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Governo passou por cima da Anac, diz ex-diretora da agência
Denise Abreu afirma que Casa Civil teve papel decisivo em pelo menos quatro episódios relacionados à Varig
Ex-diretora vê pressão contra exigência de documentos que comprovassem origem do capital dos brasileiros que compraram a VarigLog
EM SÃO PAULO
Ex-diretora da Anac, Denise
Abreu afirma que a Casa Civil
teve papel decisivo em pelo menos quatro episódios relacionados à Varig: definiu um plano
de contingência para o fim da
empresa, acusou os diretores
de promover lobby a favor das
concorrentes, pressionou contra a exigência de documentos
que comprovassem a origem do
capital dos empresários brasileiros que compraram a VarigLog e, por meio da secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, teria promovido
uma sabatina para questionar a
sucessão de dívidas em caso de
venda da Varig. Segundo ela, o
governo passou por cima da
agência no episódio da venda
da Varig para a Gol.
FOLHA - Por que a sra. resolveu revelar agora essa história? Como isso
pode ajudar sua carreira?
DENISE ABREU - Após a renúncia,
passei por um processo de recuperação emocional. Fui operada em dezembro para extrair
a vesícula. Minha família sofreu. Resolvi dar essa entrevista
para virar a página da minha vida e ter o equilíbrio necessário
para desenvolver a minha vida
profissional, que depende da
minha honra. Pretendo trabalhar com consultoria.
FOLHA - Quando o governo decidiu
que não deveria deixar a Varig falir?
ABREU - Entre abril e o começo
de junho de 2006, fomos chamados à Casa Civil e estranhamente fomos cobrados por estarmos elaborando um plano
de contingência que iria favorecer o duopólio e que tinha sido
determinado pela ministra Dilma Rousseff.
FOLHA - Qual foi a explicação da
ministra para decidir apoiar a Varig?
ABREU - Nenhuma. Disse que
aquilo era um problema político, que o Congresso estava cobrando e a população também e
que o nome Varig era uma grife
importantíssima para o país [...]
Ela mudou inteiramente o discurso e agregou uma pressão
psicológica para os recém empossados. Nessa reunião, ela
também me perguntou por que
eu teria feito exigências em relação à VarigLog. Ela disse que
isso era uma grande bobagem,
em primeiro lugar porque Imposto de Renda neste país era
uma coisa que não podia levar
em consideração porque era
muito comum as pessoas sonegarem. No que diz respeito a capital estrangeiro, poderia ter
um contrato de mútuo ou de
gaveta e não chegaríamos à
conclusão nenhuma.
FOLHA - Houve algum outro episódio de pressão da Casa Civil?
ABREU - Uma reunião presidida
pela Erenice Guerra com superintendentes e técnicos da
agência. Fomos sabatinados
durante oito horas sobre o motivo de precisar de um novo
certificado de empresa de
transporte aéreo, caso alguma
empresa comprasse a Varig, e
sobre a possibilidade de sucessão de dívida. Qualquer empresa só se interessaria se não arcasse com as dívidas, e a Varig
já devia R$ 7 bilhões.
FOLHA - O governo temia os efeitos políticos da quebra da Varig?
ABREU - Era um ano eleitoral,
portanto uma matéria politicamente relevante, dependendo
da capacidade de interlocução
do sindicato dos trabalhadores
da aviação civil com a mídia.
FOLHA - Considera que foi "fritada" pelo governo?
ABREU - Tenho a convicção de
que o governo não fez absolutamente nada para me defender.
Detectei que fui fritada quando,
no relatório final da CPI do Senado, o senador Demóstenes
[Torres, do DEM-GO] apresentou lista de mais de dez pessoas
da Infraero comprovadamente
envolvidas com superfaturamento de obras detectado por
TCU [Tribunal de Contas da
União], MPF [Ministério Público Federal] e até com as contas bancárias bloqueadas pelo
MPF. Um senador do PT apresentou um relatório substitutivo e tirou todas as pessoas da
Infraero e só sobraram dois denunciados, eu e a denunciante
da Infraero. O governo e o PT
me fritaram e deixaram que eu
fosse exposta durante um mês.
FOLHA - O governo influenciou a
venda da Varig para a Gol?
ABREU - O Milton [Zuanazzi,
presidente da Anac na época]
foi chamado ao Planalto. Os outros diretores tomaram conhecimento por sites. Não tinha sido apresentado nenhum documento e não sabíamos nem o
tamanho da operação. Tinham
sacramentado uma decisão de
compra de empresa aérea fora
do âmbito da agência reguladora. Se não houve ingerência,
houve no mínimo absorção de
competência, jamais uma agência poderia ser comunicada de
uma operação após o anúncio
ao presidente da República.
FOLHA - Qual é a sua relação hoje
com José Dirceu?
ABREU - É a mesma relação que
tive a minha vida inteira. Eu estudei com José Dirceu na mesma sala de aula, me tornei amiga pessoal dele, ele não era ninguém e nem eu. Nos encontramos ao longo de 20 anos em
festas de aniversário. Quando
Lula ganhou as eleições, fui indicada por um amigo deputado
para cargos que nem eram na
Casa Civil. Ele nunca me pediu
nada na Anac.
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