|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BENJAMIN STEINBRUCH
Discurso do medo
Precaução exagerada é tudo o
que não precisamos, pois isso
estancaria a expansão interna
que começa a pegar ritmo
O BRASIL não tem bons antecedentes em gestão interna
diante de crises internacionais. Nos anos 1970, quando eclodiram as duas crises do petróleo, adotou-se a estratégia da "ilha de prosperidade", segundo a qual a economia brasileira não seria atingida pela
disparada dos preços dos combustíveis. O país quebrou na seqüência
porque não conseguiu arcar com o
custo dos créditos tomados no exterior para financiar as compras de petróleo. Mais recentemente, nos anos
1990, a reação às crises do México e
da Ásia foi espalhafatosa. Os juros internos foram "jogados na Lua", como se dizia na época, e lá ficaram
muito mais do que se exigia para enfrentar a tormenta -na verdade, estão perto da Lua até hoje. Como resultado, o país viveu mais de uma década de crescimento pífio, enquanto
os demais emergentes prosperavam.
Duas lições, portanto, podem ser
tiradas desses eventos. Primeira: o
país, como qualquer outro emergente, não é imune a crises internacionais. Segunda: não se deve exagerar
na dose dos remédios anticrise.
A atual turbulência do "subprime", mesmo antes de termos uma
idéia exata sobre seus efeitos para a
economia mundial, já jogou fermento no velho discurso do medo, o mesmo que levou o país à estagnação durante longos anos no fim do século
passado e no início deste.
Em resumo, o discurso do medo
defende a idéia de que o risco de crise
nos obriga a fazer imediatamente
um novo aperto fiscal e monetário.
Sabemos aonde leva essa conversa. A
experiência mostra que ajustes fiscais não se dão por corte de gastos
correntes da inchada máquina estatal, e sim pela contenção de investimentos, com comprometimento da
infra-estrutura do país. E ajuste monetário se faz com "juros na Lua", como estamos cansados de ver.
A precaução exagerada dos medrosos é tudo o que o país não precisa. Pela simples razão de que isso iria
estancar, em nome do medo, o crescimento que começa a pegar ritmo
na economia interna.
O que fizeram os EUA e a Europa
diante da ameaça de que o aperto
global de crédito venha a conter o
crescimento? O BC americano reduziu imediatamente os juros do redesconto em 0,5 ponto percentual e
acenou com corte na taxa básica de
juros agora em setembro. O próprio
governo Bush anunciou medidas de
apoio a endividados. O BC europeu,
que pelas expectativas do mercado
deveria elevar a taxa básica em 0,25
ponto na reunião do dia 6, poderá
agora mantê-la em 4%.
Por aqui, o BC flerta com a contramão. Esperava-se um novo corte de
0,50 ponto na Selic, mas agora já se
prevê redução de apenas 0,25 ponto
amanhã ou mesmo a manutenção da
taxa lunática de 11,5%.
Isso é medo, atitude injustificável.
O ambiente econômico no Brasil e
na América Latina continua bastante favorável. Mesmo que sobrevenha
um desaquecimento da economia
americana, o Brasil poderá sustentar
seu ritmo com a expansão do mercado interno, desde que esse não seja
golpeado por medidas retranqueiras. Vendas de varejo, por exemplo,
cresceram 13% em um ano e são
muito sensíveis à alta de juros.
As condições internas atuais são
bem diferentes das da década passada. O país tem US$ 160 bilhões de reservas, que o protegem contra aperto no pagamento de contas externas.
A dívida externa representa apenas
14% do PIB, contra 40% no fim dos
anos 1990. O crescimento se aproxima da taxa de 5% ao ano e a inflação,
apesar de um certo avanço no atacado, se mantém comportada entre 3%
e 4% ao ano.
Em momentos de crise como esse,
a economia precisa de estímulos,
não grilhões. Não há por que dar asas
ao discurso retranqueiro do medo.
BENJAMIN STEINBRUCH, 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e 1º vice-presidente da
Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de SP).
bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: Governo estuda reduzir tarifa para trazer trigo Próximo Texto: Mercado interno puxa alta de 6,5% nas vendas da indústria Índice
|