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"Não temos crise", diz Figueiredo
Para ex-diretor do BC, turbulência que o mercado global viveu nos últimos dias é fenômeno normal
Apesar do bom momento vivido pelo país, Figueiredo diz que falta dinamismo à economia devido à carga fiscal de quase 40% do PIB
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
O economista Luiz Fernando
Figueiredo, 43, diretor do Banco Central de 1999 a 2003 e
atualmente sócio-diretor da
Mauá Investimentos, não classifica como crise a turbulência
que o mercado viveu nesta semana. Para ele, trata-se de um
fenômeno normal, que acontece, de vez em quando, no mercado financeiro, depois de um
período longo de crescimento
mundial contínuo.
Para Figueiredo, não há nenhum grande problema no
mundo que venha a provocar
um terremoto como em outras
crises internacionais. Em 1997,
na crise da Ásia, por exemplo,
os países emergentes estavam
em situação de extrema fragilidade. A conta corrente desses
países estava negativa em US$
50 bilhões. Hoje, está positiva
em US$ 300 bilhões.
O economista também não
acha que o atual ciclo de exuberância esteja no fim, como se
discutiu na semana passada a
partir de declarações do ex-presidente do Fed (o BC dos
Estados Unidos) Alan Greenspan. Ele acha que o atual ciclo
deve se manter por mais um ou
dois anos.
Figueiredo diz também que o
Brasil vive um dos seus melhores momentos. O melhor
exemplo, a seu ver, é o fato de os
ativos reais hoje estarem sendo
tão procurados quanto os financeiros. "Trata-se de uma
mudança estrutural relevante
no país."
Ele acha, no entanto, que falta dinamismo à economia, e isso se deve à elevada carga tributária. Nos países emergentes, a
carga tributária corresponde a
25% do PIB, enquanto no Brasil é de quase 40%. "A carga tributária pesa muito mais do que
os juros."
Leia, a seguir, trechos da entrevista.
FOLHA - A turbulência desta semana pode ser caracterizada como crise
ou um susto?
LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO - Não
classificaria como crise, de forma nenhuma. Não tem ninguém quebrando e nenhum
país enfrenta problema sério
de financiamento. O que há é
um fenômeno financeiro, que,
de quando em quando, acaba
acontecendo. Não há nenhuma
mudança relevante na economia mundial que aponte para
uma crise. O que houve foi um
processo normal que sempre
ocorre depois de muito tempo
de crescimento e de exuberância da economia mundial.
Estamos há muito tempo vivendo um processo de crescimento com inflação baixa,
principalmente nos emergentes. Nesse contexto, tem havido
uma valorização muito grande
dos ativos desses países. Como
esse processo tem melhorado a
qualidade do crédito desses
países, os grandes investidores
têm aumentado o interesse em
aplicar nos emergentes. Isso
tem diminuído a diferença de
preços entre os países do Primeiro Mundo e os emergentes.
FOLHA - Trata-se de uma bolha?
FIGUEIREDO - Não tem nada de
bolha. Trata-se de um processo
saudável, que, apesar de não ser
uma bolha, não é linear. Num
processo de alta no mercado de
ações, é previsível que ocorram
quedas. Como essa alta já dura
muito tempo, isso acaba gerando ações supervalorizadas, como foi o caso da Bolsa de Xangai. Foi uma situação de bolha,
mas isso não quer dizer que todos os preços vivam essa situação de bolha. Você acaba tendo
uma situação de bolha num ou
noutro lugar. A tendência de
longo prazo continua sendo positiva.
FOLHA - A turbulência de agora
não guarda semelhança com a crise
da Ásia de 1997?
FIGUEIREDO - Para uma crise começar, é preciso que alguns gatilhos sejam disparados. Uma
mudança brusca no ritmo de
crescimento do mundo ou dos
Estados Unidos, por exemplo,
poderia gerar uma crise. Se os
países emergentes estivessem
muito fragilizados, como em
1997, isso seria um gatilho.
Hoje, os emergentes estão
muito saudáveis. Para dar uma
idéia, a conta externa total dos
países emergentes estava negativa em US$ 50 bilhões em
1997, e, hoje, está positiva em
US$ 300 bilhões. Se antes esses
países precisavam de dinheiro
todo ano, hoje eles estão pagando a dívida a uma razão de US$
300 bilhões ao ano.
Outra origem de uma crise
seria provocada se a lucratividade do setor produtivo estivesse em baixa no mundo ou
numa região relevante, mas
também não é o caso. No mundo, as empresas estão com a lucratividade num nível historicamente muito elevado. A inflação poderia ser outro problema, mas também não é o caso.
Não existe uma razão relevante, como em 1997, para uma
mudança da tendência.
FOLHA - O ex-presidente do Fed
Alan Greenspan teria previsto uma
recessão nos Estados Unidos...
FIGUEIREDO - O que ele pergunta
é se estamos ou não no final
desse ciclo de crescimento. Nós
já superamos a metade do ciclo,
mas a minha sensação é que ele
dure mais um ou dois anos. O
próprio Greenspan diz que não
enxerga nenhum gatilho relevante que poderia levar os Estados Unidos à recessão.
