São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

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"Não temos crise", diz Figueiredo

Para ex-diretor do BC, turbulência que o mercado global viveu nos últimos dias é fenômeno normal

Apesar do bom momento vivido pelo país, Figueiredo diz que falta dinamismo à economia devido à carga fiscal de quase 40% do PIB

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

O economista Luiz Fernando Figueiredo, 43, diretor do Banco Central de 1999 a 2003 e atualmente sócio-diretor da Mauá Investimentos, não classifica como crise a turbulência que o mercado viveu nesta semana. Para ele, trata-se de um fenômeno normal, que acontece, de vez em quando, no mercado financeiro, depois de um período longo de crescimento mundial contínuo.
Para Figueiredo, não há nenhum grande problema no mundo que venha a provocar um terremoto como em outras crises internacionais. Em 1997, na crise da Ásia, por exemplo, os países emergentes estavam em situação de extrema fragilidade. A conta corrente desses países estava negativa em US$ 50 bilhões. Hoje, está positiva em US$ 300 bilhões.
O economista também não acha que o atual ciclo de exuberância esteja no fim, como se discutiu na semana passada a partir de declarações do ex-presidente do Fed (o BC dos Estados Unidos) Alan Greenspan. Ele acha que o atual ciclo deve se manter por mais um ou dois anos.
Figueiredo diz também que o Brasil vive um dos seus melhores momentos. O melhor exemplo, a seu ver, é o fato de os ativos reais hoje estarem sendo tão procurados quanto os financeiros. "Trata-se de uma mudança estrutural relevante no país."
Ele acha, no entanto, que falta dinamismo à economia, e isso se deve à elevada carga tributária. Nos países emergentes, a carga tributária corresponde a 25% do PIB, enquanto no Brasil é de quase 40%. "A carga tributária pesa muito mais do que os juros."
Leia, a seguir, trechos da entrevista.

 

FOLHA - A turbulência desta semana pode ser caracterizada como crise ou um susto?
LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO
- Não classificaria como crise, de forma nenhuma. Não tem ninguém quebrando e nenhum país enfrenta problema sério de financiamento. O que há é um fenômeno financeiro, que, de quando em quando, acaba acontecendo. Não há nenhuma mudança relevante na economia mundial que aponte para uma crise. O que houve foi um processo normal que sempre ocorre depois de muito tempo de crescimento e de exuberância da economia mundial. Estamos há muito tempo vivendo um processo de crescimento com inflação baixa, principalmente nos emergentes. Nesse contexto, tem havido uma valorização muito grande dos ativos desses países. Como esse processo tem melhorado a qualidade do crédito desses países, os grandes investidores têm aumentado o interesse em aplicar nos emergentes. Isso tem diminuído a diferença de preços entre os países do Primeiro Mundo e os emergentes.

FOLHA - Trata-se de uma bolha?
FIGUEIREDO
- Não tem nada de bolha. Trata-se de um processo saudável, que, apesar de não ser uma bolha, não é linear. Num processo de alta no mercado de ações, é previsível que ocorram quedas. Como essa alta já dura muito tempo, isso acaba gerando ações supervalorizadas, como foi o caso da Bolsa de Xangai. Foi uma situação de bolha, mas isso não quer dizer que todos os preços vivam essa situação de bolha. Você acaba tendo uma situação de bolha num ou noutro lugar. A tendência de longo prazo continua sendo positiva.

FOLHA - A turbulência de agora não guarda semelhança com a crise da Ásia de 1997?
FIGUEIREDO
- Para uma crise começar, é preciso que alguns gatilhos sejam disparados. Uma mudança brusca no ritmo de crescimento do mundo ou dos Estados Unidos, por exemplo, poderia gerar uma crise. Se os países emergentes estivessem muito fragilizados, como em 1997, isso seria um gatilho. Hoje, os emergentes estão muito saudáveis. Para dar uma idéia, a conta externa total dos países emergentes estava negativa em US$ 50 bilhões em 1997, e, hoje, está positiva em US$ 300 bilhões. Se antes esses países precisavam de dinheiro todo ano, hoje eles estão pagando a dívida a uma razão de US$ 300 bilhões ao ano. Outra origem de uma crise seria provocada se a lucratividade do setor produtivo estivesse em baixa no mundo ou numa região relevante, mas também não é o caso. No mundo, as empresas estão com a lucratividade num nível historicamente muito elevado. A inflação poderia ser outro problema, mas também não é o caso. Não existe uma razão relevante, como em 1997, para uma mudança da tendência.

FOLHA - O ex-presidente do Fed Alan Greenspan teria previsto uma recessão nos Estados Unidos...
FIGUEIREDO
- O que ele pergunta é se estamos ou não no final desse ciclo de crescimento. Nós já superamos a metade do ciclo, mas a minha sensação é que ele dure mais um ou dois anos. O próprio Greenspan diz que não enxerga nenhum gatilho relevante que poderia levar os Estados Unidos à recessão. A situação fiscal americana está melhor. A dívida americana não está crescendo de forma tão expressiva como há pouco tempo. O grande problema é o déficit em conta corrente, mas os EUA são o país que tem mais crédito no mundo. O grande problema seria se os EUA deixassem de ter o crédito que têm. Portanto todas essas razões me levam a crer que o que está ocorrendo nos mercados é um processo de ajuste.

