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MERCADO TENSO
Para o tucano Henrique Meirelles, qualquer presidente eleito deverá manter a austeridade fiscal de hoje
Presidente do BankBoston não teme Lula
ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma possível vitória da esquerda no Brasil não assusta Henrique
Meirelles, presidente mundial do
BankBoston e do FleetBoston
Global Bank. Ele aposta que, apesar do discurso da oposição, uma
vez no poder, qualquer candidato
vai manter a austeridade fiscal,
vista por Meirelles como condição essencial para que as taxas de
juros caiam e o país cresça.
Se a esquerda não assunta tanto,
o mesmo não vale para os problemas argentinos. Segundo Meirelles, a decisão anunciada pelo
Boston de não fazer nenhum investimento importante na América Latina neste ano se deve exclusivamente à crise na Argentina.
A grande dúvida que ronda agora a vida de Meirelles, no entanto,
não está diretamente ligada aos
rumos da eleição presidencial no
Brasil ou à crise que assola a Argentina. Depois de 28 anos de
Boston, Meirelles, um goiano de
56 anos que acredita ter chegado
"ao topo" na vida de executivo,
está considerando seriamente largar o banco para concorrer a uma
vaga ao Senado ainda este ano. No
ano passado, ele se filiou ao PSDB.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Henrique
Meirelles concedeu à Folha na última segunda-feira, dia em que foi
inaugurada a nova sede do BankBoston em São Paulo.
Folha - Como o BankBoston vê
uma possível vitória do Lula ou de
outro candidato de esquerda?
Henrique Meirelles - Vou te dar
minha opinião pessoal. Eu nunca
me assustei com o Lula. E não
acho que essa vitória do Lula assuste tanto não. Tanto que nós estamos aqui inaugurando esse prédio, que é um investimento de
longo prazo de US$ 160 milhões.
Então, nós hoje temos muita confiança nas instituições no Brasil e
no amadurecimento da política
brasileira. Nós temos também
muita confiança de que o Brasil
não tem razão para entrar na crise
que a Argentina entrou. O Brasil
está com todos os fundamentos
bem feitos. O Brasil tem um Orçamento da União equilibrado, tem
um superávit primário, tem um
câmbio flutuando com sucesso e
o risco-país alto é produto de
duas coisas. Primeiro, dos calotes
que o Brasil deu na década de 80 e
no começo de 90. Além disso,
existe uma incerteza em relação à
questão eleitoral. Mas a situação
do Brasil é tão positiva que, se o
presidente da República eleito
anunciar que vai manter a austeridade fiscal e vai cumprir os
compromissos, a taxa de juros cai
rapidamente e os "upgrades" das
agências de risco virão imediatamente.
Então, eu acho que a situação do
Brasil é tão fácil de resolver que eu
não vejo justificativa para uma vitória da oposição no país trazer
problemas. Porque a oposição
tem homens racionais, tem economistas competentes que eu tenho certeza de que estão enxergando o que eu estou enxergando.
Folha - Mas austeridade fiscal e
outros aspectos que o sr. citou fazem parte do programa do atual
governo. Não necessariamente dos
planos de outros candidatos.
Meirelles - No processo eleitoral,
é claro que o candidato de oposição não vai prometer austeridade
fiscal num país com carência social. Mas eu acredito que, uma vez
que um candidato seja eleito, as
vantagens de manter a austeridade fiscal são tão evidentes que eu
acredito que qualquer governo
eleito irá fazê-lo. Eu acredito que,
mantendo a austeridade fiscal, cai
a taxa de juros rapidamente. E isso permite que o Brasil tenha
acesso a recursos mais baratos. Isso vai fazer com que a economia
volte a crescer. Vai ter mais disponibilidade de recursos para o setor privado. A economia crescendo aumenta fortemente a receita
pública e o governo vai ter condições de investir em política social.
Folha - Em um cenário de redução
de taxas de juros como ficam os lucros dos bancos no Brasil? O Boston, por exemplo, teria condições
de competir aumentando a oferta
de crédito?
