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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Câmbio, inflação e crescimento

ALOIZIO MERCADANTE

A política monetária em um regime pleno de metas de inflação, adotado hoje por 18 países no mundo, tem apenas um objetivo explícito: a desinflação gradual da economia. Não busca manter o câmbio dentro de determinados limites e tampouco garantir o máximo de crescimento econômico com o mínimo de inflação. No entanto, os bancos centrais consideram que essas variáveis devem ser monitoradas e preservadas sempre que não colidam com os limites do objetivo principal e explícito.
O Banco Central brasileiro (BC) adotou o regime pleno de metas de inflação num único lance em junho de 1999, em um esforço de conter os efeitos inflacionários do colapso da política de sobrevalorização do real, adotada de julho de 1994 a janeiro de 1999 e que acabou em uma maxidesvalorização imposta pelo mercado.
A política de sobrevalorização do real teve efeitos profundos e disruptivos sobre a economia brasileira. Naquele período, os saldos comerciais anuais do país se deterioram rapidamente, passando de um superávit de US$ 10,4 bilhões em 1994 para um déficit de US$ 6,6 bilhões em 1998, enquanto o déficit de transações correntes escalava de US$ 1,7 bilhão para US$ 33,4 bilhões. Isso significou imensa exportação de empregos para nossos parceiros comerciais e também quebra de vários elos das cadeias produtivas da indústria.
O aumento das necessidades de financiamento externo da economia e a manutenção do câmbio sobrevalorizado favoreceram o ingresso de capitais voláteis, que entravam no país sob o porto seguro do câmbio semifixo para arbitrar as significativas diferenças entre os juros reais internos e externos. Em um contexto de instabilidade financeira internacional, isso exigiu sucessivos choques de juros a cada crise de países emergentes que contaminava nossa economia, dada a fragilização externa inerente a essa abordagem.
Esta é uma lição que não se deve perder de vista: a apreciação da moeda pode ser muito efetiva na redução da inflação, mas desastrosa se perdurar por muito tempo. Esse é o monitoramento necessário na situação atual da economia brasileira. O fascínio da desinflação via sobrevalorização custou ao país uma pesada herança de baixo crescimento, desnacionalização da economia e vulnerabilidade externa. E tal vulnerabilidade ainda é o principal problema a ser superado para realizarmos uma transição de um regime de baixo crescimento para outro de crescimento sustentado.
A economia brasileira tem realizado um notável esforço de ajuste externo, conseguindo expandir o saldo da balança comercial ainda dentro das condições de financiamento extremamente restritivas que prevaleceram no ano passado, quando a taxa de rolagem dos débitos contraídos no exterior, inclusive a renovação de créditos comerciais, caiu a níveis sem precedentes. E, ao contrário do que sucedeu na maior parte de 2002, o superávit comercial obtido até abril deve-se basicamente à expansão das exportações, que aumentaram 24,7%, enquanto as importações praticamente não se alteraram.
O aumento do superávit comercial permitiu reduzir o déficit nas transações correntes do balanço de pagamentos, que caiu para US$ 4,3 bilhões nos 12 meses fechados em março passado, acentuando sua trajetória de queda durante o primeiro trimestre do corrente ano. Esse é o caminho para a redução da vulnerabilidade externa, o ponto crucial a ser equacionado para permitir a volta ao crescimento econômico e à geração de empregos.
A seriedade com a qual o novo governo tem conduzido o processo de transição -desarmando progressiva e cuidadosamente a crise econômico-financeira herdada com uma gestão competente da equipe econômica e assegurando a governabilidade mediante a ampliação de sua base de sustentação parlamentar e a adoção de uma política de participação dos diversos segmentos da sociedade brasileira- tem sido fundamental para permitir a queda do dólar e do risco-país, que já voltou aos patamares do primeiro trimestre de 2002.
A diminuição da cotação do dólar foi importante para reduzir a pressão sobre as dívidas das empresas e, em especial, sobre a dívida pública, fortemente afetada, em 2002, por sua crescente indexação ao dólar e pela escalada da taxa de câmbio. Também possibilitou a inversão da trajetória inflacionária, cuja aceleração nos últimos meses de 2002 e no início de 2003 também deveu-se fundamentalmente aos impactos da desvalorização cambial. A inflação já começou a cair e agora, com a redução de alguns preços públicos ligados aos preços externos do petróleo, tende a se consolidar essa tendência.
Assim como atuou nos momentos de alta especulativa do dólar, o BC dispõe de meios para corrigir a excessiva valorização e a volatilidade do câmbio, principalmente quando provocadas pela repentina entrada ou saída de capitais de curto prazo. De acordo com as circunstâncias, pode, por exemplo, comprar divisas com fins de estabilização do mercado cambial e recompor reservas, mesmo que com fluxos de curto prazo, para poder agir mais adiante, reduzindo a volatilidade da taxa de câmbio; ou utilizar instrumentos tributários para melhorar a qualidade dos fluxos de capital e ampliar a entrada do investimento produtivo; ou, principalmente, reduzir progressiva e consistentemente as taxas de juros, para estancar a raiz desse surto de sobrevalorização.
Não está demais insistir em que a expansão do superávit comercial é fundamental em toda essa estratégia de descolamento da economia brasileira da roleta das instabilidades dos fluxos financeiros internacionais. Para isso é preciso implantar uma política firme de promoção de exportações, articulando as centenas de instituições que têm interface nessa questão. Também é essencial recuperar a capacidade de formulação e implementação de políticas industriais, principalmente realizando uma substituição focalizada de importações, para reduzir déficits comerciais em setores-chave da economia. Vale ressaltar que instaurar um regime de crescimento sustentado, no marco de um processo que tem no social o eixo estruturante do desenvolvimento, é, afinal, a meta mais substantiva da política econômica do governo Lula.


Aloizio Mercadante, 48, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores e líder do governo no Senado Federal e no Congresso.

E-mail: mercadante@senador.gov.br


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