São Paulo, sexta-feira, 05 de março de 2004

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BEBIDAS

Executivo afirma que pode ter havido falha na comunicação à opinião pública sobre acordo com a belga Interbrew

Não soubemos explicar aliança, diz AmBev

MARCIO AITH
EDITOR DE DINHEIRO

Dois dias depois do anúncio da aliança entre AmBev e Interbrew, executivos da empresa brasileira têm dificuldades para convencer a opinião pública de que o controle de sua gestão não foi alienado à fabricante de cerveja belga. Segundo Carlos Brito, CEO da AmBev, essa "confusão" deve-se a problemas na comunicação e à incapacidade de alguns analistas de entender que uma empresa pode ter o controle acionário de outra sem controlar sua gestão.
"Dou a mão à palmatória. Talvez tenha havido deficiência nossa na comunicação", disse Brito. "Mas analistas e a mídia se apegaram muito ao conceito de controle patrimonial das ações. Deram pouca importância ao acordo de acionistas, que preserva a autonomia da AmBev, expande a companhia e mantém o comando de suas atividades no Brasil."
Na quarta-feira, a AmBev e a Interbrew anunciaram um negócio que vai criar a maior fabricante de cervejas do mundo em volume produzido. A Interbrew ficará inicialmente com com 52% das ações com direito a voto da AmBev e poderá elevar esse controle para 84%, dependendo da adesão de acionistas minoritários a uma oferta pública que será feita.
No entanto, segundo Brito, um acordo de acionistas impede que a empresa belga comande a brasileira, preservando a autonomia da AmBev.
O executivo explicou a operação ao presidente Lula na quarta-feira. Segundo ele, Lula teria perguntado onde seria a sede da empresa e quem teria o controle. "Nós explicamos a operação a ele e dissemos que a matriz da AmBev permanecerá em São Paulo."
Brito informou que, já em 2005, a AmBev deverá vender no Brasil as cervejas Stella Artois e Beck's, principais marcas da Interbrew. Leia a entrevista.
 

Folha - A AmBev ainda tem dificuldades para convencer a opinião pública nacional e internacional de que não foi comprada. Por quê?
Carlos Brito -
Dou a mão à palmatória. Talvez tenha havido deficiência nossa na comunicação. No entanto, sem querer tapar o sol com a peneira, analistas e a mídia se apegaram muito ao conceito de controle patrimonial das ações. Deram pouca importância ao acordo de acionistas, que preserva a autonomia da AmBev, expande as atividades da companhia e mantém o comando de suas atividades no Brasil. O que interessa são os fatos, e deveríamos tê-los esclarecido melhor.

Folha - Vamos aos fatos. Como é que uma empresa compra mais de 50% do capital votante de outra e não a adquire de fato?
Brito -
É muito simples. A Braco (que controla a AmBev e reúne os investidores Jorge Paulo Lemann, Marcelo Sicupira e Marcel Telles) não vendeu, mas permutou o controle que tinha na AmBev. Eles disseram para os belgas: "Olha, vocês querem fazer uma aliança conosco, tudo bem, mas nós só faremos nestes termos: eu pego meu controle na AmBev e transformo em metade do controle da tua empresa na Bélgica". Foi simplesmente uma permuta. Os belgas podem ter controle das ações no Brasil, mas dividirão o mando na Bélgica. No meu modo de ver, esses brasileiros [sócios na Braco] deixaram de ter somente metade de uma empresa sul-americana chamada AmBev e passaram a controlar metade de uma empresa muito mais internacional, a Interbrew, que decidiu mudar seu nome para InterbrewAmBev. Mas não foi criada uma nova empresa nem a AmBev deixou de existir. Não houve uma fusão, mas uma aliança. A AmBev continua no Brasil, com executivos brasileiros, e sai fortalecida.

Folha - Posso entender, então, que a Interbrew comprou mais de 50% das ações com direito a voto da AmBev, mas abriu mão de mandar na companhia brasileira?
Brito -
Sim. A Interbrew não vai comandar as operações da AmBev. Meu caso pessoal ilustra a situação. Eu, como diretor-geral da AmBev, até uma semana atrás respondia para o Conselho de Administração da empresa. E continuarei respondendo somente ao Conselho de Administração da AmBev. Não responderei a um executivo belga, ao presidente da Interbrew ou ao Conselho de Administração da companhia belga. O acordo de acionistas negociado preserva a autonomia da AmBev.

Folha - Quando o texto desse acordo será divulgado?
Brito -
Será mostrado aos mercados no momento oportuno, daqui a uns meses.

Folha - Qual será o prazo de validade desse acordo?
Brito -
Esse acordo vale por 20 anos. Ele reza que, independentemente da participação econômica desse ou daquele acionista, o poder de mando será compartilhado. Foi um negócio bom demais para deixar passar.

Folha - Tão bom que fica difícil entender como os belgas o aceitaram.
Brito -
Acho que, para eles, será mais difícil explicar a operação. Mas também foi bom para eles.

