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BEBIDAS
Executivo afirma que pode ter havido falha na comunicação à opinião pública sobre acordo com a belga Interbrew
Não soubemos explicar aliança, diz AmBev
MARCIO AITH
EDITOR DE DINHEIRO
Dois dias depois do anúncio da
aliança entre AmBev e Interbrew,
executivos da empresa brasileira
têm dificuldades para convencer
a opinião pública de que o controle de sua gestão não foi alienado à
fabricante de cerveja belga. Segundo Carlos Brito, CEO da AmBev, essa "confusão" deve-se a
problemas na comunicação e à
incapacidade de alguns analistas
de entender que uma empresa
pode ter o controle acionário de
outra sem controlar sua gestão.
"Dou a mão à palmatória. Talvez tenha havido deficiência nossa na comunicação", disse Brito.
"Mas analistas e a mídia se apegaram muito ao conceito de controle patrimonial das ações. Deram
pouca importância ao acordo de
acionistas, que preserva a autonomia da AmBev, expande a companhia e mantém o comando de
suas atividades no Brasil."
Na quarta-feira, a AmBev e a Interbrew anunciaram um negócio
que vai criar a maior fabricante de
cervejas do mundo em volume
produzido. A Interbrew ficará inicialmente com com 52% das
ações com direito a voto da AmBev e poderá elevar esse controle
para 84%, dependendo da adesão
de acionistas minoritários a uma
oferta pública que será feita.
No entanto, segundo Brito, um
acordo de acionistas impede que
a empresa belga comande a brasileira, preservando a autonomia
da AmBev.
O executivo explicou a operação
ao presidente Lula na quarta-feira. Segundo ele, Lula teria perguntado onde seria a sede da empresa e quem teria o controle.
"Nós explicamos a operação a ele
e dissemos que a matriz da AmBev permanecerá em São Paulo."
Brito informou que, já em 2005,
a AmBev deverá vender no Brasil
as cervejas Stella Artois e Beck's,
principais marcas da Interbrew.
Leia a entrevista.
Folha - A AmBev ainda tem dificuldades para convencer a opinião
pública nacional e internacional de
que não foi comprada. Por quê?
Carlos Brito - Dou a mão à palmatória. Talvez tenha havido deficiência nossa na comunicação.
No entanto, sem querer tapar o
sol com a peneira, analistas e a mídia se apegaram muito ao conceito de controle patrimonial das
ações. Deram pouca importância
ao acordo de acionistas, que preserva a autonomia da AmBev, expande as atividades da companhia e mantém o comando de
suas atividades no Brasil. O que
interessa são os fatos, e deveríamos tê-los esclarecido melhor.
Folha - Vamos aos fatos. Como é
que uma empresa compra mais de
50% do capital votante de outra e
não a adquire de fato?
Brito - É muito simples. A Braco
(que controla a AmBev e reúne os
investidores Jorge Paulo Lemann,
Marcelo Sicupira e Marcel Telles)
não vendeu, mas permutou o
controle que tinha na AmBev.
Eles disseram para os belgas:
"Olha, vocês querem fazer uma
aliança conosco, tudo bem, mas
nós só faremos nestes termos: eu
pego meu controle na AmBev e
transformo em metade do controle da tua empresa na Bélgica".
Foi simplesmente uma permuta.
Os belgas podem ter controle das
ações no Brasil, mas dividirão o
mando na Bélgica. No meu modo
de ver, esses brasileiros [sócios na
Braco] deixaram de ter somente
metade de uma empresa sul-americana chamada AmBev e passaram a controlar metade de uma
empresa muito mais internacional, a Interbrew, que decidiu mudar seu nome para InterbrewAmBev. Mas não foi criada uma nova
empresa nem a AmBev deixou de
existir. Não houve uma fusão,
mas uma aliança. A AmBev continua no Brasil, com executivos
brasileiros, e sai fortalecida.
Folha - Posso entender, então,
que a Interbrew comprou mais de
50% das ações com direito a voto
da AmBev, mas abriu mão de mandar na companhia brasileira?
Brito - Sim. A Interbrew não vai
comandar as operações da AmBev. Meu caso pessoal ilustra a situação. Eu, como diretor-geral da
AmBev, até uma semana atrás
respondia para o Conselho de Administração da empresa. E continuarei respondendo somente ao
Conselho de Administração da
AmBev. Não responderei a um
executivo belga, ao presidente da
Interbrew ou ao Conselho de Administração da companhia belga.
O acordo de acionistas negociado
preserva a autonomia da AmBev.
Folha - Quando o texto desse
acordo será divulgado?
Brito - Será mostrado aos mercados no momento oportuno, daqui a uns meses.
Folha - Qual será o prazo de validade desse acordo?
Brito - Esse acordo vale por 20
anos. Ele reza que, independentemente da participação econômica
desse ou daquele acionista, o poder de mando será compartilhado. Foi um negócio bom demais
para deixar passar.
Folha - Tão bom que fica difícil
entender como os belgas o aceitaram.
Brito - Acho que, para eles, será
mais difícil explicar a operação.
