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LUÍS NASSIF
O Castelo de Caras
O senso comum é a soma
de verdades e valores que
integram o imaginário popular
de uma comunidade ou nação.
Não se trata de formulações intelectuais, embora mudanças de
valores em geral sejam precedidas por discussões nos chamados segmentos cultos.
Há algumas ocasiões, entretanto, em que ocorre tal manipulação na opinião pública midiática, tal curto-circuito nos
valores nacionais, tal perda de
referências que se passa a não
acreditar até no que se está vendo.
Na história da humanidade,
muitas vezes ocorreram fenômenos semelhantes, mas sempre
em ambientes de guerra ou
traumas políticos profundos, como nos fenômenos do nazismo e
do macarthismo.
O Brasil está longe de incorrer
em tragédias semelhantes. Mas
está, continuadamente, preso a
essa inacreditável falta de crença no senso comum. Não há referências mais nem entre as lideranças políticas nem nos
meios formadores de opinião
-como mídia, universidade
etc. O que se achava certo hoje se
acha errado; e vice-versa.
Nesses anos todos, o Brasil foi
dividido em dois: o do grande
capital, que passou a ter todas
as facilidades, e a rapa -desde
a classe média das metrópoles e
pequenos centros até médias e
pequenas empresas, trabalhadores e o chamado lúmpen. A
classe média não tem entrada
no banquete. Pelo contrário, paga a conta na forma de redução
de salários, emprego e aumento
de tributação.
Para legitimar esse modelo
-que, a cada quatro anos, é
submetido a uma eleição-, recorre-se aos "especialistas", com
suas fórmulas surreais. Ano
após ano, as promessas foram se
esgarçando, não se renovou o
discurso. Essa sucessão de sofismas remendados criou uma barafunda risível, um nonsense
em que as pessoas passaram a
acreditar. Pior, essa classe média midiática que paga a conta
passou a se convencer de que é
uma casta moderna, porque incorporou as "verdades"do tal do
mercado. Por culpa nossa, da
mídia.
Aí surgem personagens como
Severino Cavalcanti ou o vice-presidente, José Alencar, e passam a exprimir o senso comum,
a dizer nada mais do que o óbvio. E o Brasil culto entra em pânico, com medo de acabar a fantasia e cair na real.
Tudo o que Severino colocou
-ao vivo- em sua entrevista à
Folha exprime o senso comum
e, muitas vezes, também o bom
senso. Sua posição sobre o aborto é a mesma de conservadores
ilustrados e da esmagadora
maioria da classe média, assim
como sobre a união de homossexuais. Sua posição contrária à
verticalização nas eleições, ao
aumento de impostos, a favor
do Estatuto da Microempresa é
a de um legítimo representante
do baixo clero econômico.
José Alencar é um dos maiores
empresários brasileiros; Severino chegou ao terceiro cargo
mais importante da República.
Ambos são vitoriosos. É engraçado assistir ao Brasil culto, perdido, sem perspectivas, esmagado pela carga tributária e pelos
juros menosprezá-los. Somos superiores porque sabemos o que é
"in" e "out".
Pagamos por uma noite no
Castelo de Caras e dormimos
em albergues.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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