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"Vírus do rentismo" resiste à queda do juro
Redução da Selic expõe reação de investidores acostumados a obter do governo ganhos financeiros altos e seguros
Em um primeiro momento, os empresários e a classe média perdem mais do que ganham com a diminuição da taxa básica de juros
MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL
A Selic, taxa básica de juros
da economia brasileira, está em
seu menor patamar desde a
criação do Real, em 1994. Tal
fato deveria restaurar um mercado de crédito barato, beneficiando empresas e pessoas. Isso, é claro, a julgar pela conclusão da maioria dos estudos feitos nos últimos 15 anos contra a
política de juros do governo.
Mas não é o que tem ocorrido.
A queda da Selic tem gerado
pouco efeito no custo final de
empréstimos, com o qual demonstrou ter pouca correlação.
E tem provocado muita resistência da classe média e de setores da economia acostumados a extrair ganhos de juros.
"O vírus do rentismo está encruado de tal maneira na sociedade que não será fácil eliminá-lo", diz o economista Roberto
Giannetti da Fonseca.
"Na verdade, todos nós fomos sócios dos juros altos durante os anos de estabilização
incompleta da economia", diz o
ex-ministro Delfim Netto. "Alguns, é claro, foram sócios majoritários. Mas não será fácil
desfazer a sociedade."
Poupança
Prova mais visível dessa resistência é o medo do governo
em mudar as regras da caderneta de poupança. Com a queda
da Selic, a poupança, que tem
regras fixas de rentabilidade
(0,5% ao mês mais Taxa Referencial, a TR), ficou mais
atraente do que os fundos, que
pagam juros e são lastreados
em títulos públicos.
O governo quer reduzir a
rentabilidade do investimento
por dois motivos. Primeiro, para adaptá-lo ao cenário de juros
menores. Nenhum outro país
tem aplicações que rendem 6%
por ano, livres de imposto e taxas, como a poupança.
A mudança também teria como objetivo impedir que os investidores comecem a transferir dinheiro dos fundos para a
poupança. Se isso acontecer, o
Estado terá dificuldades para
rolar a dívida pública.
Na última sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, encontrou-se com um
grupo de economistas para discutir o assunto.
Elite
Uma das ideias ventiladas é a
de manter a taxa de remuneração atual para depósitos abaixo
de R$ 100 mil. Esses depósitos,
de pequenos poupadores, concentrariam apenas 10% do volume total da poupança.
Para os demais poupadores,
que possuem mais de R$ 100
mil (a "elite do rentismo"), a taxa de remuneração ficaria abaixo de 50% da Selic.
A proposta tem vários problemas. Ao tratar investidores
com regras desiguais, abriria
uma guerra judicial complicada. Além disso, nada impede
que um mesmo investidor disperse seu dinheiro em várias
contas na poupança, para si ou
para outros da mesma família.
"A transferência do dinheiro
para a poupança mostra que
parte expressiva da sociedade
não é assim tão contrária aos
juros altos", diz Alberto Borges
Matias, professor titular de finanças da FEA-RP (Faculdade
de Economia, Administração e
Contabilidade da USP de Ribeirão Preto).
"O problema não está só na
poupança. Grande parte dos
ganhos do setor produtivo é hoje financeiro, não operacional.
Algumas empresas vão perder.
E, para compensarem a perda,
podem até elevar seus preços."
A rigor, as empresas brasileiras mais sofrem do que se beneficiam com o custo alto de capital. No Brasil, a despesa financeira representa 7% da receita
líquida do setor não financeiro.
No exterior, esse percentual é
de apenas 1%.
O problema é que a diminuição da Selic não reduz imediatamente o custo dos empréstimos que as empresas são obrigadas a contrair para fazer investimentos e manter o capital
de giro. Em um primeiro momento, portanto, juros menores do governo apenas reduzem
parcela dos ganhos financeiros
do setor produtivo.
O ex-ministro Delfim diz que
o país vive as agruras de um
momento difícil de transição.
Segundo ele, se a queda da Selic
for duradoura, é muito provável que todos se beneficiem. As
pessoas terão mais acesso a financiamentos, a prazos mais
longos; o custo de capital será
mais baixo; as empresas brasileiras serão mais competitivas;
e o custo que o governo paga
para a rolagem de dívida vai ser
menor, liberando investimentos públicos.
Um estudo feito pelos economistas Roberto Giannetti da
Fonseca e Pedro Pedrossian
Neto, com o apoio do ex-ministro Luiz Gonzaga Belluzzo,
mostra o estrago que os juros
altos provocaram nas finanças
públicas nas últimas décadas.
Desde o advento do Plano
Real, em 1994, até fevereiro de
2009, gastou-se cerca de R$
1,447 trilhão com pagamento
de juros da dívida interna líquida do setor público consolidado, o que representa metade do
PIB atual de R$ 2,889 trilhões.
Somente desde o início do
governo Lula, em janeiro de
2003, já se gastou R$ 885 bilhões em juros da dívida interna, sendo R$ 167 bilhões só em
2008. Apenas para referência, a
soma de recursos do programa
federal Bolsa Família em 2008
foi de aproximadamente
R$ 16,5 bilhões, ou cerca de um
mês de serviço da dívida que,
em fevereiro, alcançou
R$ 1,494 trilhão.
A redução da Selic, portanto,
permitiria a liberação de mais
recursos para investimentos.
Desde, é claro, que o dinheiro
liberado seja efetivamente usado para investimentos.
O governo federal gastou
praticamente toda a economia
que teve com a queda dos juros
desde 2006 para reforçar sua
própria estrutura e aumentar o
salário do funcionalismo público. Entre abril de 2006 e fevereiro de 2009, os gastos anuais
do governo central com juros
caíram cerca de R$ 40 bilhões.
No mesmo período, as despesas
com pessoal subiram iguais R$
40 bilhões, e as de custeio, R$
26,7 bilhões. Já as despesas de
capital -os investimentos propriamente ditos- aumentaram
apenas R$ 14,7 bilhões.
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