Mas também foi bom para eles.
Folha - Como foi calculado o custo
de 9 bilhões que a Interbrew terá
com a operação?
Brito - Vem de um cálculo que
soma o custo da permuta de ações
com os controladores da AmBev,
a transferência de ativos e a oferta
que a empresa terá de fazer aos
minoritários.
Folha - Você informou pessoalmente a operação Interbrew/AmBev a Lula. Qual foi a reação do presidente da República?
Brito - Em suas viagens, Lula
tem pedido aos empresários que
sejam mais corajosos. Quando
viu essa operação, disse: "Puxa, isso é justamente o que estamos
querendo e precisando".
Folha - Ele fez alguma pergunta?
Brito - Quis saber onde seria a
matriz da empresa. Nós dissemos
que a matriz da AmBev seria em
São Paulo. Queria saber como ficaria o controle. Nós o esclarecemos. Perguntou também se continuamos comprometidos em levar
o Guaraná Antarctica para os
mercados mundiais. Dissemos a
ele que, agora, ainda mais, pois teremos uma rede de distribuição
física que é nossa. É claro que a
primeira coisa que faremos é distribuir cerveja, pois essa aliança é
eminentemente cervejeira. Mas é
óbvio que nosso segundo passo
será tentar fazer o que fazemos no
Brasil, que é colocar na carona o
Guaraná.
Folha - Por que vocês não falaram
ao presidente que a sede da InterbrewAmBev será na cidade de Leuven, na Bélgica?
Brito - Porque é irrelevante. Veja
bem: a InterbrewAmBev não é
uma nova empresa, resultado de
uma fusão com a AmBev. Trata-se da mesma Interbrew que, por
causa da aliança conosco, decidiu
mudar de nome. Seus executivos
avaliaram que poderiam agregar
valor ao nome da empresa incorporando a ele a palavra AmBev.
Nós poderíamos ter feito isso
também, trazendo a palavra Interbrew para nosso nome, mas
não julgamos necessário. Portanto, a AmBev continua no Brasil e
permanece autônoma para tomar
suas decisões.
Folha - Se a AmBev continua com
autonomia para tomar suas decisões e a Interbrew não pode interferir no mando da companhia brasileira, como poderá haver sinergia
entre elas? Quem manda nas duas
companhias? Para que foi feita a
aliança?
Brito - Foi criado um comitê de
convergência cujo presidente é o
Marcel Telles. Esse comitê vai escolher as melhores práticas e pessoas entre as duas empresas. Esse
comitê tem uma enorme importância e, como acabei de falar, não
será presidido por um belga, mas
por um brasileiro.
Folha - Telles, Sicupira e Lemann
são brasileiros, mas isso não quer
dizer que substituíram a busca pelo lucro, que caracteriza suas carreiras, pela preservação do caráter
verde-e-amarelo da AmBev. O sr.
não acha que eles poderão aceitar
a redução da atuação da AmBev caso isso seja conveniente para a InterbrewAmBev, companhia da qual
tornaram-se sócios?
Brito - Os três fortalecerão a AmBev justamente porque são homens de negócio. Sabem que a
AmBev já era a mina de ouro do
setor antes dessa aliança e torna-se agora ainda mais forte. Estaremos do Alasca à Patagônia.
Folha - A AmBev pretende vender
no Brasil as cervejas Stella Artois e
Beck's, fabricadas pela Interbrew?
Brito - Sim, as duas, talvez já no
ano que vem. Mas ainda há decisões a serem tomadas. Você só
pode levar para um mercado
marcas que façam sentido para os
consumidores. Vamos fazer uma
pesquisa, ver o que os consumidores acham, ver o que estão dispostos a comprar e quanto vão
querer pagar. Além disso, precisamos decidir se vale a pena trazer a
bebida engarrafada na origem ou
fabricá-la aqui. Nos EUA, existe a
cultura de que a cerveja só é estrangeira se for fabricada fora do
país. Mas não no Brasil.
Folha - O sr. não acha que essa
aliança reduz a competição potencial de cervejas no Brasil, já que fecha as portas para uma futura entrada da Interbrew no Brasil?
Brito - O próprio economista
Gesner Oliveira, ex-presidente do
Cade, disse à Folha que o conceito
de competição potencial está superado. Ele não é mais do Cade,
mas ainda é uma referência. Nós
achamos que não haverá problemas para aprovar essa operação.
Em 1999, nos comprometemos a
internacionalizar a companhia. É
isso o que estamos fazendo agora.
Folha - Pelo acordo, a AmBev irá
incorporar a Labatt, uma empresa
da Interbrew que atua nos EUA, no
México, no Canadá e em Cuba. A Labatt detém 30% da Femsa, que, entre outras atividades, distribui a
Coca-Cola. O problema é que esse
refrigerante é o principal concorrente da Pepsi, engarrafada pela
AmBev. Não lhe parece uma concentração excessiva de mercado?
Brito - Nós só ganhamos 30% da
Femsa/Cerveja. A Femsa/Refrigerantes é independente e não nos
foi transferida no acordo.
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