São Paulo, segunda-feira, 04 de maio de 2009

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Após perdas, Buffet faz investidor sorrir

Em encontro com investidores, bilionário come cookies e coça ouvido ao responder perguntas sobre crise

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A OMAHA

O megainvestidor e bilionário Warren Buffett, 78, é um personagem de si mesmo. Um artista profissional, e dos bons.
Na reunião anual em Omaha (Nebraska) de seu fundo de investimentos Berkshire Hathaway, no fim de semana, mostrou-se capaz não apenas de arrancar gargalhadas de milhares de investidores que perderam muito dinheiro em suas mãos em 2008 quanto de dar sua visão clara e prática sobre o futuro da economia.
O encontro do Berkshire é antológico entre seus investidores. O evento principal ocorre em um ginásio com capacidade para 18 mil pessoas sentadas e outras milhares em salas adjacentes. Neste ano, 35 mil foram a Omaha para a reunião.
Há também uma área de exposições no mesmo complexo. Ali, pôneis e touros de chifres imensos decoram o ambiente ao lado de carros de corrida, bandas de música "country" e de infinitas opções de comidas e bugigangas para que os ricos investidores possam gastar um pouco de seu dinheiro.
O seleto clube de Buffett não é para qualquer um. Uma única ação "Classe A" do Berkshire custava US$ 92 mil (R$ 211 mil) na sexta-feira. A "Classe B", US$ 3.043 (R$ 7.000). Na média, elas perderam 32% de seu valor em 2008, quando o fundo de US$ 122 bilhões teve seu pior tombo em 44 anos.
No ponto alto do evento, Buffett e seu braço direito no Berkshire há décadas, "Charlie" Munger, 85, respondem a dezenas de perguntas de seus investidores durante nada menos do que cinco horas. Algo notável, já que Buffett é o segundo homem mais rico do mundo (atrás apenas de Bill Gates), com uma fortuna estimada em US$ 37 bilhões. A de Charlie, em US$ 1,8 bilhão.
Pouco antes, é exibido um filme. Neste ano, Buffett fez o papel de vendedor de colchões de uma das empresas de seu fundo. Justifica o rebaixamento: "É que no ano passado dormi no ponto, e alguns perderam muito dinheiro por isso".
A "isca" da loja é um novo produto com um compartimento escondido para que as pessoas possam, daqui em diante, guardar seu dinheiro debaixo do colchão. Além de dólares, Buffett esconde no local duas "Playboys" antigas.
Na entrevista, é Buffett quem comanda o show. Sentado ao lado de Charlie em uma única mesinha iluminada do alto na penumbra do gigantesco estádio repleto de investidores e telões, come vários biscoitos e sorve muitas Coca-Colas entre as respostas, como se estivesse na sala da casa de qualquer pessoa ali presente.
Buffett e Charlie fazem de propósito o papel de bons velhinhos, mastigando seus "cookies", ajustando os óculos e coçando o ouvido com o dedo de vez em quando. O ambiente e o tom são jocosos, mas as respostas, diretas e muitas vezes surpreendentemente honestas.
Como esperado, neste ano o grosso das perguntas girou em torno da crise e das perdas do Berkshire. A primeira delas: como tanta gente pôde estar tão errada durante tanto tempo, até a crise explodir?
"Aos 21 anos estive em Las Vegas pela primeira vez. Vi tanta gente fazendo tanta besteira com tanto dinheiro que ali cheguei à conclusão que os EUA eram a terra da oportunidade", disse Buffett.
Mais à frente, afirmou: "Há cinco anos, todos seguiam um modelo em que os preços dos imóveis nos EUA nunca mais poderiam cair tanto. Milhares de pessoas cometeram esse erro (...) Estamos pagando as consequências disso e levaremos anos para absorver os resultados dessa "bolha'".
Buffett e Charlie acreditam que, apesar de alguns passos errados, as medidas do Estado no combate à crise estão na direção correta. Mas que seu efeito no futuro será, "certamente", a volta da inflação.
"O governo está reagindo à pior crise em 70 anos e tomando decisões sob pressão e com boa fé. Não é razoável esperar que tudo dê certo", diz Charlie. Buffett emenda: "Quando você está levando soco de todo lado, do Congresso, dos contribuintes, não dá para fazer todas as coisas certas. Mas o governo está fazendo bom trabalho".
"Estamos fazendo coisas que nunca fizemos no passado e não sabemos ainda as reais consequências disso, mas não será um "almoço grátis". No que podemos apostar é em mais inflação", completou Buffett.
Em outra pergunta, a dupla foi questionada sobre se haveria algo ainda "escondido", não revelado, que ainda possa ameaçar ainda mais o sistema capitalista.
"Há ainda muita coisa errada no mundo, mas é o único que temos. Não tenho a menor ideia do que vai acontecer, mas sei que cada vez mais vamos viver melhor e melhor, pois esse é o sistema que liberta o potencial de todos. Até a China descobriu isso. Teremos dias ruins no capitalismo, mas, de modo geral, estamos progredindo rapidamente", disse Buffett.
Ao que o bem mais irônico octogenário Charlie comentou: "Agora que estou cada vez mais perto da morte, me sinto cada vez mais otimista com o futuro da economia".


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