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São Paulo, segunda-feira, 05 de maio de 2003

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Geração de emprego colide com interesses sindicais

MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para combater o desemprego e aumentar a renda, o presidente Lula terá de promover mudanças que colidem com os interesses das bases do sindicalismo do setor público- do qual a CUT (Central Única dos Trabalhadores) representa cerca de um terço.
A constatação é feita por Leôncio Martins Rodrigues, professor titular de ciência política da Unicamp e autor de "Destino do Sindicalismo" (Edusp, 2002).
Hoje, são 7,7 milhões de desocupados no país segundo o IBGE, número que coloca o Brasil em terceiro lugar no ranking mundial do desemprego, atrás apenas da Índia e da Rússia. Foi nesse contexto que, uma semana antes do 1º de Maio -dia simbólico para o sindicalismo-, aconteceu a primeira greve de trabalhadores filiados à CUT, central historicamente ligada ao presidente Lula.
Na greve comandada pelos trabalhadores da GM (General Motors), o governo interveio nas negociações, o que fez com que o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (filiado à CUT e ligado ao PSTU) suspendesse a greve e retirasse a reivindicação de gatilho salarial quando a inflação atingisse 3%.
A intermediação do governo na questão causou mal-estar no meio sindical e foi alvo de críticas da CUT e da Força Sindical. Para Rodrigues, essa tensão entre governo e sindicatos cria uma situação "incômoda". A seguir, a entrevista concedida à Folha.

Folha - Qual sua análise do relacionamento do movimento sindical com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, considerando que ele foi importante líder metalúrgico?
Leôncio Martins Rodrigues -
Considerando a quantidade de ex-dirigentes sindicais em importantes funções de comando no Executivo federal, tanto o governo como os sindicatos ligados à CUT encontram-se agora numa posição bem incômoda. Os primeiros porque têm que assumir as funções e a responsabilidade de elite governante; os outros, porque devem passar a ser opositores dos que ajudaram a eleger.
Ocorre que, para fazer a economia funcionar e, consequentemente, aumentar o emprego e a renda das classes assalariadas, o governo tem que promover mudanças que atingem os interesses das bases do sindicalismo do setor público, aliado aberta ou veladamente aos altos estamentos burocráticos da República.
Trata-se de uma situação bem diferente da que existiu na época do governo Goulart. Então, quase não havia sindicalistas no governo, mas o antigo CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) apoiava fortemente o governo e era tido, antes que o golpe de 64 mostrasse o contrário, como um dos pilares de sustentação de Goulart.
Agora, são ex-sindicalistas que estão no governo e os diretores de sindicatos estão na oposição.

Folha - Quais as mudanças pelas quais o movimento sindical passou dos tempos de metalúrgico do presidente Lula para cá?
Rodrigues -
As duas mais importantes, na minha opinião, são primeiro o forte declínio do sindicalismo de trabalhadores manuais do setor privado e segundo a expansão do sindicalismo de funcionários. Na época de Lula, os sindicatos de metalúrgicos eram os mais ativos e os maiores do país, como aliás acontecia também na maioria dos países industrializados.

Folha - Recentemente, o presidente Lula disse em entrevista que os sindicalistas deveriam organizar melhor sua pauta de negociações, pedindo que a prioridade seja o apoio às reformas tributária e previdenciária. Como o sr. encara esse posicionamento do presidente?
Rodrigues -
Acho que, em tese, Lula tem razão. Para sobreviver em sociedades em que os sindicatos estão deixando de ser um ator político e social importante, os sindicatos não podem se manter apenas no terreno da mera reivindicação corporativa.
Têm que ser mais inventivos, assumir um arco mais amplo de demandas capazes de atender aos trabalhadores enquanto cidadãos. Mas, no caso, os dirigentes sindicais dificilmente apoiarão o presidente em seus projetos de reformas. Os sindicatos tendem fortemente para o corporativismo, para a defesa dos interesses que representam. Especialmente nos casos das reformas da Previdência e da legislação trabalhista, as bases entendem- com ou sem razão- que serão prejudicadas.
No caso do sindicalismo do setor público, o apelo do presidente Lula cai inteiramente no vazio porque os sindicatos irão defender propostas contrárias às intenções do governo.

Folha - Dentro da CUT existem diferentes sindicatos que pedem abono, reposição ou antecipação salarial, dependendo do caso. Essa diferença de posições indica que a central pode estar rachando?
Rodrigues -
Parece-me cedo para dizer enfaticamente que haverá um racha na CUT. Mas não há dúvida de que ela passa por um momento de tensão e perplexidade. Os amigos no poder não parecem muito amigáveis. Assim, as divergências entre as tendências que sempre existiram nessa organização devem se acirrar.
O próximo congresso será um indicador importante, especialmente considerando que Lula já indicou o futuro presidente que, pelos estatutos da CUT, deve ser eleito pelos delegados [Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC". Se a decisão presidencial for referendada pela grande maioria dos delegados, podemos inferir que um racha na CUT, se ocorrer, será de pequena dimensão.


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