São Paulo, quinta-feira, 05 de janeiro de 2006

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ARTIGO

Mundo precisa se preparar para enfrentar riscos em 2006

Sabah Albazee/Reuters
Caminhão é atacado no Iraque; segurança é um dos riscos em 2006


MARTIN WOLF

Para a economia mundial, a expectativa agora é de um ano novo feliz. Mas as projeções econômicas em geral presumem que as tendências vigentes se mantenham, modificadas, quando é o caso, por uma reversão a uma média de longo prazo.
No entanto, o mais útil é perguntar o que poderia mudar. Quando as coisas estão indo relativamente bem, como agora, isso significa, o mais das vezes, perguntar o que poderia sair errado e, mais importante, avaliar se os riscos de que isso aconteça estão sendo calculados de maneira adequada como parte dos preços atuais. A resposta a isso é: não, não estão.
Comecemos pelas expectativas. De acordo com a pesquisa Consensus Economics de dezembro, as previsões médias de crescimento para 2006 são de 3,4% para os Estados Unidos; 1,9% para a Zona do Euro (com a França crescendo 1,9%, a Alemanha, 1,5% e a Itália, 1,3%); 2,1% para o Reino Unido; 2% para o Japão; 4% para a América Latina (com 3,4% para o Brasil); 5,3% para a Europa Oriental (com 5,7% para a Rússia); 8,5% para a China; e 7% para a Índia (no ano fiscal de 2006).
A história é clara: o ritmo de alta deve se ampliar; os Estados Unidos continuam a superar o desempenho das demais grandes economias desenvolvidas; a Alemanha e a Itália continuam para trás; a América Latina será uma decepção; e o maior crescimento acontecerá nos gigantes asiáticos.
Assim, o que pode sair errado? Os perigos recaem em três categorias: riscos não-econômicos, riscos econômicos e, no caso da energia, uma mistura dos dois.
Os maiores riscos não-econômicos são aqueles que se relacionam à segurança, como apontou Kenneth Rogoff, economista da Universidade Harvard, na edição de ontem do "Financial Times".
Considerem a possibilidade de que uma bomba nuclear seja encontrada em um contêiner em um porto -talvez abandonada lá propositadamente. Mas um ataque nuclear aos campos petroleiros da Arábia Saudita seria igualmente devastador.
Os quatro cavaleiros do apocalipse (guerra, forme, doença e morte) estão sempre conosco. Um século atrás, ninguém esperava a Primeira Guerra Mundial, que deu início a uma era de conflito, caos e calamidade econômica.
O risco que existe na zona de convergência entre os fatores econômicos e os não-econômicos é a nossa insaciável demanda por energia. O progresso econômico dos dois últimos séculos foi construído com base em consumo crescente de combustíveis fósseis. De acordo com a Administração de Informações de Energia dos EUA, a energia total fornecida por petróleo, gás natural e carvão teria de crescer em cerca de 60% entre 2002 e 2025.
A previsão da agência quanto ao aumento na demanda mundial por petróleo equivale a acrescentar quatro Arábias Sauditas ao elenco de países produtores. As demandas de energia do crescimento global acarretam, no mínimo, certa possibilidade de pequenos acidentes. Mas existe também a possibilidade de que um grande acidente venha a acontecer.