A situação fiscal americana
está melhor. A dívida americana não está crescendo de forma
tão expressiva como há pouco
tempo. O grande problema é o
déficit em conta corrente, mas
os EUA são o país que tem mais
crédito no mundo. O grande
problema seria se os EUA deixassem de ter o crédito que
têm. Portanto todas essas razões me levam a crer que o que
está ocorrendo nos mercados é
um processo de ajuste.
FOLHA - Quanto tempo pode demorar esse ajuste?
FIGUEIREDO - O que se pode dizer é que é um fenômeno temporário. É impossível dizer se
irá durar dias ou semanas.
FOLHA - E como o sr. vê o Brasil nesse processo?
FIGUEIREDO - O Brasil aproveitou bem esse período de exuberância do mercado nestes últimos quatro ou cinco anos para
reduzir de maneira muito significativa seu endividamento
externo. Hoje, a dívida pública
externa brasileira é até negativa. O Brasil não tem mais essa
fragilidade do ponto de vista
externo. Nunca vi uma situação
externa tão positiva para o país.
O Brasil tem produzido um superávit em conta corrente de
1,5% do PIB, nossa balança comercial continua melhorando e
o investimento está crescendo.
FOLHA - A turbulência não mexeu
com o Brasil?
FIGUEIREDO - Nestes dias de turbulência, o BC comprou mais
de US$ 2 bilhões para acumulação de reservas. Se considerar
do início do ano até agora, as
compras somam mais de US$
13 bilhões. Isso não é sinal de
nenhuma crise. Todos os indicadores são positivos. O Brasil
tem melhorado a situação fiscal. A relação dívida/PIB está
em queda e a inflação se encontra num nível bastante razoável, entre 3% e 4% ao ano, comparável aos países do Primeiro
Mundo. Além disso, pela primeira vez em muito tempo, o
país caminha para ter uma taxa
de juros bastante razoável.
FOLHA - O setor produtivo não pode se sentir desestimulado a iniciar
novos investimentos?
FIGUEIREDO - Tudo isso somado
tem provocado uma mudança
estrutural relevante no mercado brasileiro. Como o nível de
taxa real de juros era muito alto
no país, existia um incentivo
aos investidores a ficar no curto
prazo. Como o nível de retorno
de ativos de curto prazo, em
termos reais, de um ano para
cá, reduziu-se praticamente à
metade e vai continuar baixando daqui para a frente, existe
agora uma tendência e uma demanda dos clientes por investir
em ativos com maior risco.
Isso está trazendo uma mudança muito importante na relação entre ativos financeiros e
ativos reais no país. No Brasil,
os ativos financeiros sempre tiveram um valor muito alto, e os
reais, um valor muito baixo. Isso está mudando. Os ativos
reais estão se valorizando. O
país começa a trabalhar num
ambiente de mais normalidade. A relação entre ativo financeiro e ativo real está hoje muito mais próxima da da maioria
dos países do Primeiro Mundo.
Até há pouco tempo, as empresas eram avaliadas pelo seu
fluxo de caixa de dois a três
anos. O valor intrínseco de um
negócio no Brasil não era levado em consideração. O melhor
exemplo disso é o crescimento
do volume de emissão de ações
nos últimos anos. No ano passado foram R$ 31 bilhões -e esse valor pode dobrar neste ano.
FOLHA - Como o sr. avalia a saída
de Afonso Bevilaqua do BC?
FIGUEIREDO - O Brasil passou
por um processo muito importante de reforçar as instituições. As políticas do BC independem de um diretor. Bevilaqua já estava havia quatro anos
no BC e era natural que fosse
substituído.
FOLHA - A saída de Bevilaqua não
sinaliza uma mudança na política
monetária?
FIGUEIREDO - O BC já deixou
muito claro o caminho que optou a partir de agora, que é o de
baixar menos o juro agora com
o objetivo de reduzir mais ao
longo do tempo. Não há razão
para isso não acontecer dessa
forma. Na próxima reunião do
Copom [dias 6 e 7], a Selic deve
baixar mais 0,25 ponto.
FOLHA - Se o Brasil hoje está com
uma economia mais saudável, por
que o crescimento ainda é baixo?
FIGUEIREDO - A economia brasileira hoje está muito mais saudável, mas ainda é muito pouco
dinâmica. A razão disso é a elevada carga tributária. E ela é alta porque o gasto público tem
crescido bastante, mesmo sem
investimento público. A carga
tributária dos países emergentes gira em torno de 25% do
PIB, enquanto a nossa é de quase 40%. A nossa economia carrega um peso muito grande e
por isso cresce menos do que as
outras. A carga tributária pesa
muito mais do que os juros.
FIGUEIREDO FOI
PARA O BC POR
INDICAÇÃO DE
ARMÍNIO FRAGA
O hoje sócio da Mauá
Investimentos foi um
dos profissionais de
mercado levados ao
BC no início de 1999,
após a maxidesvalori-zação do real. Foi o
diretor de Política
Monetária até 2003.
Antes do BC, trabalhou
seis anos no banco
BBA e teve passagens
pelo extinto Nacional
e o JP Morgan.
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