São Paulo, quarta-feira, 05 de agosto de 2009

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

A conta da gastança


Provavelmente o que se observa no mercado de juros é a reação à deterioração da qualidade da política fiscal


QUANDO FALAMOS em taxas de juros no Brasil tipicamente pensamos na taxa Selic, cuja meta é determinada nas reuniões do Copom, mas, a bem da verdade, a Selic é apenas a taxa que remunera as aplicações de curtíssimo prazo. Há várias outras taxas, remunerando aplicações de prazos que vão de poucos meses a alguns anos, cuja expressão gráfica é conhecida como "curva de juros". A chamada "inclinação da curva" é a diferença entre as taxas de juros longas e as curtas.
Um dado interessante da curva de juros é que sua inclinação, depois de longo período próxima a zero (ou negativa), tornou-se fortemente positiva. Os futuros de juros com vencimento no começo de 2011 mostram taxas superiores às que vencem no começo de 2010, e o mesmo ocorre no que se refere aos futuros de 2012 relativamente aos de 2011. Além disso, essa inclinação tem se mostrado crescente, mesmo para os segmentos mais distantes da curva. O que explica isso?
Para responder a essa pergunta, necessitamos entender como se determina a taxa longa de juros, em oposição à taxa curta, tipicamente fixada pelo BC. Simplificando o raciocínio, imagine que haja apenas duas alternativas de investimento na economia: por um período (renovável para o período seguinte), ou por dois períodos diretamente, de modo que, nesse mundo imaginário, haja também duas taxas de juros, uma "curta" e outra "longa".
Suponha ademais que a investidora saiba, com certeza, a taxa curta que vigorará no primeiro período (10%), bem como no segundo (5%). Assim, caso ela aplique por um período e renove no seguinte, obterá um rendimento total de 15,5%. Isso dito, ela não aplicará por dois períodos, a menos que obtenha o mesmo rendimento ao final, equivalente a uma taxa anual de 7,5% ao ano por dois períodos. Vale dizer, num mundo de certeza, a taxa longa (7,5%) nada mais é que a média das taxas curtas (10% e 5%).
É claro que no mundo real há vários períodos e não sabemos as taxas curtas para cada um deles, mas o raciocínio ainda segue válido: a taxa longa será a média da taxa curta hoje e das expectativas acerca das taxas curtas que prevalecerão nos períodos à frente (devidamente acrescidas de algum prêmio de risco).
Assim, interpretamos a inclinação positiva da curva de juros como sinal de expectativas de aumentos da taxa Selic. Já a maior inclinação observada de meados do segundo trimestre para cá sugere que o mercado tem reavaliado para cima o tamanho do aperto monetário futuro. Ambos os desenvolvimentos parecem resultar de sinais de recuperação da economia, mais nítidos à medida que o tempo passa. No entanto, parece haver algo mais.
Com efeito, fosse apenas a recuperação mais vigorosa da economia, o aumento da inclinação da curva tenderia a se limitar a seus segmentos mais próximos, antecipando a reação do BC. Todavia, o aumento da inclinação dos segmentos mais longos da curva (particularmente num bom momento do mercado internacional) parece sugerir que o BC terá que reagir ainda mais do que se imaginava, e por um período mais longo.
Muito provavelmente o que observamos agora no mercado de juros é a reação à deterioração da qualidade da política fiscal. Fica claro que, a despeito da retórica da ação anticíclica, a política fiscal terá efeitos persistentes, por estar associada à expansão do gasto corrente. O maior impulso fiscal terá que ser compensado do lado monetário, e quem acha que essa preocupação é só "ladainha" de um "discurso surrado" ainda não percebeu que a conta da gastança já começou a ser paga pelo Tesouro Nacional.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 46, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com


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