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ARGENTINA
Depois da privatização radical sob Menem, governo reestatiza empresas e pressiona concessionárias de serviços
Estatização ganha fôlego com Kirchner
CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES
O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, anunciou que o país
vai retomar a prestação de serviços de trens de longa distância da
rede ferroviária nacional. Na última terça, foi publicada uma normativa no "Diário Oficial" que revoga um decreto do ex-presidente
Carlos Menem (1989-99) que suprimiu o serviço em 1992.
Depois de ter passado por um
dos mais radicais processos de
privatização, a Argentina tenta
dar certa robustez ao Estado. Desde que assumiu, em maio do ano
passado, Kirchner reestatizou os
Correios, criou uma empresa aérea estatal, anunciou uma empresa de petróleo, cancelou a concessão de uma linha de trem e recentemente enviou ao Congresso um
projeto de lei que amplia o controle do Estado sobre as concessionárias de serviços públicos.
No caso dos trens que ligam as
Províncias, o governo pretende
reabilitar, a partir do ano que
vem, 7.000 dos 33.000 km da rede
nacional. O problema será o estado de deterioração das redes. Alguns trens que já estão circulando
alcançam só 30 km/h.
A reinstalação dos trens é uma
promessa de campanha de Kirchner. Com o fim dos serviços públicos de trem, vários municípios
ficaram isolados.
O anúncio de intervenção estatal mais audacioso feito pelo governo até agora foi o da criação da
Enarsa (Energia Argentina Sociedade Anônima). O governo quer
que a Enarsa seja "uma empresa
testemunha", ou seja, uma estatal
que, ainda que não opere diretamente, dite preços e controle os
valores praticados no mercado.
É o mesmo objetivo das Linhas
Aéreas Federais S.A. (Lafsa). Em
2003, a crise da Lapa e da Dinar,
empresas aéreas regionais, paralisou os aeroportos argentinos. O
governo criou a Lafsa e passou a
operar esses vôos.
Os Correios foram umas das últimas privatizações de Menem. O
consórcio Correio Argentino S.A.
(Casa) havia ganhado a concessão
dos serviços por 30 anos, mas a
má qualidade dos serviços prestados levou o governo a retomar a
operação dos serviços.
Em junho, o Estado rescindiu o
contrato de concessão de uma linha de trem na Grande Buenos
Aires, operada pela empresa San
Martin, também por causa da má
qualidade dos serviços oferecidos.
Tendência estatizante
"Não há dúvida de que este governo tem tendência estatizante, o
que é um retrocesso, porque a Argentina teve quatro décadas de
Estado empresário que terminaram em hiperinflação. Dos casos
de intervenção, o único que se justifica é o dos trens interurbanos,
cujos serviços são uma vergonha.
Mas há um claro interesse do governo no petróleo, nos correios e
nas linhas aéreas. Preferem estatizar a dar aumento de tarifa", diz
José Luis Espert, consultor e crítico do governo.
Na opinião de Martin Fchorn,
especialista em privatizações da
Faculdade Latino Americana de
Ciências Sociais (Flacso), os negócios que interessavam ao setor
privado nos anos 90 não são mais
tão rentáveis como antes, quando
o peso valia o mesmo que o dólar,
entre 1990 e 2001. "Perdeu-se o interesse em investir e prestar um
bom serviço. O Estado não está
readquirindo as empresas, mas
cancelando as concessões por
maus serviços prestados."
A renegociação dos contratos
com as empresas privatizadas,
uma exigência do FMI para assinar o ultimo acordo com a Argentina, em setembro de 2003, até
agora não ocorreu. A maior parte
das tarifas de serviços públicos,
com exceção de gás e eletricidade,
que sofrem pequenos reajustes
por causa da crise de energia, está
congelada desde janeiro de 2002.
O projeto de lei apresentando
ao Congresso no final do mês passado, que aumenta o controle do
Estado sobre as concessionárias
de serviços públicos, proíbe reajustes automáticos e o corte dos
serviços não-pagos por famílias
registradas como indigentes.
Os fundos de pensão também já
foram alvo da tendência estatizante. A Argentina substituiu parcialmente o sistema público de repartição pelo sistema privado de
capitalização individual.
Para financiar os custos de transição entre os dois sistemas, o governo Menem forçou os fundos
de pensão a adquirir títulos do Tesouro. Agora, esses fundos possuem cerca de 20% dos títulos da
dívida em moratória.
Segundo a Folha apurou, o governo chegou a ameaçar reestatizar o sistema caso os fundos não
aceitem a proposta do governo de
pagamento da dívida.
Fim de uma era
A crise dos anos 80 trouxe o fim
de uma era de Estado interventor,
caracterizado por grandes investimentos estatais e desequilíbrios
macroeconômicos na Argentina e
na maioria da região.
Nos anos 90, a Argentina passou
por um processo de profundas
mudanças estruturais. Uma das
primeiras leis que o ex-presidente
Menem enviou ao Congresso,
dias depois de assumir, em julho
de 1989, foi o projeto de reforma
do Estado, que incluía, além da
privatização radical, a liberalização comercial e financeira.
Em menos de seis anos o controle da maioria das empresas estatais estava nas mãos do setor
privado. Com exceção das empresas de gás e de eletricidade, as privatizações foram feitas por decreto, não por lei. Foram vendidas
mais de 60 empresas.
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