São Paulo, terça-feira, 04 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CAPITALISMO VERMELHO

Políticas governamentais para desenvolver campo e mudanças demográficas elevam salários

Escassez encarece mão-de-obra na China

Eugene Hoshiko/Associated Press
Trabalhadores montam sapatos em Wenzhou, na China; indústria tem escassez de mão-de-obra


DAVID BARBOZA
DO "NEW YORK TIMES"

A constante falta de mão-de-obra em centenas de fábricas chinesas levou especialistas a concluírem que a economia está sofrendo uma profunda mudança que vai afetar o mercado global de bens industrializados.
A escassez de trabalhadores está provocando o aumento de salários e fazendo crescer a classe média do país, o que poderá tornar os produtos chineses menos baratos. Fabricantes já falam em mudar fábricas para países de menor custo, como o Vietnã.
Na fábrica da Well Brain em Shenzhen, uma das zonas econômicas especiais da China, as mudanças são claras. No último ano, a empresa de médio porte que produz pequenos aparelhos eletrônicos como enroladores de cabelo, cafeteiras e bandejas elétricas aumentou os salários, melhorou os benefícios e até enviou recrutadores para encontrar trabalhadores na zona rural.
Esse tipo de comportamento era inédito até três anos atrás, quando milhões de jovens ainda afluíam a Shenzhen em busca de qualquer tipo de trabalho.
Alguns anos atrás, "as pessoas apareciam na porta", disse Liang Jian, gerente de recursos humanos da Well Brain. "Agora, colocamos um anúncio procurando cinco pessoas, e talvez apareça uma."
Apesar das queixas dos donos de fábricas, porém, a situação tem um lado positivo para os membros da maior força de trabalho do mundo. Economistas dizem que a falta de pessoal está levando empresas a melhorar condições de trabalho e a recrutar trabalhadores de maneira mais agressiva.
As mudanças também sugerem que a China pode estar subindo na escala econômica, enquanto os trabalhadores vêem outras oportunidades além de ser montadores não-capacitados. O aumento dos salários também pode levar os consumidores chineses a comprar mais produtos de outros países, ajudando a equilibrar os superávits comerciais do país.
"A próxima grande história na China é como eles vão sair dos produtos baratos: brinquedos, têxteis e equipamentos esportivos", diz Jonathan Anderson, economista da UBS em Hong Kong. "Eles vão fazer coisas diferentes."

Escassez
Quando houve períodos de escassez de mão-de-obra no final de 2004, os líderes do governo os consideraram anomalias passageiras. Mas agora eles dizem que o problema provavelmente será mais persistente.
Especialistas dizem que a escassez está aumentando porque a economia chinesa está superaquecida, porque os incentivos fiscais ajudaram a manter pessoas trabalhando no campo e porque as fábricas continuam se expandindo enquanto o número de jovens chineses começa a se nivelar.
A prosperidade também avança para o interior, e trabalhadores que antes poderiam ter migrado para outros lugares permanecem mais perto de casa.
Embora as estimativas sejam difíceis de verificar, os dados oficiais sugerem que as principais indústrias exportadoras estão procurando pelo menos 1 milhão de novos trabalhadores, e o número real poderia ser muito maior.
"Estamos vendo o fim do período de ouro da mão-de-obra extremamente barata na China", disse Hong Liang, economista do Goldman Sachs.
"Há muitos trabalhadores, mas a oferta de não-especializados está diminuindo."
Por causa dessa escassez, os níveis salariais na indústria da China estão subindo, ameaçando em algum momento enfraquecer a competitividade chinesa nos mercados mundiais.
Alguns analistas, porém, discutem o significado dessa escassez.
"Os relatos de escassez de trabalhadores fabris não-capacitados e semicapacitados são exagerados", disse Andy Rothman, analista do banco CLSA. "Mas as companhias estão tendo dificuldade para encontrar pessoal experiente para preencher cargos de gerência média e sênior."
Em Shenzhen, uma das primeiras cidades a se beneficiar das reformas econômicas do país, diretores de fábricas dizem que encontrar trabalhadores de baixo custo está mais difícil que nunca.

Política governamental
A política do governo está tendo um papel na criação da escassez de mão-de-obra no litoral. Ao tentar diminuir a diferença de renda entre os ricos urbanos e os pobres rurais na China, o governo eliminou no ano passado o imposto agrícola e também reforçou iniciativas para desenvolver economias locais em Províncias pobres do interior.
Hoje, mesmo áreas remotas começam a se desenvolver. Isso está criando empregos no centro do país e oferecendo alternativas para jovens que antes eram obrigados a viajar milhares de quilômetros em busca de empregos.
Segundo a Goldman Sachs e outros especialistas, o começo de uma mudança demográfica já está reduzindo o número de jovens entre 15 e 24 anos, que formam grande parte da força de trabalho migrante. De forma semelhante, o número de mulheres entre 18 e 35 anos começou a cair neste ano.
As mulheres são importantes porque as fábricas chinesas gostam de contratar mulheres do campo, que se dispõem a migrar por períodos de três a cinco anos para ganhar dinheiro e voltar para casa com economias e a esperança de encontrar um marido.
A política de filho único da China também está agravando a escassez. A primeira geração de jovens nascidos sob essa política está saindo da educação secundária, e muitos vêem oportunidades que não existiam na geração anterior.
Muitos vão para a faculdade para não ter de trabalhar em fábricas. No ano passado, as universidades chinesas matricularam 14 milhões de estudantes, contra cerca de 4,3 milhões em 1999.
Como conseqüência disso, os fabricantes já começam a procurar outros lugares para produzir. "Muitas companhias estão se mudando para Wuhan, Chongqing e Hunan", disse Hong, ao citar cidades do interior da China. "Mas Vietnã e Bangladesh também estão lucrando. Estamos investindo com força no Vietnã."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto Anterior: O vaivém das commodities
Próximo Texto: AGROFOLHA
Pecuária: Rússia suspende o veto a carnes gaúchas

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.