FOLHA - Quanto tempo pode demorar esse ajuste?
FIGUEIREDO
- O que se pode dizer é que é um fenômeno temporário. É impossível dizer se irá durar dias ou semanas.

FOLHA - E como o sr. vê o Brasil nesse processo?
FIGUEIREDO
- O Brasil aproveitou bem esse período de exuberância do mercado nestes últimos quatro ou cinco anos para reduzir de maneira muito significativa seu endividamento externo. Hoje, a dívida pública externa brasileira é até negativa. O Brasil não tem mais essa fragilidade do ponto de vista externo. Nunca vi uma situação externa tão positiva para o país. O Brasil tem produzido um superávit em conta corrente de 1,5% do PIB, nossa balança comercial continua melhorando e o investimento está crescendo.

FOLHA - A turbulência não mexeu com o Brasil?
FIGUEIREDO
- Nestes dias de turbulência, o BC comprou mais de US$ 2 bilhões para acumulação de reservas. Se considerar do início do ano até agora, as compras somam mais de US$ 13 bilhões. Isso não é sinal de nenhuma crise. Todos os indicadores são positivos. O Brasil tem melhorado a situação fiscal. A relação dívida/PIB está em queda e a inflação se encontra num nível bastante razoável, entre 3% e 4% ao ano, comparável aos países do Primeiro Mundo. Além disso, pela primeira vez em muito tempo, o país caminha para ter uma taxa de juros bastante razoável.

FOLHA - O setor produtivo não pode se sentir desestimulado a iniciar novos investimentos?
FIGUEIREDO
- Tudo isso somado tem provocado uma mudança estrutural relevante no mercado brasileiro. Como o nível de taxa real de juros era muito alto no país, existia um incentivo aos investidores a ficar no curto prazo. Como o nível de retorno de ativos de curto prazo, em termos reais, de um ano para cá, reduziu-se praticamente à metade e vai continuar baixando daqui para a frente, existe agora uma tendência e uma demanda dos clientes por investir em ativos com maior risco. Isso está trazendo uma mudança muito importante na relação entre ativos financeiros e ativos reais no país. No Brasil, os ativos financeiros sempre tiveram um valor muito alto, e os reais, um valor muito baixo. Isso está mudando. Os ativos reais estão se valorizando. O país começa a trabalhar num ambiente de mais normalidade. A relação entre ativo financeiro e ativo real está hoje muito mais próxima da da maioria dos países do Primeiro Mundo. Até há pouco tempo, as empresas eram avaliadas pelo seu fluxo de caixa de dois a três anos. O valor intrínseco de um negócio no Brasil não era levado em consideração. O melhor exemplo disso é o crescimento do volume de emissão de ações nos últimos anos. No ano passado foram R$ 31 bilhões -e esse valor pode dobrar neste ano.

FOLHA - Como o sr. avalia a saída de Afonso Bevilaqua do BC?
FIGUEIREDO
- O Brasil passou por um processo muito importante de reforçar as instituições. As políticas do BC independem de um diretor. Bevilaqua já estava havia quatro anos no BC e era natural que fosse substituído.

FOLHA - A saída de Bevilaqua não sinaliza uma mudança na política monetária?
FIGUEIREDO
- O BC já deixou muito claro o caminho que optou a partir de agora, que é o de baixar menos o juro agora com o objetivo de reduzir mais ao longo do tempo. Não há razão para isso não acontecer dessa forma. Na próxima reunião do Copom [dias 6 e 7], a Selic deve baixar mais 0,25 ponto.

FOLHA - Se o Brasil hoje está com uma economia mais saudável, por que o crescimento ainda é baixo?
FIGUEIREDO
- A economia brasileira hoje está muito mais saudável, mas ainda é muito pouco dinâmica. A razão disso é a elevada carga tributária. E ela é alta porque o gasto público tem crescido bastante, mesmo sem investimento público. A carga tributária dos países emergentes gira em torno de 25% do PIB, enquanto a nossa é de quase 40%. A nossa economia carrega um peso muito grande e por isso cresce menos do que as outras. A carga tributária pesa muito mais do que os juros.

FIGUEIREDO FOI PARA O BC POR INDICAÇÃO DE ARMÍNIO FRAGA
O hoje sócio da Mauá Investimentos foi um dos profissionais de mercado levados ao BC no início de 1999, após a maxidesvalori-zação do real. Foi o diretor de Política Monetária até 2003. Antes do BC, trabalhou seis anos no banco BBA e teve passagens pelo extinto Nacional e o JP Morgan.


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