Folha - Como foi calculado o custo de 9 bilhões que a Interbrew terá com a operação?
Brito - Vem de um cálculo que soma o custo da permuta de ações com os controladores da AmBev, a transferência de ativos e a oferta que a empresa terá de fazer aos minoritários.

Folha - Você informou pessoalmente a operação Interbrew/AmBev a Lula. Qual foi a reação do presidente da República?
Brito -
Em suas viagens, Lula tem pedido aos empresários que sejam mais corajosos. Quando viu essa operação, disse: "Puxa, isso é justamente o que estamos querendo e precisando".

Folha - Ele fez alguma pergunta?
Brito -
Quis saber onde seria a matriz da empresa. Nós dissemos que a matriz da AmBev seria em São Paulo. Queria saber como ficaria o controle. Nós o esclarecemos. Perguntou também se continuamos comprometidos em levar o Guaraná Antarctica para os mercados mundiais. Dissemos a ele que, agora, ainda mais, pois teremos uma rede de distribuição física que é nossa. É claro que a primeira coisa que faremos é distribuir cerveja, pois essa aliança é eminentemente cervejeira. Mas é óbvio que nosso segundo passo será tentar fazer o que fazemos no Brasil, que é colocar na carona o Guaraná.

Folha - Por que vocês não falaram ao presidente que a sede da InterbrewAmBev será na cidade de Leuven, na Bélgica?
Brito -
Porque é irrelevante. Veja bem: a InterbrewAmBev não é uma nova empresa, resultado de uma fusão com a AmBev. Trata-se da mesma Interbrew que, por causa da aliança conosco, decidiu mudar de nome. Seus executivos avaliaram que poderiam agregar valor ao nome da empresa incorporando a ele a palavra AmBev. Nós poderíamos ter feito isso também, trazendo a palavra Interbrew para nosso nome, mas não julgamos necessário. Portanto, a AmBev continua no Brasil e permanece autônoma para tomar suas decisões.

Folha - Se a AmBev continua com autonomia para tomar suas decisões e a Interbrew não pode interferir no mando da companhia brasileira, como poderá haver sinergia entre elas? Quem manda nas duas companhias? Para que foi feita a aliança?
Brito -
Foi criado um comitê de convergência cujo presidente é o Marcel Telles. Esse comitê vai escolher as melhores práticas e pessoas entre as duas empresas. Esse comitê tem uma enorme importância e, como acabei de falar, não será presidido por um belga, mas por um brasileiro.

Folha - Telles, Sicupira e Lemann são brasileiros, mas isso não quer dizer que substituíram a busca pelo lucro, que caracteriza suas carreiras, pela preservação do caráter verde-e-amarelo da AmBev. O sr. não acha que eles poderão aceitar a redução da atuação da AmBev caso isso seja conveniente para a InterbrewAmBev, companhia da qual tornaram-se sócios?
Brito -
Os três fortalecerão a AmBev justamente porque são homens de negócio. Sabem que a AmBev já era a mina de ouro do setor antes dessa aliança e torna-se agora ainda mais forte. Estaremos do Alasca à Patagônia.

Folha - A AmBev pretende vender no Brasil as cervejas Stella Artois e Beck's, fabricadas pela Interbrew?
Brito -
Sim, as duas, talvez já no ano que vem. Mas ainda há decisões a serem tomadas. Você só pode levar para um mercado marcas que façam sentido para os consumidores. Vamos fazer uma pesquisa, ver o que os consumidores acham, ver o que estão dispostos a comprar e quanto vão querer pagar. Além disso, precisamos decidir se vale a pena trazer a bebida engarrafada na origem ou fabricá-la aqui. Nos EUA, existe a cultura de que a cerveja só é estrangeira se for fabricada fora do país. Mas não no Brasil.

Folha - O sr. não acha que essa aliança reduz a competição potencial de cervejas no Brasil, já que fecha as portas para uma futura entrada da Interbrew no Brasil?
Brito -
O próprio economista Gesner Oliveira, ex-presidente do Cade, disse à Folha que o conceito de competição potencial está superado. Ele não é mais do Cade, mas ainda é uma referência. Nós achamos que não haverá problemas para aprovar essa operação. Em 1999, nos comprometemos a internacionalizar a companhia. É isso o que estamos fazendo agora.

Folha - Pelo acordo, a AmBev irá incorporar a Labatt, uma empresa da Interbrew que atua nos EUA, no México, no Canadá e em Cuba. A Labatt detém 30% da Femsa, que, entre outras atividades, distribui a Coca-Cola. O problema é que esse refrigerante é o principal concorrente da Pepsi, engarrafada pela AmBev. Não lhe parece uma concentração excessiva de mercado?
Brito -
Nós só ganhamos 30% da Femsa/Cerveja. A Femsa/Refrigerantes é independente e não nos foi transferida no acordo.


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