São Paulo, terça-feira, 04 de março de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Espanto


O Brasil precisa escolher melhor as áreas em que oferece facilidades para a instalação de concorrentes estrangeiros


FIQUEI UM bom tempo pensando se deveria escrever sobre este tema, que mistura siderurgia com submarinos. Imaginei que poderia ser mal interpretado, por parecer advogar em causa própria. Mas decidi ir em frente, já que distorções como essa podem ocorrer em qualquer setor e não fazem bem ao país.
Anos atrás, um grande grupo internacional, com sede na Alemanha, decidiu construir uma siderúrgica no Estado do Rio. No ano passado, o BNDES aprovou financiamento de R$ 1,48 bilhão para sustentar o empreendimento. O crédito correspondeu a 18% do investimento total do projeto, estimado em R$ 8 bilhões.
Os recursos do BNDES têm por objetivo apoiar a indústria brasileira de máquinas e equipamentos, que pode concorrer com fabricantes estrangeiros nas licitações para a instalação do complexo.
A nova siderúrgica cria 18 mil empregos durante a construção e 3.500 na operação. No site do BNDES, estão descritas as especificações do empreendimento, nada modesto: dois alto-fornos, dois conversores e uma unidade de gaseificação a vácuo, duas máquinas de lingotamento contínuo, uma unidade de sinterização e uma coqueria, unidades auxiliares de geração de energia, fábrica de oxigênio, estação de tratamento de águas de efluentes industriais, infra-estrutura para ramal ferroviário, ramal de gás natural, linha de transmissão de energia elétrica, instalações para estocagem de matérias-primas e produtos acabados e terminal portuário próprio.
O projeto é importante para o Rio e para o país. Com capital 90% alemão e 10% nacional, deve ficar pronto em 2009 para produzir 5 milhões de toneladas de placas de aço por ano. A empresa também se comprometeu a realizar investimentos sociais em sua área de influência, em saúde, educação etc.
Nada a contestar: um importante "player" do mercado internacional se instala no Brasil para competir com as siderúrgicas locais, que, na verdade, não ficam nada a dever em relação ao novo concorrente em matéria de empregos, tecnologia, produção e investimentos sociais.
Decidi escrever sobre o assunto ao ler em artigo da jornalista Eliane Cantanhede (Folha, 24/2/08) uma informação preocupante. O grupo alemão que constrói a siderúrgica teria enviado carta ao presidente Lula cobrando um acordo não cumprido. Em troca da construção da siderúrgica, o governo brasileiro teria se comprometido a comprar um pacote de submarinos alemães, e agora, depois que a empresa cumpriu a parte dela, estaria "roendo a corda". Semanas atrás, os alemães souberam pelos jornais que o Brasil estaria propenso a dar preferência a submarinos franceses.
Acordos não são novidade no mundo dos negócios entre governos e empresas privadas. Mas, convenhamos, o Brasil precisa escolher melhor as áreas em que oferece facilidades para a instalação de concorrentes estrangeiros no país. O setor siderúrgico brasileiro é um dos mais modernos e competitivos do mundo. Os concorrentes nacionais dominam plenamente a tecnologia e contam com grandes grupos prontos para investir, inclusive no exterior. Não faz sentido oferecer pacotes de submarinos em troca de investimentos nesse setor. Seria normal que a reciprocidade estrangeira do fornecedor de submarinos se desse em áreas tecnológicas não dominadas por concorrentes brasileiros, como no próprio setor naval avançado, por exemplo. Enfim, seria uma chance para tapar carências tecnológicas brasileiras.
Acordos comerciais existem, mas trocas de carne por helicóptero ou de siderúrgicas por submarinos não nos levam a lugar nenhum. Só causam espanto!


BENJAMIN STEINBRUCH, 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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