São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2004

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CONCORRÊNCIA

Pela primeira vez, conselho de defesa econômica desfaz um negócio de peso, alegando alta concentração de mercado

Cade determina que Nestlé venda Garoto

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) determinou ontem que a operação de compra da brasileira Chocolates Garoto pela multinacional Nestlé seja desfeita em até 150 dias. Após quatro horas de julgamento, que ocorria sob segredo havia duas semanas, o conselho reprovou, por cinco a um, a fusão das empresas devido à alta concentração de mercado resultante da operação.
Não há possibilidade de recurso no âmbito do Cade. A decisão foi tomada dois anos depois de o negócio ter sido fechado, por US$ 250 milhões, em fevereiro de 2002. O único voto contrário foi do presidente do Cade, João Grandino Rodas, que defendeu a aprovação com restrições. Ele foi indicado no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Foi a primeira vez em que o conselho determinou a desconstituição, integral, de uma operação com empresas de peso. Em 2001, ano anterior à fusão, a Nestlé faturou R$ 4,8 bilhões no Brasil, e a Garoto, R$ 547 milhões.
Em seu voto, o relator do caso, Thompson Andrade, argumentou que a operação deveria ser desfeita porque gerou grande concentração. Andrade também foi indicado no governo FHC.
Um dos pareceres utilizados por ele mostra que as duas empresas teriam 100% do mercado de cobertura de chocolate líquida e 88,5% do de cobertura sólida.
O mesmo parecer, que foi elaborado pela SDE (Secretaria de Direito Econômico), revela ainda que no caso de caixas de bombons a concentração chegaria a 66%. No caso de chocolates para consumo imediato, a fatia seria de 63,1%. No de tabletes de 401 gramas até 500 gramas, 75,9%. Nos tabletes de 101 g a 400 g, 52,9%.
O relatório cita dados da AC Nielsen segundo os quais as empresas teriam 63,6% do mercado total de chocolates (dados de 2003, baseados em volume de vendas). Por faturamento, a concentração seria de 58,4% (dados de 2001).
Além da elevada concentração, a fusão criaria grandes barreiras para a entrada de outras empresas no setor, na avaliação do relator. A última questão analisada por ele foi o grau de eficiência gerado pela fusão, que, segundo as próprias empresas, deveria atingir um patamar mínimo de 12%.
"A última trincheira que seria capaz de constituir um elemento favorável à operação, que seria a redução de custos decorrente da fusão, acabou não se comprovando. A redução de custos [eficiência] ficou no máximo em 2,7%."
Embora tenha sido voto vencido, o presidente do Cade quis deixar clara sua posição. "Respeito muito a decisão dos demais conselheiros, mas acho que havia um jeito menos doloroso para resolver o problema", disse Grandino.
Para ele, a intervenção do Estado na economia poderia ser menor. Uma saída seria obrigar a Nestlé a vender marcas ou partes da empresa em que está caracterizada alta concentração.
Segundo a decisão, a Nestlé deverá em 20 dias, a contar da publicação da decisão, apresentar duas empresas de auditoria aos conselheiros. A primeira fará uma auditoria na Garoto e preparará um laudo pericial de avaliação de preço em 40 dias.
A segunda acompanhará todo o processo de venda e também está habilitada a identificar compradores para a Garoto. Depois de o laudo ser encaminhado ao Cade e aprovado em sessão do conselho, a Nestlé deverá vender a Garoto em 90 dias, sob pena de ser multada em R$ 30 mil diários. Os prazos podem ser prorrogados.
Dos seis membros atuais do Cade, cinco foram indicados no governo passado. Apenas um foi nomeado no governo Lula, que também reconduziu um dos conselheiros. Até a decisão de ontem, as outras duas de impacto do Cade foram a que envolveu a compra da Kolynos pela Colgate e a da fusão da Antarctica com a Brahma.
Nos dois casos, as operações foram aprovadas com restrições. No primeiro, o Cade determinou que a Colgate deixasse de usar temporariamente a marca Kolynos, substituída pela Sorriso. No da fusão das cervejarias, que formaram a AmBev, uma das determinações foi que a nova empresa vendesse uma das marcas.


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