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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O maior brasileiro de todos os tempos
A escolha de Getúlio Vargas talvez seja mais um sintoma da mudança de estado
de espírito do brasileiro
"Escolho este meio de estar sempre convosco."
Getúlio Vargas, na carta-testamento.
A FOLHA publicou , no último domingo, os resultados de uma
enquete com 200 pessoas de
diferentes áreas (políticos, empresários, economistas, religiosos, intelectuais, jornalistas, esportistas e
militares). A pergunta era: "Quem
foi o brasileiro mais importante de
todos os tempos?". Getúlio Vargas e
Juscelino Kubitschek encabeçaram
a lista dos escolhidos, com 16 e 15 votos, respectivamente.
Talvez seja mais um sintoma da
mudança de estado de espírito do
brasileiro, que, desencantado com a
agenda liberal-internacionalista implantada na década de 90, agora olha
com outros olhos o legado nacional-desenvolvimentista.
Há dez ou quinze anos, o ambiente era totalmente diferente. No seu
discurso de despedida do Senado,
em dezembro de 1994, o presidente
eleito Fernando Henrique Cardoso
teve a imensa pretensão de anunciar
o fim da Era Vargas. As suas palavras
na ocasião foram um aviso do que
nos esperava nos oito anos seguintes: "O caminho para o futuro desejado ainda passa, a meu ver, por um
acerto de contas com o passado. Eu
acredito firmemente que o autoritarismo é uma página virada na história do Brasil. Resta, contudo, um pedaço do nosso passado político que
ainda atravanca o presente e retarda
o avanço da sociedade. Refiro-me ao
legado da Era Vargas".
Transcorridos pouco mais de 12
anos desde que essas palavras foram
proferidas, Getúlio Vargas continua
conosco, como ele previu na sua carta-testamento, enquanto políticos
como Fernando Henrique foram relegados à proverbial lata de lixo da
história (na referida enquete, diga-se de passagem, FHC não recebeu
um voto sequer).
Nos anos 90, o PSDB foi o principal herdeiro da UDN (União Democrática Nacional), isto é, da corrente
liberal, conservadora e pró-Estados
Unidos que sempre se opôs (nem
sempre democraticamente) a Getúlio e Juscelino. Esse partido, que ostentava ironicamente o adjetivo
"democrático" no nome, oscilava
entre o golpismo e a participação
inepta em eleições presidenciais. A
UDN só venceu eleições para presidente da República quando escolheu como candidato o demagogo
tresloucado chamado Jânio Quadros.
Eleito pelo voto direto em outubro de 1950, Getúlio teve como principal adversário o candidato udenista, o brigadeiro Eduardo Gomes. Gomes já havia sido derrotado pelo general Dutra nas eleições de 1945,
ocasião em que o seu lema de campanha fora, inacreditavelmente:
"Vote no brigadeiro, ele é bonito e é
solteiro"...
A minha família contava com partidários ferozes do brigadeiro. Houve quem pressionasse os seus empregados domésticos a votar nele.
Quando começaram a ser anunciados os primeiros resultados da eleição, com Getúlio vencendo por larga
margem, alguém da família foi até a
cozinha e percebeu que os empregados, reunidos na área de serviço,
acompanhavam pelo rádio e celebravam, eufóricos. Uma marcha de
Carnaval daquele ano prenunciara a
volta do político gaúcho à Presidência da República: "Bota o retrato do
velho outra vez, bota no mesmo lugar, o sorriso do velhinho faz a gente
trabalhar".
Grande Getúlio! Na história política brasileira, marcada pelo pragmatismo e pela tendência à conciliação,
o seu suicídio em 1954 destoa dramaticamente. Getúlio avisou que
não se submeteria ao golpe de Estado que estava sendo deflagrado por
setores das Forças Armadas e da
UDN. Matou-se com um tiro no coração, em seu quarto, no Palácio do
Catete. Deixou-nos a carta-testamento, belo documento, do qual tirei a frase usada como epígrafe.
A carta de Getúlio termina assim:
"Quando vos humilharem, sentireis
minha alma sofrendo ao vosso lado.
Quando a fome bater à vossa porta,
sentireis em vosso peito a energia
para a luta por vós e vossos filhos.
Quando vos vilipendiarem, sentireis
no pensamento a força para a reação. [...] Lutei contra a espoliação do
Brasil. Lutei contra a espoliação do
povo. Tenho lutado de peito aberto.
O ódio, as infâmias, a calúnia não
abateram meu ânimo. Eu vos dei a
minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida
para entrar na História".
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net
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