Desequilíbrios
Os riscos econômicos ficam mais evidentes nos desequilíbrios que afetam a economia mundial atualmente. Se a economia deseja manter seu rumo atual, os mercados precisam se manter abertos às exportações dos países em desenvolvimento. Também é preciso que recursos financeiros fluam sem dificuldades dos países onde existe um excedente de poupança e grandes superávits em conta corrente para países tanto dispostos quanto capazes de absorver o capital assim transferido.
Os devedores precisam continuar interessados em captar recursos. As taxas de juros precisam continuar baixas (tanto em termos reais quanto em termos nominais). Isso, por sua vez, exigirá que a inflação continue baixa e que as finanças públicas mantenham sua posição sustentável.
Os riscos de perturbação desse panorama são muitos. Para citar apenas um exemplo saliente, a principal contrapartida interna do imenso déficit dos Estados Unidos em conta corrente é o déficit financeiro dos domicílios, que no momento está avaliado em mais de 7% do PIB (Produto Interno Bruto), um recorde.
Como apontou o economista Wynne Godley, da Universidade de Cambridge, um déficit financeiro dessa ordem implica que o endividamento dos domicílios precise continuar a subir continuamente. E é exatamente isso que vem acontecendo -de 92% da renda domiciliar disponível no primeiro trimestre de 1998 a 126% no terceiro trimestre de 2005.
Essa alta no endividamento levou a porção da renda domiciliar dedicada a manter o serviço das dívidas a 14% da renda total disponível, um recorde histórico, apesar das baixas taxas de juro vigentes. O que aconteceria se os preços da habitação deixassem de subir ou se as taxas de juros tivessem de ser aumentadas?
Os domicílios reduziriam o seu nível de captação de recursos. Caso isso aconteça, o que poderia ser feito para evitar uma desaceleração na economia dos EUA?
A grande questão, porém, é determinar se esses riscos estão sendo devidamente computados como parte dos preços. A razão para acreditar que talvez não o estejam é nossa tendência natural a ignorar eventos de baixa probabilidade, por mais calamitosos que possam ser.
Nassim Taleb tratou desses tema em seu brilhante livro "Fooled by Randomness" [Iludidos pela Aleatoriedade]. Em uma "distribuição Taleb", perdas catastróficas se seguem a um longo histórico de pequenos ganhos. As pessoas se sentem seguras e passam a superestimar seriamente a probabilidade de ganhar a longo prazo.
Depois de um período tão prolongado de crescimento estável e inflação baixa, exatamente esse erro parece evidente em quase todos os mercados de ativos. Em uma base ponderada pelos fatores cíclicos, o mercado de ações norte-americano tem a cotação mais alta dos últimos 120 anos, excetuados o final dos anos 20 e o final dos anos 90.
O que é necessário para justificar essa situação é uma suposição audaciosa de que a excepcional lucratividade ora vigente se mantenha para sempre.
De forma semelhante, os preços da habitação estão altos, de acordo com a maior parte dos indicadores de valor, em quase todos os mercados. A justificativa bem pode ser o fato de que as taxas de juros estejam tão baixas, em termos tanto reais quanto nominais.
Mas a manutenção de taxas reais de juros baixas só será possível caso presumamos que haverá um excedente duradouro de poupança em boa parte do mundo, enquanto a manutenção de taxas nominais de juros modestas requer que a inflação seja mantida baixa para sempre.
Por fim, os ágios dos ativos de risco estão também muito baixos. Mas as condições atuais de política monetária relaxada e fraca demanda por investimento têm baixa probabilidade de persistir. Quando elas mudarem, os ágios de crédito também voltarão a se ampliar.

Previsões
Eu não sou nem inteligente nem ousado o suficiente para fazer previsões. Talvez o mais provável seja que este ano se assemelhe a 2005. Mas o contrário também pode acontecer. Existem riscos de perturbação da economia. No entanto, os mercados optaram por ignorá-los. Assim, precisamos reconhecer o perigo não só de que alguma coisa saia errada mas o de que os mercados -quando isso acontecer- tendam a adotar correções excessivas.
Hoje, feliz ou infelizmente, o mundo está em uma situação de preços quase perfeita. Na verdade, uma situação quase perfeita pode surgir para nós praticamente a qualquer ano. Mas as decepções são inevitáveis, em última análise. A questão que todos deveriam estar debatendo não é o que acontecerá este ano, mas sim se estamos conduzindo uma avaliação eficiente -pelo menos quanto àquilo que Donald Rumsfeld denominou "as incógnitas conhecidas". E não estamos.
Hamlet disse tudo o que precisamos saber: "Desafiamos augúrios. Há uma providência especial na queda de um pardal. Caso aconteça agora, não acontecerá mais tarde; se não acontecer mais tarde, acontecerá agora; se não acontecer agora, acontecerá um dia -a prontidão é que importa". Hamlet falava sobre a vida, a maior das distribuições Taleb.
Vocês estão preparados para a queda do pardal? Espero que sim. Qualquer outra atitude seria insensata.
Feliz ano novo.

Martin Wolf é colunista do "Financial Times"

Tradução de Paulo Migliacci


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