São Paulo, quinta-feira, 04 de maio de 2006

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LUÍS NASSIF

As razões de Morales

Há um evidente exagero em julgar a política externa brasileira pelo episódio Evo Morales. A política externa brasileira não elegeu Morales e, provavelmente, facilitará nos próximos contatos com ele. Só daqui a 40 dias -quando terminarem as eleições para a nova Constituinte, razão maior para os últimos atos de Morales- se saberá com clareza o que ele quer e se a política externa brasileira em relação à Bolívia renderá frutos positivos ou não.
Antes de pretender lançar os "marines" brasileiros para sufocar a ação de Morales, seria conveniente entender direito o que ocorre na Bolívia. O país tem enormes riquezas minerais e uma pobreza africana. As riquezas naturais sempre foram vistas como o caminho para sua redenção social e econômica, e sua nacionalização foi claramente explicitada no programa de campanha de Morales.
Morales venceu as eleições com 54% dos votos e com o discurso claro de fundar um novo Estado -e, diferentemente do Brasil, no caso da Bolívia, o termo "refundar" tem lógica. Assim como em muitos países latino-americanos, não adianta ganhar eleição presidencial sem ter maioria no Parlamento. O nó de Morales consistia em, após ganhar a Presidência, conquistar a governabilidade.
E, aí, tem que se haver com os três pilares que dão sustentação ao seu governo. O primeiro é o chamado "circulo palaciano", formado por um grupo de intelectuais responsáveis pela administração do governo. São três nomes fortes: Juan Ramón Quintana, ministro da Presidência, Alfredo Rada, vice-ministro de Coordenação com Movimentos Sociais, e Héctor Arce, vice-ministro de Coordenação Governamental.
O segundo pilar são as populações indígenas, de onde vêm a força e as lealdades maiores a Morales. No ministério, esse setor é representado por David Choquehuanca. O terceiro pilar são as centrais sindicais, cujo homem de confiança de Morales é o líder camponês Román Loayza.
Morales enfrenta desafios em sua base de apoio. Há um grupo que propõe a insurreição para conquistar o poder; e outro adepto do constitucionalismo. As atitudes recentes de Morales têm muito mais a ver com a Constituinte do que com a revolução.
No plano da estratégia continental, o desenvolvimento econômico e social do continente e a estabilização política dependem mais do que nunca da integração econômica e física. E esse processo passa pelo desenvolvimento equilibrado entre todos os países. Não se trata de questão ideológica. É uma inevitabilidade, independentemente dos governos de plantão. É essa integração que criará zonas de desenvolvimento e permitirá montar metas continentais, da mesma maneira que na União Européia.
O decreto de expropriação prevê uma auditoria para garantir que o ganho das empresas permita um retorno do capital. A França já se dispôs a negociar com Morales. Por isso mesmo, seria bom esperar os próximos lances do jogo, antes de se propor a analisar o resultado da uma partida que mal começou.
Pode ser que se confirmem um Morales troglodita e uma diplomacia brasileira ingênua. Pode ser que não.

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Luisnassif@uol.com.br


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