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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
A análise econômica no governo Lula 2
A declaração do ministro Mantega é um sintoma da queda de qualidade da análise econômica no governo Lula 2
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LI COM GRANDE surpresa que o
ministro da Fazenda declarou
que 80% ou 90% dos brasileiros não pagarão a CPMF. Afinal,
desde o século 18, os economistas
entendem que há uma diferença
fundamental entre quem entrega o
imposto devido ao fisco e quem efetivamente arca com o custo do tributo. Há uma extensa literatura em
economia que avalia o impacto de
impostos no aumento dos preços
pagos pelos consumidores, na queda
dos salários dos trabalhadores ou na
diminuição do rendimento de outros fatores de produção (*). Um
exemplo interessante é a contribuição previdenciária nos Estados Unidos, que é, em princípio, dividida
igualmente entre empregado e empregador. Estudos empíricos demonstram, no entanto, que a parcela das empresas é na realidade paga
em boa parte pelos trabalhadores,
na forma de salários mais baixos.
Não conheço trabalhos sobre a verdadeira incidência da CPMF no Brasil, mas como muitos outros impostos indiretos, é provável que ela incida sobre todas as faixas de renda.
A afirmação do ministro Mantega
poderia ser vista simplesmente como um argumento falso no meio da
briga política pela aprovação da
CPMF no Senado. Mas a declaração
do ministro é um sintoma a mais da
queda de qualidade da análise econômica no governo Lula 2.
A discussão sobre o tamanho do
setor público no Brasil é outro
exemplo. No governo Lula, os gastos
da administração central aumentaram em 3% do PIB. Todos sabem
que o Estado brasileiro não cumpre
tarefas essenciais, tais como garantir a segurança das pessoas, prover
educação e serviços de saúde de boa
qualidade para as crianças de famílias pobres ou construir a infra-estrutura necessária para o crescimento da economia. Uma parte dos
economistas do governo acredita
que a solução para todos esses problemas é o aumento do tamanho de
um setor público que já gasta cerca
de 30% do PIB em consumo e transferências (excluindo juros); uma
percentagem muito alta quando
comparada com as de outros países
com um nível semelhante de desenvolvimento ou até mesmo mais ricos.
Na gestão do ex-ministro Antonio
Palocci, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda
produziu o documento "Orçamento
Social do Governo Federal 2001-2004", que avaliou o efeito dos gastos sociais do governo na redução da
desigualdade e da pobreza no Brasil
e demonstrou que, se a meta é reduzir pobreza, é necessário concentrar
recursos em programas como o Bolsa Família, focados na população
mais carente. As estimativas da Fazenda eram baseadas em um cuidadoso modelo de microssimulação de
políticas públicas que calculava impostos e benefícios por família, utilizando dados da Pesquisa Nacional de Análise por Domicílios. Ao invés
de criticar as hipóteses ou os dados
utilizados no estudo, o fogo amigo
atacou a proposta de focalização como "neoliberal". O comprovado
efeito do Bolsa Família na queda da
pobreza parece ter calado os críticos. Para melhorar a qualidade do
serviço público sem aumentar a já
absurda carga tributária, o governo
precisa estabelecer um processo semelhante que avalie detalhadamente todos os programas federais. Mas
a equipe econômica atual não parece estar interessada nessa tarefa.
* Um resumo técnico desta literatura é o artigo de Don Fullerton e Gilbert Metcalf, "Tax incidence", in: A. J. Auerbach & M. Feldstein (ed.), Handbook of Public Economics,
volume 4, Elsevier.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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