São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2008

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Governo passou por cima da Anac, diz ex-diretora da agência

Denise Abreu afirma que Casa Civil teve papel decisivo em pelo menos quatro episódios relacionados à Varig

Ex-diretora vê pressão contra exigência de documentos que comprovassem origem do capital dos brasileiros que compraram a VarigLog

EM SÃO PAULO

Ex-diretora da Anac, Denise Abreu afirma que a Casa Civil teve papel decisivo em pelo menos quatro episódios relacionados à Varig: definiu um plano de contingência para o fim da empresa, acusou os diretores de promover lobby a favor das concorrentes, pressionou contra a exigência de documentos que comprovassem a origem do capital dos empresários brasileiros que compraram a VarigLog e, por meio da secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, teria promovido uma sabatina para questionar a sucessão de dívidas em caso de venda da Varig. Segundo ela, o governo passou por cima da agência no episódio da venda da Varig para a Gol.  

FOLHA - Por que a sra. resolveu revelar agora essa história? Como isso pode ajudar sua carreira?
DENISE ABREU
- Após a renúncia, passei por um processo de recuperação emocional. Fui operada em dezembro para extrair a vesícula. Minha família sofreu. Resolvi dar essa entrevista para virar a página da minha vida e ter o equilíbrio necessário para desenvolver a minha vida profissional, que depende da minha honra. Pretendo trabalhar com consultoria.

FOLHA - Quando o governo decidiu que não deveria deixar a Varig falir?
ABREU
- Entre abril e o começo de junho de 2006, fomos chamados à Casa Civil e estranhamente fomos cobrados por estarmos elaborando um plano de contingência que iria favorecer o duopólio e que tinha sido determinado pela ministra Dilma Rousseff.

FOLHA - Qual foi a explicação da ministra para decidir apoiar a Varig?
ABREU
- Nenhuma. Disse que aquilo era um problema político, que o Congresso estava cobrando e a população também e que o nome Varig era uma grife importantíssima para o país [...]
Ela mudou inteiramente o discurso e agregou uma pressão psicológica para os recém empossados. Nessa reunião, ela também me perguntou por que eu teria feito exigências em relação à VarigLog. Ela disse que isso era uma grande bobagem, em primeiro lugar porque Imposto de Renda neste país era uma coisa que não podia levar em consideração porque era muito comum as pessoas sonegarem. No que diz respeito a capital estrangeiro, poderia ter um contrato de mútuo ou de gaveta e não chegaríamos à conclusão nenhuma.

FOLHA - Houve algum outro episódio de pressão da Casa Civil?
ABREU
- Uma reunião presidida pela Erenice Guerra com superintendentes e técnicos da agência. Fomos sabatinados durante oito horas sobre o motivo de precisar de um novo certificado de empresa de transporte aéreo, caso alguma empresa comprasse a Varig, e sobre a possibilidade de sucessão de dívida. Qualquer empresa só se interessaria se não arcasse com as dívidas, e a Varig já devia R$ 7 bilhões.

FOLHA - O governo temia os efeitos políticos da quebra da Varig?
ABREU
- Era um ano eleitoral, portanto uma matéria politicamente relevante, dependendo da capacidade de interlocução do sindicato dos trabalhadores da aviação civil com a mídia.

FOLHA - Considera que foi "fritada" pelo governo?
ABREU
- Tenho a convicção de que o governo não fez absolutamente nada para me defender. Detectei que fui fritada quando, no relatório final da CPI do Senado, o senador Demóstenes [Torres, do DEM-GO] apresentou lista de mais de dez pessoas da Infraero comprovadamente envolvidas com superfaturamento de obras detectado por TCU [Tribunal de Contas da União], MPF [Ministério Público Federal] e até com as contas bancárias bloqueadas pelo MPF. Um senador do PT apresentou um relatório substitutivo e tirou todas as pessoas da Infraero e só sobraram dois denunciados, eu e a denunciante da Infraero. O governo e o PT me fritaram e deixaram que eu fosse exposta durante um mês.

FOLHA - O governo influenciou a venda da Varig para a Gol?
ABREU
- O Milton [Zuanazzi, presidente da Anac na época] foi chamado ao Planalto. Os outros diretores tomaram conhecimento por sites. Não tinha sido apresentado nenhum documento e não sabíamos nem o tamanho da operação. Tinham sacramentado uma decisão de compra de empresa aérea fora do âmbito da agência reguladora. Se não houve ingerência, houve no mínimo absorção de competência, jamais uma agência poderia ser comunicada de uma operação após o anúncio ao presidente da República.

FOLHA - Qual é a sua relação hoje com José Dirceu?
ABREU
- É a mesma relação que tive a minha vida inteira. Eu estudei com José Dirceu na mesma sala de aula, me tornei amiga pessoal dele, ele não era ninguém e nem eu. Nos encontramos ao longo de 20 anos em festas de aniversário. Quando Lula ganhou as eleições, fui indicada por um amigo deputado para cargos que nem eram na Casa Civil. Ele nunca me pediu nada na Anac.


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