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OPINIÃO ECONÔMICA
Constantinopla
JOÃO SAYAD
Estamos preocupados com a
crise da Argentina, aqui do
lado, com o crescimento menor
dos Estados Unidos, 9.000 km ao
norte, com o euro e o preço do petróleo.
Na semana passada adicionamos a Turquia às nossas preocupações, país de que não ouvíamos
falar desde a queda de Constantinopla.
A instabilidade cambial dos
mais distantes países atrapalha a
recuperação da economia brasileira. A taxa cambial pode subir,
os investimentos diretos do estrangeiro podem se reduzir, podemos ter dificuldade para financiar a enorme carência de dólares
do país. A suave retomada do
crescimento pode ser interrompida.
Em compensação, ninguém se
preocupa conosco e não preocupamos ninguém. É a situação da
economia brasileira às vésperas
do melhor Natal do Plano Real.
Será que poderíamos nos isolar
do mundo em termos financeiros
e evitar as mazelas da globalização?
Cada geração é escrava de seu
tempo.
Revolucionários escrevem manifestos, pegam em armas, são
oradores inflamados contra o
tempo em que vivem. A autonomia e a liberdade são apenas aparentes -vivem, como todo o
mundo, em razão das idéias do
seu tempo, ainda que contra elas.
O artista genial e o filósofo descrevem e organizam os conceitos
do tempo que estão vivendo. Sincronizados serão felizes e reconhecidos como Mozart, Einstein
ou Noel Rosa. Muito à frente do
próprio tempo, serão perseguidos
como visionários ou pobres coitados, reconhecidos postumamente.
Para analisar política e governantes, desde presidentes até prefeitos e administradores regionais, precisamos distinguir as escolhas que podem fazer no labirinto dos preconceitos e idéias erradas de cada tempo.
Grande estadista é apenas
aquele que encontra as brechas
ou avança obliquamente contra
os tabus da época, para alcançar
o poder.
Schindler conseguiu a confiança dos nazistas para facilitar a fuga de milhares de judeus. Foi um
gênio da ação.
Juscelino foi grande presidente,
não porque tenha feito a economia brasileira crescer 50 anos em
5. Toda a América Latina cresceu
rapidamente nos anos 50 e 60.
JK foi um grande presidente
porque fez o Plano de Metas com
entusiasmo, foi hábil na criação e
organização dos Grupos Executivos Industriais e generoso com os
rebeldes de Jacareacanga e Aragarças. Não são poucos méritos. O
resto é resultado do tempo em que
viveu.
O Brasil não poderia ficar fora
do circuito da globalização financeira. O único caminho para acabar com a inflação era fixar a taxa cambial aproveitando o excesso de liquidez internacional. Todos os países da América Latina
fizeram a mesma coisa.
Entretanto não precisávamos
ter sobrevalorizado o câmbio ou
ter reduzido as tarifas de importação tão rapidamente. Nada impediu ou impede que tenhamos
política industrial e de apoio às
exportações que aumentasse o
saldo comercial e reduzisse menos
a oferta de empregos.
Entretanto, ainda na semana
passada, o governo anunciou que
quer reduzir ainda mais as tarifas
de importação.
(Para quê? Para diminuir as receitas tributárias, que podem ser
usadas para pagar o salário mínimo ou aumentar o déficit comercial que já é de US$ 400 milhões?)
Para evitar tantos enganos e
tanto sofrimento em termos de
desemprego, bastaria uma gotinha de dúvida sobre os mitos do
nosso tempo.
Com um pouco de sabedoria, os
últimos seis anos da economia
brasileira teriam sido excepcionais e nossas preocupações, hoje,
se limitariam à Argentina. A Turquia continuaria a ser apenas um
país cuja capital não é mais Constantinopla.
João Sayad, 55, economista, professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney); é autor de
"Que País é Este?" (editora Revan); escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail - jsayad@attglobal.net
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