São Paulo, sábado, 04 de maio de 2002

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MERCADO TENSO

Para o tucano Henrique Meirelles, qualquer presidente eleito deverá manter a austeridade fiscal de hoje

Presidente do BankBoston não teme Lula

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma possível vitória da esquerda no Brasil não assusta Henrique Meirelles, presidente mundial do BankBoston e do FleetBoston Global Bank. Ele aposta que, apesar do discurso da oposição, uma vez no poder, qualquer candidato vai manter a austeridade fiscal, vista por Meirelles como condição essencial para que as taxas de juros caiam e o país cresça.
Se a esquerda não assunta tanto, o mesmo não vale para os problemas argentinos. Segundo Meirelles, a decisão anunciada pelo Boston de não fazer nenhum investimento importante na América Latina neste ano se deve exclusivamente à crise na Argentina.
A grande dúvida que ronda agora a vida de Meirelles, no entanto, não está diretamente ligada aos rumos da eleição presidencial no Brasil ou à crise que assola a Argentina. Depois de 28 anos de Boston, Meirelles, um goiano de 56 anos que acredita ter chegado "ao topo" na vida de executivo, está considerando seriamente largar o banco para concorrer a uma vaga ao Senado ainda este ano. No ano passado, ele se filiou ao PSDB.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Henrique Meirelles concedeu à Folha na última segunda-feira, dia em que foi inaugurada a nova sede do BankBoston em São Paulo.

Folha - Como o BankBoston vê uma possível vitória do Lula ou de outro candidato de esquerda?
Henrique Meirelles -
Vou te dar minha opinião pessoal. Eu nunca me assustei com o Lula. E não acho que essa vitória do Lula assuste tanto não. Tanto que nós estamos aqui inaugurando esse prédio, que é um investimento de longo prazo de US$ 160 milhões. Então, nós hoje temos muita confiança nas instituições no Brasil e no amadurecimento da política brasileira. Nós temos também muita confiança de que o Brasil não tem razão para entrar na crise que a Argentina entrou. O Brasil está com todos os fundamentos bem feitos. O Brasil tem um Orçamento da União equilibrado, tem um superávit primário, tem um câmbio flutuando com sucesso e o risco-país alto é produto de duas coisas. Primeiro, dos calotes que o Brasil deu na década de 80 e no começo de 90. Além disso, existe uma incerteza em relação à questão eleitoral. Mas a situação do Brasil é tão positiva que, se o presidente da República eleito anunciar que vai manter a austeridade fiscal e vai cumprir os compromissos, a taxa de juros cai rapidamente e os "upgrades" das agências de risco virão imediatamente.
Então, eu acho que a situação do Brasil é tão fácil de resolver que eu não vejo justificativa para uma vitória da oposição no país trazer problemas. Porque a oposição tem homens racionais, tem economistas competentes que eu tenho certeza de que estão enxergando o que eu estou enxergando.

Folha - Mas austeridade fiscal e outros aspectos que o sr. citou fazem parte do programa do atual governo. Não necessariamente dos planos de outros candidatos.
Meirelles -
No processo eleitoral, é claro que o candidato de oposição não vai prometer austeridade fiscal num país com carência social. Mas eu acredito que, uma vez que um candidato seja eleito, as vantagens de manter a austeridade fiscal são tão evidentes que eu acredito que qualquer governo eleito irá fazê-lo. Eu acredito que, mantendo a austeridade fiscal, cai a taxa de juros rapidamente. E isso permite que o Brasil tenha acesso a recursos mais baratos. Isso vai fazer com que a economia volte a crescer. Vai ter mais disponibilidade de recursos para o setor privado. A economia crescendo aumenta fortemente a receita pública e o governo vai ter condições de investir em política social.

