São Paulo, quinta-feira, 04 de junho de 2009

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ARTIGO

Bernanke está certo em se preocupar

MOHAMED EL-ERIAN
DO "FINANCIAL TIMES"

O DEPOIMENTO do presidente do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), Ben Bernanke, no Congresso americano merece atenção cuidadosa dos agentes do mercado -e isso em um momento no qual as medidas tomadas pelas autoridades desempenham papel incomumente forte em determinar os valores absolutos e relativos de muitos mercados.
No texto de seu depoimento, Bernanke aponta corretamente para o processo de cura em curso em diversos elementos críticos dos mercados financeiros, entre os quais transações interbancárias e de "commercial papers". Também aponta para a melhora do funcionamento do crédito empresarial.
Mas os aspectos mais interessantes do depoimento são outros. Relacionam-se às nuanças em sua perspectiva econômica mais ampla e à tentativa de Bernanke de dar às questões fiscais o lugar devido.
Bernanke reconhece que, a despeito dos "brotos verdejantes", continuam a existir dúvidas sobre exatamente que componentes da demanda entrarão em marcha assim que a recuperação cíclica de estoques esgotar seu curso, como deve inevitavelmente acontecer ao longo dos próximos meses.
O presidente do Fed aponta que, "mesmo depois que uma recuperação se iniciar, o ritmo de crescimento da atividade econômica real deve se manter abaixo de seu potencial de prazo mais longo por algum tempo, o que implica que a atual folga na utilização de recursos deve se ampliar ainda mais".
No entanto, ele não chega a mencionar aquilo que ocupará cada vez mais espaço nas preocupações das pessoas. Especificamente, a questão quanto ao que acontece no longo prazo vai bem além da ideia de um período prolongado de crescimento abaixo do potencial. O nível de crescimento potencial em si pode terminar declinando. De fato, isso é um elemento central daquilo que, aqui na Pimco, definimos como "nova normalidade".
Quando as questões fiscais estão em jogo, Bernanke não demonstra timidez em se preocupar quanto a questões de prazo mais longo -e está certo em fazê-lo. Ele é explícito sobre a necessidade de maior clareza sobre como a sustentabilidade fiscal será restaurada.
Bernanke afirma que "manter a confiança dos mercados requer que nós, como país, comecemos a planejar agora uma restauração do equilíbrio fiscal. A atenção imediata a questões de sustentabilidade fiscal é especialmente crítica, devido aos desafios orçamentários e econômicos vindouros, associados à aposentadoria da geração "baby-boom" e à elevação continuada dos custos médicos".
São palavras fortes, e justificadas, dada a preocupante situação fiscal que os Estados Unidos estão encarando. Por necessidade, Bernanke cada vez mais terá a tarefa de combater as preocupações sobre inflação e monetização. De fato, os mercados já dispararam dois claros tiros de alerta nas duas últimas semanas, como os recentes movimentos nas cotações dos títulos e no dólar dos EUA demonstram.
Os desafios que Bernanke enfrenta com relação a essas questões não são fáceis ou passíveis de soluções rápidas. Além disso, à medida que os mercados passam a considerar cada vez mais os fatores subjacentes, o que inevitavelmente acontecerá, reconhecerão a dificuldade que o governo enfrenta para manter um compromisso confiável de ajuste fiscal primário.
Em suma, Bernanke parece mais cauteloso quanto às perspectivas de crescimento e deseja tirar as questões de sustentabilidade fiscal da esfera do Fed e devolvê-las à sua alçada correta, o Congresso e o Executivo. Ele tem razão quanto a ambas as coisas.

MOHAMED EL-ERIAN
é presidente-executivo e copresidente de investimentos na administradora de fundos Pimco.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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