São Paulo, sábado, 05 de março de 2005

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TRABALHO

Sindicato dos docentes pediu desligamento da central por não concordar com seu posicionamento na gestão Lula

CUT é "esteio" do governo, afirma dissidente

CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de 16 anos filiado à CUT, o Andes (sindicato nacional de docentes das instituições de ensino superior), que representa 74 mil professores das universidades públicas e privadas, encaminhou anteontem seu pedido de desligamento da central.
Marina Barbosa, presidente do Andes, afirma que a saída da CUT é discutida desde que a central tomou "posições contrárias" aos servidores durante o processo da reforma previdenciária. Ela critica a reforma sindical defendida pelo governo Lula e afirma que a CUT serve de "esteio" para o governo. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

 

Folha - Por que o Andes decidiu se desfiliar à CUT?
Marina Barbosa -
Esse debate vem sendo feito nos últimos dois anos dentro do Andes. Há duras críticas à postura política da central, em relação às reivindicações da categoria e ao funcionamento da CUT. Internamente, notamos um estrangulamento do processo interno de democracia. Ao longo do tempo, as medidas adotadas pela direção majoritária da CUT foram cerceando e afunilando cada vez mais a participação da base, que são os sindicatos, nos eventos de deliberação da central.

Folha - Que medidas são essas?
Barbosa -
Desde o governo FHC, a central assumiu atitudes que relativizam os interesses dos trabalhadores. A CUT discutiu e aceitou, por exemplo, a adoção de bancos de horas e de câmaras setoriais que envolviam negociatas em torno de reivindicações dos trabalhadores. Para os servidores, isso ficou claro na reforma da Previdência, que foi traumática.

Folha - Por quê?
Barbosa -
Os servidores públicos tentavam impedir que a reforma fosse aprovada. Mas a CUT encaminhou e aceitou uma série de proposições que não atendem às demandas da categoria. Uma delas são os fundos de pensão, que serão criados para complementar as aposentadorias de servidores. Isso significa que o Estado não vai se responsabilizar pela integralidade da aposentadoria ao abrir espaço para o capital privado nesse setor. A CUT defendeu isso, o que prova o quanto é capaz de negociar direitos históricos em nome de suposta modernização.

Folha - A CUT é "governista"?
Barbosa -
A central tem servido de esteio para sustentar posições e projetos do governo no movimento sindical. A reforma sindical é a mais clara prova disso.

Folha - Governo e centrais sindicais afirmam que a reforma foi discutida durante 16 meses no Fórum Nacional do Trabalho.
Barbosa -
A CUT foi para o fórum sem consultar os trabalhadores. Foi falar em nome deles sem nunca chamar um debate para saber o que eles pensam.

Folha - O Andes é contra a reforma sindical?
Barbosa -
Não concordamos com o projeto. Ele desloca da base dos sindicatos o poder de decisão sobre seus conflitos. Se o problema não for resolvido no âmbito do sindicato, é delegada à central, por força de lei, a resolução desse conflito.

Folha - E quanto à sustentação financeira dos sindicatos, o projeto não traz avanços?
Barbosa -
Não. Somos totalmente contra a contribuição negocial, que será criada e vai deslocar parte dos recursos para as centrais. Também somos contra o imposto sindical obrigatório, que existe há 60 anos. O Andes defende o funcionamento dos sindicatos sem nenhuma forma de contribuição compulsória. Vivemos da mensalidade espontânea dos associados.

Folha - Alguns especialistas criticam o projeto dizendo que o poder do Estado vai aumentar.
Barbosa -
O projeto não vai permitir a liberdade e a autonomia sindical, que sempre foram bandeiras históricas da CUT. A perspectiva não é ampliar a liberdade, dando a chance de o trabalhador escolher a quem quer se filiar. O projeto atrela os sindicatos ao Estado, que vai reconhecer a personalidade sindical de uma entidade e vai conferir critérios de representatividade.

Folha - Como o Andes avalia os dois anos de governo petista?
Barbosa -
O governo Lula dá continuidade a uma política econômica adotada há mais de dez anos. A lógica tem sido aprofundar essa política, com juros subindo e renda caindo. Em nome da modernização do Estado, o país retrocede na distribuição de renda e na criação de empregos dignos. A economia, quando cresce, atende às demandas do capital.

Folha - É mais fácil negociar salário com o governo petista?
Barbosa -
No ano passado, as negociações salariais foram interrompidas pelo governo, que decidiu instituir uma medida provisória [com reajuste para a categoria variando de 10,15% a 35%]. O governo não aceitou a reivindicação do Andes de equiparar os valores entre aposentados e docentes na ativa. Também pedíamos a incorporação das gratificações aos salários, mas não fomos atendidos. Foram mais de 30 dias em greve, mas o reajuste médio, de 12%, foi dado à gratificação.

Folha - Qual o salário médio de um professor universitário?
Barbosa -
O de um professor-mestre numa universidade pública, com 15 anos de serviço, deve chegar a R$ 2.800. O problema é que esse salário é composto em 55% por gratificações.


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