São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

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COLAPSO DA ARGENTINA

Desemprego atinge cerca de 22% da PEA e auxílio governamental não passa de 150 pesos por mês

Classe média faz fila por salário de US$ 46

France Presse
Vendedores atuam no mercado de escambo de Buenos Aires



FABRICIO VIEIRA
DE BUENOS AIRES

Algumas dezenas de pessoas esperam na fila para se inscrever no programa de auxílio a desempregados desenvolvido pelo governo argentino no forte sol da tarde de quinta em Buenos Aires. O jornalista Alejandro Aredes é uma delas. Sem emprego desde novembro de 2001, Aredes aguarda sua vez para tentar passar a receber uma bolsa de trabalho de 150 pesos do governo argentino.
Outras pessoas com curso superior estão na fila. Aredes conta que ganhava 1.400 pesos (o equivalente a US$ 1.400 na época) quando perdeu o emprego que tinha em uma assessoria de imprensa. Hoje tenta receber do Estado, por quatro horas de trabalho diário, cerca de US$ 46.
A crescente taxa de desemprego na Argentina tem vitimado pessoas de todas as classes sociais. Neste mês, o Indec (o IBGE local) divulgará os últimos dados do desemprego no país, que já alcança entre 22% e 24% da população economicamente ativa, segundo estimativas de consultorias privadas. Isso representa aproximadamente 3,2 milhões de argentinos desempregados.
"O que mais assusta é a impressão de que a crise não tem fundo. A pobreza, o desemprego, os dados que comprovam a falência do Estado não param de aumentar mês a mês. Mudar a cara do presidente não vai alterar nada. Parece que ninguém sabe ao certo o que fazer para mudar esse quadro."
A alguns metros atrás dele na fila está a advogada Emilia Pelayo. Formada há três anos, divorciada e com dois filhos para criar, Emilia afirma que não encontrou outra alternativa a não ser "mendigar" o auxílio do governo.
"Nunca votei nem votaria no [presidente argentino, Eduardo" Duhalde. Os políticos levaram nosso país a essa situação. A Argentina se orgulhava a poucos anos de seu nível educacional, muito superior a de seus vizinhos latino-americanos. Agora, vemos que não adianta muito, o desemprego atinge a todos. Sei que meus pais se envergonham de eu ter de pedir 150 pesos do governo para conseguir sobreviver", afirma a desanimada Emilia.
O governo Duhalde lançou seu principal programa social, que prevê a distribuição de bolsas de trabalho a mais de 1 milhão de pessoas, no mês passado. Na primeira fase do programa, os argentinos inscritos recebem 150 pesos para realizarem serviços comunitários ou em empresas cadastradas junto ao Ministério do Trabalho para trabalharem 4 horas por dia. Apenas chefes de família -mulheres e homens- podem se inscrever no programa. Em uma próxima etapa, o governo pretende atender jovens desempregados entre 18 e 21 anos e pessoas maiores de 60 anos que não conseguiram se aposentar.
Em La Plata, capital da província de Buenos Aires, dentre cerca de 10 mil inscritos nos primeiros dias do programa do governo 45 tinham curso superior completo e 198 curso superior incompleto.
Na Grande Buenos Aires, que engloba a capital federal e a periferia, cerca da metade da população vive atualmente abaixo da linha de pobreza, com rendimento mensal inferior a 400 pesos para uma família formada por um casal com filho. São quase 6 milhões de pessoas, ou 49% da população, que vivem nessa condição.
Vender dólares se tornou uma forma de sobreviver para muitos argentinos desempregados após o fim da conversibilidade -que fixou o valor do peso ao do dólar durante mais de uma década- no início do ano. Conhecidos nas ruas do centro de Buenos Aires como "arbolitos", essas pessoas conseguem ganhar em comissões cerca de 400 pesos por mês.
"Câmbio, câmbio pelo melhor preço", diz em voz baixa Natalia Blaiota, formada a pouco mais de um ano em cinema. "O máximo que consegui chegar perto do cinema foi em um estágio que fiz no segundo ano de faculdade em uma produtora de vídeos", diz Natalia. Sem emprego desde que se formou e ainda morando em uma república de estudantes, Natalia diz que "o sonho do cinema foi engolido pela irresponsabilidade dos governantes".


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