São Paulo, quarta-feira, 05 de maio de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Da dificuldade de ser diferente

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Quando Chalmers Johnson começou a escrever sobre o Japão, no final dos anos 1970, diversos observadores ocidentais já haviam percebido que ali se passava algo de extraordinário. A rigidez doutrinária imperante não permitia, contudo, que se admitisse nem sequer a possibilidade do surgimento de um novo objeto de estudos e, sobretudo, de uma nova e consistente realidade econômica e social. Ou bem o Japão era uma economia de mercado, apresentando, claro, diversos "desvios" em relação ao modelo ideal, ou não passava de um caso a mais, disfarçado que fosse, de economia de comando (como eram, então, freqüentemente referidas, as economias socialistas).
Sinal dos tempos, a URSS retribuía da mesma maneira. Ou a China se enquadrava no modelo soviético, o que ia se revelando cada dia mais problemático, ou passava a ser definitivamente considerada como um dissidente: uma heresia a mais, a ser condenada e isolada.
Johnson, contudo, levou o seu trabalho adiante e mostrou de forma bastante convincente, em "Miti and the Japanese Miracle: The Growth of Industrial Policy, 1925-1975", que a economia japonesa não deveria ser entendida como desvio. Havia ali um novo caminho, contendo aspectos generalizáveis e outros, indiscutivelmente, nacionais e particulares. O Japão seria, em suma, um tipo de economia em que o Estado e os grupos econômicos privados, sintonizados -e sob a orientação de órgãos públicos, entre os quais, destacadamente, o Miti (Ministério da Indústria e do Comércio Internacional)-, se empenhavam em absorver, rapidamente, as tecnologias industriais do Ocidente.
O trabalho de Johnson não teve grande repercussão na academia. Na prática, contudo, a influência da via japonesa se tornaria, como se verá a seguir, cada vez maior.
Primeiramente, na área de influência direta do Japão, pelo menos duas economias, a da Coréia do Sul e a de Taiwan, adotaram caminhos inequivocamente inspirados na rota histórica japonesa. Ilustrando: os grupos econômicos sul-coreanos têm tudo a ver com os zaibatsus do pré-guerra japonês, e a burocracia taiwanesa, experimental e não-doutrinária (assim como a japonesa), deu origem a um eficiente sistema que já foi referido como "teia sem a aranha". A expressão, do prestigiado historiador William Lockwood, foi originalmente aplicada ao caso japonês.
Mas por caminho japonês não há, evidentemente, que entender algo rígido. No que toca à crítica relação Estado-empresas, por exemplo, três soluções parecem ter sido tentadas, ao longo do tempo, no Japão. Primeiramente, supôs-se que os próprios grupos econômicos poderiam, em grande medida, "auto-regular-se". A seguir partiu-se (nos anos 1930 e durante a guerra) para o controle direto e assumido por parte do Estado. As duas experiências revelaram-se, porém, bastante insatisfatórias. Somente em 1952 se partiria para a terceira e exitosa solução, em que os poderes públicos e as empresas intensamente colaboram -e novas formas de gerenciamento assumem uma importância crucial.
Por mais importante que seja hoje, por toda a parte, a influência das novas formas de gerenciamento desenvolvidas, em boa medida, na via japonesa, a história guardava ainda uma grande surpresa, que ampliaria decisivamente a sua influência.
A revolução chinesa parece ter buscado, durante décadas, o seu próprio caminho. Nessa busca, passou até por dois momentos de delírio: o Grande Salto Adiante (1958) e a Revolução Cultural (aproximadamente de 1966 a 1976). Deixados para trás ambos os (desastrosos) episódios, a experiência chinesa veio a tomar novo rumo a partir de 1978. Dessa feita, com um êxito avassalador.
Admitidas as patentes diferenças e as notórias especificidades nacionais, parece hoje lícito afirmar que, no seu sentido maior, o colosso chinês veio a adotar, progressivamente, desde 1978, o caminho cujas linhas maiores haviam sido esquematizadas por Johnson, em sua desidratação da moderna história japonesa.
O atual governo brasileiro também pareceu, especialmente nos seus primeiros momentos, trazer em si a possibilidade de um novo e consistente caminho. Para muitos, a sua originalidade viria a concentrar-se na esfera das políticas sociais -o que não impediria que também em politica industrial, ou externa, o país viesse a desenvolver novas propostas e soluções. Meu amigo Luciano Martins falava, com discreto entusiasmo, da possibilidade de um governo "popular sem populismo". Anthony Guiddens, em sua saudação a Lula na London School of Economics (julho de 2003), foi ainda muito mais longe. Essa não é, contudo, certamente, a impressão hoje imperante. Veremos.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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