São Paulo, domingo, 04 de junho de 2006

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Hidrelétricas trazem ameaça à selva e a 1.500 espécies, afirmam ambientalistas

DA ENVIADA ESPECIAL A RONDÔNIA

Mesmo que o projeto de construção de duas hidrelétricas no rio Madeira ainda esteja em discussão em Brasília, as empresas Odebrecht e Furnas temem manifestações ambientalistas contrárias. Resolveram adiantar-se aos políticos e doutrinar a população.
A Folha apurou que líderes locais são cooptados para chamar quem estiver interessado em ouvir sobre as usinas. Nos encontros, geralmente realizados em escolas e nos fins de semana, são feitas palestras por funcionários da Odebrecht e de Furnas. Agradam a alguns; causam sarcasmo em outros.
Quem gosta, na maioria, são os jovens brancos e os colonos. Querem progresso, trabalho e oportunidade de "sair do mato". Quem desgosta são os índios (que se consideram espremidos em reservas cada vez mais rodeadas pelos brancos), os ribeirinhos mais velhos, os moradores que participam de organizações de cunho ambiental e os que já foram desapropriados uma vez -na década de 80, também para a construção de usinas- e jamais viram a cor do dinheiro das indenizações.
Os ambientalistas questionam o fato de o Madeira ser um rio com muitos sedimentos. Em poucos anos, resíduos entupiriam as barragens e o nível do rio tenderia a subir, inundando outras casas além das que constam do projeto. Outro dano: cerca de 700 espécies de peixes e 800 de aves estariam ameaçadas, devido às mudanças bruscas em seu habitat.
Os empreiteiros negam essas hipóteses. Seus estudos mostram que os sedimentos são feitos de argila, moles o bastante para passar pelas barragens.
Outro argumento dos ambientalistas é que o Brasil não precisa destinar novos rios de dinheiro, literalmente, para obter mais energia. O país poderia aumentar sua capacidade energética em 30% a 40%. Bastaria aproveitar melhor o que já produz. Essa conversa não encontra eco no Ministério de Minas e Energia. Os técnicos sustentam que o Brasil precisa, sim, de energia nova.
Por fim, recordam, haveria danos à selva. Grileiros -instalados no local, como a Folha pôde comprovar -atrairiam madeireiros, que serviriam como isca aos agricultores e pecuaristas. E aí, adeus à floresta. Viriam as queimadas, os pastos e a soja -muita soja.

Terrenos grilados
A Folha visitou Jaci-Paraná, cidade próxima a Porto Velho e uma das possíveis atingidas pelas hidrovias. Negociou dois terrenos grilados -um, grande, para comércio, "perto da cidade" foi vendido por R$ 22 mil. Outro, menor, "mais para o meio do mato", foi oferecido por R$ 2.500. Vale ressaltar que a transação ocorreu em uma farmácia, a Drogaria São Paulo. O representante dos grileiros, contudo, só atende no balcão quem vai atrás de remédios. Investidores potenciais sentam-se confortavelmente em uma pequena mesa, que fica no meio da loja.
O complexo do Madeira prevê também a instalação de uma hidrovia. Dessa idéia, porém, os ambientalistas gostam. O governo, todavia, não parece estar muito interessado. Pelo contrário. Difícil entender, porque a hidrovia é a parte mais barata do projeto -consumiria algo em torno de R$ 50 milhões dos R$ 20 bilhões.
O argumento dos governantes é que ela incentivaria os colonos do Sul a "subirem o Madeira". Eles se instalariam no meio da floresta e ceifariam, em nome do progresso, o que vissem pela frente.
Ambientalistas têm uma visão menos pessimista. Eles acreditam que a hidrovia é o caminho mais lógico para transportar grãos e similares sem precisar abrir novas estradas por entre as árvores. (JL)


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