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OPINIÃO ECONÔMICA
Alca, "uma odalisca de cabaré barato"
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Nesta semana , foram retomadas as negociações da Alca em Puebla, no México. O objetivo do Brasil é consolidar a vitória alcançada na reunião ministerial de Miami, em novembro do
ano passado. Na ocasião, os 34
países participantes concordaram
com um modelo de negociação
mais flexível e menos ambicioso,
compatível com as posições que o
Brasil passou a defender desde o
início do governo Lula.
Esse novo modelo, apelidado
pela imprensa de Alca "light" ou
Alca "à la carte", prevê dois níveis
de negociação. O primeiro nível
consistiria em "um conjunto comum e equilibrado de direitos e
obrigações, aplicáveis a todos os
países", segundo a declaração ministerial de Miami. Num segundo
nível, os países que assim decidissem poderiam, no âmbito da Alca, definir "obrigações e benefícios adicionais", possivelmente
por meio de negociações plurilaterais.
A declaração de Miami foi redigida para acomodar a proposta
brasileira de retirar ou tornar facultativos, no todo ou em parte,
temas problemáticos para o Brasil, os EUA e outros países. Agricultura e antidumping, no caso
dos EUA. Investimentos, compras
governamentais, propriedade intelectual e serviços, no caso do
Brasil. Brasília reconheceria que
as questões problemáticas para
Washington devem ser abordadas basicamente na OMC. Em
compensação, Washington aceitaria que os tópicos problemáticos
para Brasília também sejam remetidos à OMC, recebendo tratamento limitado ou não obrigatório na Alca.
Os EUA e outros países nunca
ficaram totalmente satisfeitos
com a Alca "light". Os países que
preferem a Alca "heavy" já têm
acordos abrangentes de livre comércio com os EUA (Canadá,
México e Chile) ou estão ansiosos
para negociar algo do gênero (Colômbia, Peru, Equador e vários
outros).
Como se poderia prever, os EUA
e esses outros países procuram
agora em Puebla interpretar à
sua maneira o novo formato da
negociação, aproveitando o caráter vago e genérico do que foi decidido em Miami. Se a sua interpretação prevalecer, a vitória brasileira em Miami terá sido uma
vitória de Pirro.
Uma forma de tornar a Alca
"light" mais calórica é ampliar ao
máximo o "conjunto comum de
direitos e obrigações", reintroduzindo temas que o Brasil pretende
tratar de acordo com as regras da
OMC. Outra é incluir exigências
cruzadas entre as diferentes áreas
da negociação, estabelecendo que
não assumir compromissos OMC-plus em investimentos ou propriedade intelectual, por exemplo,
implicaria ter menos vantagens
em termos de acesso a mercados.
A julgar pelas notícias que chegam de Puebla, os Estados Unidos
também estão recuando em relação à sua proposta anterior de eliminar completamente as tarifas
de importação. Agora pretendem
eliminá-las para "substancialmente todo o comércio". Para o
Brasil, o risco é que os setores excluídos da liberalização sejam
justamente aqueles em que apresentamos vantagens competitivas
(açúcar, algodão, suco de laranja,
etanol, calçados e têxteis, entre
outros produtos) e que estão sujeitos a pesadas barreiras nos Estados Unidos.
Informa-se que Washington deseja também incluir uma "salvaguarda especial" para produtos
agrícolas com a finalidade de
compensar oscilações cambiais
(uma grande depreciação do real,
por exemplo) e outros fatores que
afetem o comércio internacional
entre os países participantes.
O tempo dirá. Mas a reunião de
Puebla parece estar confirmando
algo que muitos no Brasil não
vêem ou fingem não ver: a dificuldade imensa, provavelmente intransponível, de chegar a um resultado aceitável para o Brasil.
Teoricamente, a Alca proporcionaria acesso privilegiado ao
grande mercado dos EUA. Na
prática, Washington oferece pouco e pede muito. Boa parte dos demais países negocia em sintonia
com os EUA. O terreno da Alca
não é favorável para o Brasil. O
desequilíbrio de poder é grande e
são limitadas as nossas possibilidades de estabelecer alianças.
Quem tem razão é o co-presidente brasileiro da negociação, o
embaixador Adhemar Bahadian.
Valendo-se de uma imagem que
ele considera "pouco ortodoxa",
mas que nem por isso é menos
certeira, Bahadian comparou a
Alca a uma odalisca de cabaré
barato: "À luz tênue da noite, parece uma deusa. Quando amanhece, percebe-se que não é nada
daquilo. Às vezes, nem mulher é".
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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