São Paulo, quinta-feira, 05 de abril de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O maior brasileiro de todos os tempos

A escolha de Getúlio Vargas talvez seja mais um sintoma da mudança de estado de espírito do brasileiro

"Escolho este meio de estar sempre convosco."
Getúlio Vargas, na carta-testamento.

A FOLHA publicou , no último domingo, os resultados de uma enquete com 200 pessoas de diferentes áreas (políticos, empresários, economistas, religiosos, intelectuais, jornalistas, esportistas e militares). A pergunta era: "Quem foi o brasileiro mais importante de todos os tempos?". Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek encabeçaram a lista dos escolhidos, com 16 e 15 votos, respectivamente.
Talvez seja mais um sintoma da mudança de estado de espírito do brasileiro, que, desencantado com a agenda liberal-internacionalista implantada na década de 90, agora olha com outros olhos o legado nacional-desenvolvimentista.
Há dez ou quinze anos, o ambiente era totalmente diferente. No seu discurso de despedida do Senado, em dezembro de 1994, o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso teve a imensa pretensão de anunciar o fim da Era Vargas. As suas palavras na ocasião foram um aviso do que nos esperava nos oito anos seguintes: "O caminho para o futuro desejado ainda passa, a meu ver, por um acerto de contas com o passado. Eu acredito firmemente que o autoritarismo é uma página virada na história do Brasil. Resta, contudo, um pedaço do nosso passado político que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas".
Transcorridos pouco mais de 12 anos desde que essas palavras foram proferidas, Getúlio Vargas continua conosco, como ele previu na sua carta-testamento, enquanto políticos como Fernando Henrique foram relegados à proverbial lata de lixo da história (na referida enquete, diga-se de passagem, FHC não recebeu um voto sequer).
Nos anos 90, o PSDB foi o principal herdeiro da UDN (União Democrática Nacional), isto é, da corrente liberal, conservadora e pró-Estados Unidos que sempre se opôs (nem sempre democraticamente) a Getúlio e Juscelino. Esse partido, que ostentava ironicamente o adjetivo "democrático" no nome, oscilava entre o golpismo e a participação inepta em eleições presidenciais. A UDN só venceu eleições para presidente da República quando escolheu como candidato o demagogo tresloucado chamado Jânio Quadros.
Eleito pelo voto direto em outubro de 1950, Getúlio teve como principal adversário o candidato udenista, o brigadeiro Eduardo Gomes. Gomes já havia sido derrotado pelo general Dutra nas eleições de 1945, ocasião em que o seu lema de campanha fora, inacreditavelmente: "Vote no brigadeiro, ele é bonito e é solteiro"...
A minha família contava com partidários ferozes do brigadeiro. Houve quem pressionasse os seus empregados domésticos a votar nele. Quando começaram a ser anunciados os primeiros resultados da eleição, com Getúlio vencendo por larga margem, alguém da família foi até a cozinha e percebeu que os empregados, reunidos na área de serviço, acompanhavam pelo rádio e celebravam, eufóricos. Uma marcha de Carnaval daquele ano prenunciara a volta do político gaúcho à Presidência da República: "Bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar, o sorriso do velhinho faz a gente trabalhar".
Grande Getúlio! Na história política brasileira, marcada pelo pragmatismo e pela tendência à conciliação, o seu suicídio em 1954 destoa dramaticamente. Getúlio avisou que não se submeteria ao golpe de Estado que estava sendo deflagrado por setores das Forças Armadas e da UDN. Matou-se com um tiro no coração, em seu quarto, no Palácio do Catete. Deixou-nos a carta-testamento, belo documento, do qual tirei a frase usada como epígrafe.
A carta de Getúlio termina assim: "Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. [...] Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História".


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).

pnbjr@attglobal.net


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