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GESNER OLIVEIRA
Fracasso e futuro de Doha
Uma nova Doha terá de ser
lançada em novas bases para
ser viável, terá de ser mais
ampla e menos estatal
DOHA MORREU . A chamada Rodada do Desenvolvimento da
OMC (Organização Mundial
do Comércio), iniciada em 2001, fracassou. A suspensão das negociações, anunciada pelo diretor-geral
da OMC, Pascal Lamy, marcou o fim
de sucessivas tentativas de acordo.
Mas em comércio internacional a
morte não é definitiva. Uma rodada
pode ressuscitar, como ocorreu com
a Rodada Uruguai em 1993-94. Mas,
para ser viável, Doha terá de ser relançada em novas bases.
O fracasso de Doha não representa o fim do multilateralismo ou uma
inevitável retração do comércio
mundial. Seus eventuais resultados
sobre a economia internacional são
de longo prazo. As projeções para os
próximos dois anos estão dadas pelo
desempenho recente das principais
economias do mundo. Persiste o
efeito do forte crescimento da China
de forma a garantir taxas razoáveis
de crescimento do comércio em
2007/08. As regras da OMC não deixarão de valer simplesmente porque
não se chegou a um acordo. Pelo
contrário, o mecanismo de solução
de controvérsias pode se tornar ainda mais ativo.
O insucesso de Doha tem várias
explicações. Uma delas é simples e
de natureza operacional. O formato
de rodadas amplas de negociação
com um número crescente de países
e de assuntos torna cada vez mais difícil chegar a um consenso. Apenas
23 países participaram da primeira
rodada, em 1947; esse número chegou a 26 na Rodada Dillon, em 1960-61; a 62 na Rodada Kennedy, em
1964-67; a 102 na Rodada Tóquio,
em 1973-79; a 123 na Rodada Uruguai, em 1986-94, e a 149 em Doha.
O fracasso de Doha enseja a proliferação de acordos bilaterais. É verdade que esses últimos são menos
eficientes do que um acordo multilateral e são menos vantajosos para
países com menor poder de barganha. Mas esse processo já vinha
ocorrendo, promovido justamente
pelos principais jogadores de Doha,
EUA e União Européia.
É intuitivo que a probabilidade de
um acordo multilateral se reduza à
medida que aumenta o número de
jogadores e seja maior o equilíbrio
entre eles. O formato das rodadas
pareceu adequado para o mundo liderado pelos Estados Unidos e caracterizado por elevadas tarifas de
importação e comércio de mercadorias tradicionais. Tal arranjo não parece mais conveniente para uma
economia mundial multipolar caracterizada pelos fluxos crescentes
de serviços, comércio eletrônico, comércio intrafirmas e barreiras não-tarifárias.
Cinco movimentos deverão ocorrer para imaginar uma negociação
multilateral bem-sucedida nas próximas décadas. Em primeiro lugar, a
OMC deverá assumir um papel de
organização multilateral propriamente dita com funcionamento regular, especialmente para a resolução de conflitos. Tal fórum deverá
ser complementado pela mediação e
pela arbitragem internacionais, que
já vêm adquirindo papel de crescente importância.
Em segundo lugar, a negociação
terá de deixar de ser episódica. Em
vez de "rodadas", deverá existir calendário habitual de negociação. Em
terceiro lugar, será necessário incorporar de forma mais orgânica as organizações não-governamentais,
muitas delas de caráter transnacional. A formação do consenso não pode mais ficar restrita às burocracias
estatais. O convencimento político
das grandes questões de propriedade intelectual e da biotecnologia
passa por um debate muito mais
amplo e pela mobilização da opinião
pública.
Em quarto lugar, será impossível
liberalizar o comércio sem esforço
simultâneo de harmonização das legislações nacionais. Tal processo,
por sua vez, deverá ocorrer de forma
voluntária, mas crescentemente articulada aos trabalhos da OMC. Por
fim, e mais importante, a formação
de coalizões pró-comércio vencedoras só ocorrerá com a "popularização do comércio" mediante o maior
acesso das empresas médias e pequenas e a maior mobilidade da força de trabalho pelas várias regiões
do mundo.
Doha ou uma rodada ampla com
outro nome deverá ocorrer nos próximos anos. Mas essa nova Doha terá de ser lançada (ou relançada) em
novas bases para ser viável. Terá de
ser mais ampla e menos estatal. O
Brasil tem um longo dever de casa a
fazer para esse novo, e ainda mais
complexo, jogo do comércio mundial.
GESNER OLIVEIRA , 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP,
presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e
ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br
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