Meirelles - Eu dirijo uma instituição que opera no mundo inteiro. E nós temos um resultado extraordinário nos Estados Unidos
nos últimos dez anos, com taxas
de juros muito baixas. Isso significa que o melhor para o banco é a
economia crescendo, taxa de juros baixa e crédito aumentando.
Essa é a receita de sucesso para
banco. Eu não conheço banco que
a longo prazo se beneficiou de
economia com recessão, taxa de
juro alta e empresa quebrando.
Folha - Mas, no Brasil, mesmo em
um cenário de economia desacelerada e juros altos, os bancos têm lucrado bastante, não?
Meirelles - Nossos lucros no Brasil são em linha com nossos lucros
nos Estados Unidos, onde a taxa
de juros é baixíssima. A diferença
é que temos um balanço no Brasil
de US$ 10 bilhões e um balanço
no mundo de US$ 220 bilhões. No
momento, em que a economia no
Brasil começar a crescer rapidamente, a demanda por crédito aumenta geometricamente e os resultados dos bancos também.
Folha - Os bancos podem ganhar
ainda mais então no Brasil?
Meirelles - Podem ganhar ainda
mais, com muito mais volume.
Folha - Vocês anunciaram que
não farão nenhum grande investimento na América Latina neste
ano. Isso tem relação com o problema da Argentina?
Meirelles - Tem toda a relação
com o problema da Argentina. Só
tem relação com o problema da
Argentina. Não vamos fazer grandes aquisições na América Latina,
não vamos comprar banco nenhum neste ano e não vamos investir mais recursos na Argentina.
Mas nosso crescimento no Brasil
vai continuar normalmente com
o reinvestimento dos lucros.
Folha - É verdade que o BankBoston chegou a pensar em vender
suas operações na Argentina?
Meirelles - Nós estudamos a hipótese de sair da Argentina sim,
mas concluímos que isso não é
adequado, pois os prejuízos que
nós poderemos vir a ter lá serão
menores do que as provisões de
US$ 1,1 bilhão que fizemos.
Folha - Qual seria a solução para o
problema do "curralzinho"?
Meirelles - A solução é cumprir a
lei, qualquer que seja ela. As pessoas na América Latina, às vezes,
têm uma certa dificuldade com isso. Se a sociedade argentina quiser destruir a moeda local, com
todas as pessoas mandando recursos para o exterior, então seus
representantes no Congresso Nacional devem aprovar uma lei,
permitindo que a população faça
isso e todos vão ficar supostamente felizes, porque o país teve hiperinflação, destruiu a moeda, mas
todo mundo mandou dinheiro
para fora. Se a população argentina não quiser isso e o Congresso,
para proteger a moeda, mantiver
a lei que estabelece que a moeda
tem de ficar no sistema financeiro
argentino, então a população vai
ter que aceitar isso.
Não se pode é dizer o seguinte: a
população quer proteger a moeda, então os congressistas aprovam uma lei para proteger a economia argentina, mas, ao mesmo
tempo, a população quer mandar
dinheiro ao exterior. Ou uma coisa ou outra. O que não pode é, ao
mesmo tempo, não emitir moeda,
não cobrar empréstimos e, ainda,
dar dinheiro para a população inteira mandar dólares para Miami.
Folha - Falta coerência, então?
Meirelles - Sim, sem dúvida. Da
sociedade como um todo. Acho
até que o governo argentino, nesse aspecto, está agindo coerentemente. Mas é que os juízes decidem uma coisa, a Suprema Corte
decide outra, o Congresso decide
uma terceira. Quer dizer, a sociedade como um todo precisa chegar a um acordo.
Folha - No ano passado, o senhor
se filiou ao PSDB. Recentemente,
se mudou para o Brasil para comandar o Boston daqui. Já se decidiu se vai concorrer a algum cargo
político?
Meirelles - Eu fui convidado pelo
Fernando Henrique e pelo governador Marconi Perillo para me filiar ao PSDB de Goiás e disputar
as eleições para o Senado no ano
de 2002. A convenção vai ser em
29 de junho. Há chances de eu sair
candidato este ano, mas ainda
não há uma decisão.
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