações do Trabalho do MTE, Osvaldo Bargas, que também é coordenador do FNT (Fórum Nacional do Trabalho), grupo formado por governo, trabalhadores e empresários para discutir as reformas sindical e trabalhista.
De acordo como o secretário, o efeito colateral de uma legislação que prevê a liberdade sindical irrestrita é o surgimento de sindicatos de fachada. São entidades que não têm filiados, embora tenham registro sindical, e vivem às custas das contribuições previstas legalmente.
Atualmente, as exigências para criação de sindicatos são mínimas, não havendo necessidade, por exemplo, de comprovação de representatividade. Para obter registro no ministério, o sindicato não precisa provar ter um filiado sequer. "Nem dez anos depois de concedido o registro precisa comprovar nada", disse Bargas.
O registro sindical concedido pelo governo não chega a ser uma autorização porque a Constituição veda esse tipo de exigência por parte do Estado para que um sindicato possa existir. "A partir da Constituição, o Ministério do Trabalho funciona apenas como um depósito de registro sindical", diz o secretário.
Se o ministério nega o pedido de registro por descumprimento do princípio da unicidade sindical (um sindicato por base territorial), a maior parte recorre à Justiça e consegue obtê-lo.
O mesmo ocorre quando, após a concessão do registro ao sindicato, outra entidade entra com pedido de impugnação, alegando já representar determinada categoria. Caso o ministério mantenha o registro sindical para a nova entidade, o sindicato autor da impugnação recorre ao Judiciário para cassar o novo registro.
"Quando o caso vai para a Justiça, o Ministério do Trabalho lava as mãos. É a Justiça que vai decidir. E quem vai decidir na Justiça não entende nada de sindicato", afirma o secretário.

Arrecadação
Com o registro, o sindicato passa a ter o direito de cobrar o imposto sindical entre outras contribuições. No caso do imposto, as empresas são obrigadas a recolher a contribuição do trabalhador, mesmo que ele não seja filiado à entidade.
Outras contribuições, como a confederativa e a assistencial, também podem ser cobradas do trabalhador sem filiação a um sindicato, mas não são obrigatórias. O imposto sindical é cobrado anualmente sobre o pagamento de fevereiro e equivale a um dia de salário do trabalhador.
"Neste período, se o trabalhador estava desempregado, não paga. Mas, se depois arrumou emprego em setembro, o novo empregador vai ter que descontar", diz Bargas.
No caso de sindicatos patronais ou de trabalhadores autônomos, a entidade manda confeccionar um boleto para recolhimento da contribuição sindical e o envia a todos endereços de trabalhadores ou empresas.
"Os sindicatos mandam fazer o formulário e metem ali o Brasão da República e o nome do Ministério do Trabalho. Quando o cara recebe, diz: "Isso é um imposto". Conversa com o contador e acaba pagando o boleto para não gerar um passivo", conta Bargas.
A contribuição sindical corresponde a um percentual variável (0,02% a 0,8%) sobre o capital social da empresa.
O valor recolhido de patrões e empregados é rateado: 5% para a confederação, 15% para a federação, 60% para os sindicatos e 20% para o Ministério do Trabalho.
Para trabalhadores rurais, a sistemática de recolhimento é diferente. A contribuição é recolhida pelas confederações -CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura)- e repassada para as federações e sindicatos.
Antes, o governo exigia dos sindicatos anualmente prestação de contas de seus gastos. Hoje isso é proibido, assim como qualquer tipo de fiscalização, interferência ou intervenção do governo no funcionamento ou nas atividades do sindicato.

Controle
"Ninguém tem controle. Quando a gente pega uma lista de endereços de sindicatos e telefona para eles, muitos não existem. Ou então, vamos olhar a composição da diretoria, às vezes são todos parentes", diz o secretário.
Bargas acrescenta que já estudou o movimento sindical nos Estados Unidos, no México, na Argentina, no Chile, na Colômbia, no Peru, nos países da Europa e na África do Sul. Em todos eles, as regras são mais rígidas.
"Não existe lugar mais fácil para ser sindicalista do que no Brasil. A culpa disso é o monopólio da representação sindical. O Estado te dá o monopólio e todas as garantias para sobreviver. É o monopólio financiado", afirma.
Como a Constituição, além de prever a liberdade sindical, estabelece a unicidade sindical, mesmo que um sindicato desagrade à categoria ou não tenha representatividade nenhuma, por estar estabelecido naquela base territorial não pode sofrer a "concorrência" de outro sindicato.
Por esse motivo, o Brasil ainda é um dos países que não assinaram a Convenção 87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). O documento diz que o Estado tem de garantir um sistema de organização sindical em que os trabalhadores sejam livres para criar seus sindicatos a partir de regras de representatividade.
A convenção declara ainda que a contribuição para esses sindicatos não pode ser obrigatória. Em outras palavras, os sindicatos devem ser financiados por seus filiados. O documento declara ainda que os países devem ter normas de proteção ao exercício da atividade sindical.
"Por deter o monopólio, existem muitos líderes sindicais que nunca administraram uma greve. Os sindicatos são grandes clubes", afirma o secretário.



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