Folha - Em um cenário de redução de taxas de juros como ficam os lucros dos bancos no Brasil? O Boston, por exemplo, teria condições de competir aumentando a oferta de crédito?
Meirelles -
Eu dirijo uma instituição que opera no mundo inteiro. E nós temos um resultado extraordinário nos Estados Unidos nos últimos dez anos, com taxas de juros muito baixas. Isso significa que o melhor para o banco é a economia crescendo, taxa de juros baixa e crédito aumentando.
Essa é a receita de sucesso para banco. Eu não conheço banco que a longo prazo se beneficiou de economia com recessão, taxa de juro alta e empresa quebrando.

Folha - Mas, no Brasil, mesmo em um cenário de economia desacelerada e juros altos, os bancos têm lucrado bastante, não?
Meirelles -
Nossos lucros no Brasil são em linha com nossos lucros nos Estados Unidos, onde a taxa de juros é baixíssima. A diferença é que temos um balanço no Brasil de US$ 10 bilhões e um balanço no mundo de US$ 220 bilhões. No momento, em que a economia no Brasil começar a crescer rapidamente, a demanda por crédito aumenta geometricamente e os resultados dos bancos também.

Folha - Os bancos podem ganhar ainda mais então no Brasil?
Meirelles -
Podem ganhar ainda mais, com muito mais volume.

Folha - Vocês anunciaram que não farão nenhum grande investimento na América Latina neste ano. Isso tem relação com o problema da Argentina?
Meirelles -
Tem toda a relação com o problema da Argentina. Só tem relação com o problema da Argentina. Não vamos fazer grandes aquisições na América Latina, não vamos comprar banco nenhum neste ano e não vamos investir mais recursos na Argentina. Mas nosso crescimento no Brasil vai continuar normalmente com o reinvestimento dos lucros.

Folha - É verdade que o BankBoston chegou a pensar em vender suas operações na Argentina?
Meirelles -
Nós estudamos a hipótese de sair da Argentina sim, mas concluímos que isso não é adequado, pois os prejuízos que nós poderemos vir a ter lá serão menores do que as provisões de US$ 1,1 bilhão que fizemos.

Folha - Qual seria a solução para o problema do "curralzinho"?
Meirelles -
A solução é cumprir a lei, qualquer que seja ela. As pessoas na América Latina, às vezes, têm uma certa dificuldade com isso. Se a sociedade argentina quiser destruir a moeda local, com todas as pessoas mandando recursos para o exterior, então seus representantes no Congresso Nacional devem aprovar uma lei, permitindo que a população faça isso e todos vão ficar supostamente felizes, porque o país teve hiperinflação, destruiu a moeda, mas todo mundo mandou dinheiro para fora. Se a população argentina não quiser isso e o Congresso, para proteger a moeda, mantiver a lei que estabelece que a moeda tem de ficar no sistema financeiro argentino, então a população vai ter que aceitar isso.
Não se pode é dizer o seguinte: a população quer proteger a moeda, então os congressistas aprovam uma lei para proteger a economia argentina, mas, ao mesmo tempo, a população quer mandar dinheiro ao exterior. Ou uma coisa ou outra. O que não pode é, ao mesmo tempo, não emitir moeda, não cobrar empréstimos e, ainda, dar dinheiro para a população inteira mandar dólares para Miami.

Folha - Falta coerência, então?
Meirelles -
Sim, sem dúvida. Da sociedade como um todo. Acho até que o governo argentino, nesse aspecto, está agindo coerentemente. Mas é que os juízes decidem uma coisa, a Suprema Corte decide outra, o Congresso decide uma terceira. Quer dizer, a sociedade como um todo precisa chegar a um acordo.

Folha - No ano passado, o senhor se filiou ao PSDB. Recentemente, se mudou para o Brasil para comandar o Boston daqui. Já se decidiu se vai concorrer a algum cargo político?
Meirelles -
Eu fui convidado pelo Fernando Henrique e pelo governador Marconi Perillo para me filiar ao PSDB de Goiás e disputar as eleições para o Senado no ano de 2002. A convenção vai ser em 29 de junho. Há chances de eu sair candidato este ano, mas ainda não há uma decisão.



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