São Paulo, quinta-feira, 04 de setembro de 2008

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Olavo Setubal


Ele gostava de polêmicas. Tinha espírito público, mas sua visão do Brasil era muito mais cética e desencantada

O LEITOR pode estranhar o tema de hoje. Mas Olavo Setubal foi o único banqueiro com quem mantive contato ao longo dos anos. Por exemplo, no Conselho da Fiesp, no tempo de Mario Amato, e no Fórum da "Gazeta Mercantil", no início da década de 90. Depois, quando eu ainda morava em São Paulo, ele me chamava, volta e meia, para almoçar na sede do Itaú. Não concordávamos em quase nada, devo dizer, mas isso não o desanimava, e ele continuava me convidando.
O brasileiro, dizia Nelson Rodrigues, é muito aberto ao monólogo.
Dr. Olavo não era tipicamente brasileiro nesse particular. Gostava de polêmicas e de dialogar com seus opositores. Ele não mudava um milímetro de opinião, é verdade, mas não posso reclamar: eu também não.
Uma vez ele me disse: "Alguns aqui no banco acham que você é comunista. São uns ignorantes. Você é gaullista". Exatamente. Nas suas "Memórias de Guerra", Charles de Gaulle escreveu que, durante toda a sua vida, ele se fizera "uma certa idéia da França". Sempre acreditei que nós, brasileiros, também devemos nos fazer "uma certa idéia do Brasil". E pensar o Brasil como destinado a ocupar uma posição de destaque no mundo -dos pontos de vista político, econômico e cultural.
Parafraseando De Gaulle, se nos acontece a infelicidade de ver a trajetória do país marcada pela mediocridade, devemos considerar que estamos diante de uma anomalia absurda, imputável às falhas dos brasileiros, e não ao Brasil.
Olavo Setubal não compartilhava, é claro, desses impulsos nacionalistas, talvez românticos. Tinha espírito público, mas a sua visão do Brasil era muito mais cética e desencantada. Costumava dizer, às vezes com certa exasperação: "Vocês esquecem do essencial: a questão do poder". E repetia, com o seu vozeirão: "O poder é a questão central!". Passava então a discorrer sobre a inutilidade de se contrapor aos Estados Unidos. "Eu construí esse império" -e apontava com orgulho para os prédios do Centro Empresarial Itaú-, "mas não me iludo: perto dos grandes bancos americanos, o Itaú não representa grande coisa".
Isso foi há algum tempo. Hoje é diferente. Enquanto os bancos americanos atravessam gravíssima crise, os nossos continuam sólidos e poderosos -até demais, como já tive ocasião de dizer nesta coluna.
Estou morando há quase um ano e meio no exterior. Com a distância, meu nacionalismo romântico se acentuou. Não esqueço, leitor, das nossas mazelas: a pobreza, o atraso educacional, a vergonhosa concentração da renda.
Mas o Brasil tem qualidades incomuns. Uma delas: no Brasil, os adversários raramente se transformam em inimigos. As diferenças de opinião não costumam descambar para o ódio e a agressão pessoal. Não sei se na Argentina, por exemplo, um economista com as minhas características preservaria, ao longo de anos, o diálogo com um empresário como Olavo Setubal.
"A fatal desvantagem da psicologia espanhola", escreveu Fernando Pessoa, "parece ser a sua tendência para a divisão. Isto vê-se muito claramente na América do Sul. Enquanto a parte portuguesa, enorme como é no seu território, se conservou una sob o nome de Brasil, a parte espanhola dividiu-se em várias repúblicas. (...) O separatismo parece ser, por qualquer razão desconhecida, uma maneira de ser espanhola. (...) [Já] o Português (usando a palavra num sentido suficientemente lato para incluir os brasileiros) mantém a sua tendência orgânica para a unidade e a coesão".


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago). pnbjr@attglobal.net


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