São Paulo, quarta-feira, 05 de março de 2008

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Unibanco dá R$ 30 mil para festa de servidor da Receita

Banco diz que busca atrair clientes; BB deu R$ 8.000, e 2 entidades sindicais, R$ 18 mil

Jantar reuniu cerca de 800 servidores no clube Sírio em dezembro; ajuda de entidades ajudou a baratear custo de convites da festa

CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

O Unibanco contribuiu com R$ 30 mil para a festa de fim de ano de funcionários da Receita Federal em São Paulo, que ocorreu em dezembro de 2007 no Esporte Clube Sírio.
É a primeira vez que um banco privado patrocina festa de funcionários da Receita Federal em São Paulo. O apoio causou polêmica entre auditores fiscais, que questionam o fato de uma instituição, que é fiscalizada pela Receita Federal, ajudar financeiramente um evento desses servidores.
Banco do Brasil e ao menos duas entidades sindicais que representam a categoria -Unafisco São Paulo e Apafisp (Associação Paulista dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil)- também deram dinheiro ao evento. Os valores foram respectivamente de R$ 8.000, R$ 6.000 e cerca de R$ 12 mil. O custo total da festa foi de cerca de R$ 70 mil.
Com a ajuda, segundo as entidades, o custo dos convites à festa foi barateado. Sem o apoio, dizem, custaria cerca de R$ 100, mas saiu por R$ 40. A Receita diz que a administração do órgão não participou da organização da festa.
Servidores que ajudaram a organizar o evento informaram que a contribuição do Unibanco foi voluntária e ocorreu devido ao relacionamento entre empregados das duas instituições -os R$ 30 mil foram repassados diretamente ao clube-, já que uma parte dos funcionários da Receita Federal em São Paulo já recebe salário em conta no Unibanco.
Para o Unibanco e o Banco do Brasil, esse tipo de apoio a eventos faz parte de ações de marketing e de relacionamento com novos clientes, como os servidores públicos.

Ação agressiva
Alguns fiscais relataram à Folha que estranharam a ação agressiva de marketing do Unibanco no evento. Além de faixas com nomes de produtos do banco, havia no meio da festa um zepelim (balão dirigível) conduzido de mesa em mesa. O banco distribuiu brindes e fotos aos servidores.
O que chamou a atenção de auditores foi que, um mês após a festa, funcionários do Unibanco começaram a visitá-los em seus locais de trabalho para vender produtos e serviços. Um desses locais foi a sede da Deinf (Delegacia Especial de Instituições Financeiras) da Receita Federal em São Paulo.
Auditores fiscais que preferem não se identificar por temerem represálias afirmam que não é possível o fiscalizado ter tal proximidade com o órgão fiscalizador.
Citam o Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, criado em 1994, que veda ao servidor "pleitear, solicitar, provocar, sugerir ou receber qualquer tipo de ajuda financeira, gratificação, prêmio, comissão, doação ou vantagem de qualquer espécie, para si, familiares ou qualquer pessoa, para o cumprimento da sua missão ou para influenciar outro servidor para o mesmo fim".
Por e-mail, esses auditores questionam as contribuições. Por que não abriram o patrocínio para outros bancos e empresas?, questionam. Em outro relato, um fiscal afirma que na festa estavam o superintendente [da Receita Federal de São Paulo] Edmundo Rondinelli Spolzino, o superintendente-adjunto Paulo Jacson e vários delegados da Receita no Estado de São Paulo. Outro e-mail relata que a festa foi no salão principal do Sírio, durou até as 4h da manhã, com 500 pessoas, não havia mesa para todos e alguns comeram até em pé".
Funcionários da organização da festa, entretanto, afirmam que os bancos estão de olho no filão da folha de pagamentos dos servidores federais, que anteriormente recebiam seus salários somente por meio do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Para eles, a concorrência de bancos dentro da instituição é positiva.
Ives Gandra da Silva Martins, advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie, diz que a ajuda do Unibanco à festa de funcionários da Receita "pode não ter sido prudente, mas não é ilegal. "Funcionários da Receita são sérios, e não vejo como uma doação de R$ 30 mil para sindicatos de funcionários possa ter problema, a não ser que houvesse prova de que os R$ 30 mil resultaram em algum favorecimento. A festa foi de funcionários, que têm liberdade de buscar recursos".
Já Adilson Dallari, professor titular de direito administrativo da PUC-SP, "não vê com bons olhos" o apoio financeiro de instituições privadas a órgãos públicos. "Sou rígido nisso. Acho que o setor público não deve receber favores de particulares. Se a empresa tal patrocina a conservação de uma praça, é uma relação institucional de interesse público. Agora, quando se trata de dar dinheiro para uma festa de final de ano, que interesse público há nisso? Esse apoio acaba criando um relacionamento de gratidão entre as duas instituições. Não chega a ser uma infração disciplinar, legal, mas é, sim, um problema moral", diz.
Para o advogado Rubens Naves, fundador e conselheiro da ONG Transparência Brasil, "em decorrência dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa, os servidores devem se abster de praticar qualquer ato que possa caracterizar favorecimento ou acesso privilegiado de determinadas empresas ao poder público ou a seus integrantes". Ele diz que o código de ética do servidor federal "enfatiza" que o comportamento do servidor deve levar em conta "não apenas o legal e o ilegal mas o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, o honesto e o desonesto".
"Caso se confirme eventual tratamento privilegiado às empresas que patrocinaram a festa mencionada, a conduta poderia caracterizar descumprimento desse dever", afirma.


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