São Paulo, Sexta-feira, 05 de Março de 1999
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LUÍS NASSIF

Contra-ataque à especulação

As decisões tomadas ontem pelo novo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, acabam com a previsibilidade do mercado de câmbio e dotam o Banco Central de maior poder de fogo. A impressão inicial do mercado é que foram criadas condições técnicas para um combate efetivo à especulação cambial.
Aparentemente, as negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) levaram a um empate. De um lado, o BC passa a apostar em uma política monetária ativa, de elevação dos juros, como desejava o FMI. De outro, provavelmente o FMI teria autorizado o BC a utilizar as reservas até abaixo do limite de US$ 20 bilhões.
Em linhas gerais, as decisões consistiram dos seguintes itens:
1) Acabou a âncora monetária. Com a extinção da Teban e da TBC (que fixavam os limites superior e inferior das taxas de juros), o BC passa a atuar sobre o over Selic (a taxa de juros que serve de base para a troca de reservas entre os bancos) com maior liberdade. O mercado passa a não ter referencial de juros e câmbio. Com isso, aumenta a volatilidade e o risco dos especuladores.
2) O BC vai adotar as chamadas "metas inflacionárias", como referencial de política monetária. Ou seja, fixa uma meta de inflação e joga a taxa de juros no índice necessário para se atingir o objetivo. Trata-se de medida controversa, dada a pouca sensibilidade da economia brasileira, como um todo, aos níveis de juros -depois de quatro anos de taxas exageradas e grande escassez de crédito.
3) A elevação da taxa de juros para 45% ao ano representa um crescimento potencial da dívida pública de R$ 13 bilhões (potencial porque depende do tempo em que a taxa ficar nesse patamar). Ao elevar para 30% o compulsório sobre depósitos a prazo, o BC retira do mercado R$ 8,3 bilhões, compensando o impacto do aumento dos juros.
4) O Comitê de Política Monetária (Copom) criou o conceito de viés de alta e de baixa. A única pessoa com prerrogativa de mudar a taxa é Fraga. Pelo que se entendeu, o BC fixa a taxa de juros de seus títulos. Na semana seguinte, ao fazer novo leilão, avisa o mercado se o viés é de alta ou de baixa. Se for de baixa, significará que não aceitará nenhuma taxa acima da cotação vigente.
A rentabilidade do dólar depende do "cupom cambial" -o ganho líquido da aplicação em dólar, quando convertida em reais e aplicada no mercado de taxas. Suponha uma taxa de juros líquida de 30% ao ano. Se o dólar se valorizasse mais 20%, o "cupom" ficaria em 8%. Mas, se o dólar se desvalorizar em 10%, o "cupom" salta para 44%.
Com esse mecanismo, Fraga joga para os bancos a responsabilidade de aumentar o "cupom", derrubando o dólar. E o BC ganha mobilidade para tourear o câmbio por dois ou três meses, até que se iniciem as exportações agrícolas, permitindo obter superávits comerciais expressivos.

Contas externas
Desde que se estabilize o câmbio, e haja uma reversão de expectativas que permita a renovação das linhas de crédito, a situação externa este ano será tranquila.
Antes da mudança cambial, no cálculo sobre as necessidades de financiamento externo, o Banco Central levava em conta apenas o déficit em conta corrente (US$ 32 bilhões) e não os créditos vincendos (US$ 28 bilhões), supondo que seriam automaticamente renovados. Quando estourou a crise brasileira, com a não renovação dos créditos, as necessidades de financiamento saltaram para US$ 60 bilhões.
As últimas estimativas extra-oficiais, feitas pelo setor privado, indicam uma substancial reversão no déficit em transações correntes. Estima-se que a balança comercial possa registrar um superávit de US$ 7 bilhões -contra um déficit de US$ 6 bilhões no ano passado (portanto, um ganho de US$ 13 bilhões). É possível que a conta de serviços tenha um ganho de mais US$ 3 bilhões.
Finalmente, há uma conta de comércio não contabilizada, que é o contrabando -cujos recursos saem por meio do flutuante. Estima-se que no ano passado essa conta possa ter chegado a US$ 10 bilhões. Caso se reduza pela metade, o déficit em contas correntes poderá cair US$ 21 bilhões -situando-se por volta de US$ 11 bilhões-, sendo perfeitamente financiável, desde que se recomponham as linhas de financiamento externo.

E-mail: lnassif@uol.com.br


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