São Paulo, quarta-feira, 04 de maio de 2005

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LUÍS NASSIF

O Castelo de Caras

O senso comum é a soma de verdades e valores que integram o imaginário popular de uma comunidade ou nação. Não se trata de formulações intelectuais, embora mudanças de valores em geral sejam precedidas por discussões nos chamados segmentos cultos.
Há algumas ocasiões, entretanto, em que ocorre tal manipulação na opinião pública midiática, tal curto-circuito nos valores nacionais, tal perda de referências que se passa a não acreditar até no que se está vendo.
Na história da humanidade, muitas vezes ocorreram fenômenos semelhantes, mas sempre em ambientes de guerra ou traumas políticos profundos, como nos fenômenos do nazismo e do macarthismo.
O Brasil está longe de incorrer em tragédias semelhantes. Mas está, continuadamente, preso a essa inacreditável falta de crença no senso comum. Não há referências mais nem entre as lideranças políticas nem nos meios formadores de opinião -como mídia, universidade etc. O que se achava certo hoje se acha errado; e vice-versa.
Nesses anos todos, o Brasil foi dividido em dois: o do grande capital, que passou a ter todas as facilidades, e a rapa -desde a classe média das metrópoles e pequenos centros até médias e pequenas empresas, trabalhadores e o chamado lúmpen. A classe média não tem entrada no banquete. Pelo contrário, paga a conta na forma de redução de salários, emprego e aumento de tributação.
Para legitimar esse modelo -que, a cada quatro anos, é submetido a uma eleição-, recorre-se aos "especialistas", com suas fórmulas surreais. Ano após ano, as promessas foram se esgarçando, não se renovou o discurso. Essa sucessão de sofismas remendados criou uma barafunda risível, um nonsense em que as pessoas passaram a acreditar. Pior, essa classe média midiática que paga a conta passou a se convencer de que é uma casta moderna, porque incorporou as "verdades"do tal do mercado. Por culpa nossa, da mídia.
Aí surgem personagens como Severino Cavalcanti ou o vice-presidente, José Alencar, e passam a exprimir o senso comum, a dizer nada mais do que o óbvio. E o Brasil culto entra em pânico, com medo de acabar a fantasia e cair na real.
Tudo o que Severino colocou -ao vivo- em sua entrevista à Folha exprime o senso comum e, muitas vezes, também o bom senso. Sua posição sobre o aborto é a mesma de conservadores ilustrados e da esmagadora maioria da classe média, assim como sobre a união de homossexuais. Sua posição contrária à verticalização nas eleições, ao aumento de impostos, a favor do Estatuto da Microempresa é a de um legítimo representante do baixo clero econômico.
José Alencar é um dos maiores empresários brasileiros; Severino chegou ao terceiro cargo mais importante da República. Ambos são vitoriosos. É engraçado assistir ao Brasil culto, perdido, sem perspectivas, esmagado pela carga tributária e pelos juros menosprezá-los. Somos superiores porque sabemos o que é "in" e "out".
Pagamos por uma noite no Castelo de Caras e dormimos em albergues.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br

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