São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Déficit zero, ou "quase"


Ao "admitir" mais contenção de gasto do governo, Mantega quase vaza discussão interna sobre déficit público zero

GUIDO MANTEGA deu a dica numa palestra ontem em São Paulo, mas nas internas do governo a conversa já vai um pouco mais longe: pretende-se propor um déficit "quase zero" a Lula. Quer dizer, o setor público brasileiro gastaria pouco mais do que arrecada, incluídas na conta dos gastos as despesas com juros. Quando? Para este ano, "não dá", mas a "marca histórica", ou "quase isso", ficaria "engatilhada" para 2009. Um outro integrante mais ponderado do governo dizia ontem, porém, que o projeto seria para 2010 e seria de "zero mesmo". Com eleição e tudo mais? "É."
Por que se passou do oito ao oitenta? Ainda não deu para entender bem qual a preocupação principal do ministro Mantega e cia., se o temor de uma campanha longa e violenta do Banco Central contra a inflação ou o risco de um déficit em conta corrente vertiginoso -ou ambas. A coisa fica ainda menos clara porque o ministro voltou ontem a atribuir a inflação brasileira à carestia dos alimentos e ao preço internacional de produtos básicos, altas que no entanto teriam chegado ao pico, segundo Mantega, com o que o IPCA murcharia. Mas o ministro e parte do Planalto parecem considerar que passou a haver interesse em poupar mais dinheiro dos impostos.
Dada a volubilidade do governo, não se sabe se o projeto do déficit "quase zero" vai se dissolver na névoa das inconstâncias econômicas lulianas (segundo gente do governo, a idéia seria "apresentada" a Lula em duas semanas). Mas, ainda que a intenção seja prestante e bem-vinda, zerar o déficit não é nada trivial.
Nos 12 meses encerrados em junho, o déficit nominal foi de 1,94% do PIB. Isto é, governo federal, Estados, cidades e estatais gastaram 1,94% do PIB, cerca de R$ 53 bilhões, além do que arrecadaram, incluída a despesa com juros. É mais que toda a despesa federal com a saúde. A fim de zerar o déficit nominal em dois anos, com "tudo o mais constante" e com a graça dos céus, seria preciso que o setor público fizesse superávit primário acima de 5% do PIB neste ano e no que vem.
É difícil. A poupança extra viria toda do governo federal. Governadores presidenciáveis ou na bica de uma reeleição não fariam (nem têm muito como) economias na metade final do mandato. Sangrar as estatais (entenda-se Petrobras) não faria muito sentido. A arrecadação de impostos tenderia a periclitar, pois a economia andaria bem mais devagar com uma taxa de juros rondando os 14% em 2009 e com o arrocho fiscal do "déficit quase zero".
Seria espírito de porco desdenhar mesmo desse projeto incipiente de intenções de talvez baixar o déficit nominal a quase zero, pois faz anos que o gasto do governo está no pelourinho de quase toda a crítica econômica. O governo até que já se rendeu em parte à idéia de gastar menos, pois havia aumentado a meta de superávit primário de 3,8% para 4,3% (na verdade, o superávit adicional foi um almoço grátis, cortesia do excesso extravagante de arrecadação). Mas o déficit "quase zero" não combina muito com os aumentos permanentes de despesa projetados para os próximos anos. Ainda assim, se vingar a idéia de um superávit de fato, vai ser enfim difícil alguém fazer troça da arenga luliana do "nunca antes neste país...".

vinit@uol.com.br


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