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OPINIÃO ECONÔMICA
Lula e seus dois governos
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O governo Lula tem mostrado uma capacidade extraordinária de adaptação às
condições objetivas de governabilidade de um Brasil complexo e
cheio de problemas. A cada dia
que passa, antigos dogmas do petismo histórico são abandonados
sob o impacto do choque de sua
ideologia com a dura realidade
do dia-a-dia do poder.
Da mesma forma, caem, como
castelos de cartas, críticas de natureza supostamente moral que
os petistas faziam, durante os
anos de oposição, aos chamados
"partidos políticos de origem burguesa", especialmente aos tucanos de FHC. Em apenas oito meses de governo, o PT ficou igual
aos outros que compõem o universo partidário! Quem ainda
tem alguma dúvida em relação a
isso que acompanhe em detalhes
as negociações para a aprovação
da reforma tributária na Câmara
de Deputados.
A prática econômica do governo Lula também mostra essa surpreendente mudança em relação
ao PT que pensávamos existir.
Com o passar do tempo -e dadas as vitórias obtidas aos olhos
do mercado-, a política econômica do ministro Palocci vai se
consolidando. Os bolsões de resistência existentes perdem força na
relação com o núcleo duro do governo e serão certamente afastados cada vez mais dos centros de
decisão.
Um dos exemplos mais marcantes desses bolsões tem sido o
BNDES. Dado como prêmio de
consolação aos economistas históricos do partido, esse extraordinário banco de desenvolvimento
-um dos maiores do mundo em
capacidade de financiamento-
segue em clara rota de colisão
com a equipe do ministro Palocci.
É hoje presidido por Carlos Lessa,
um economista que segue a ultrapassada escola econômica chamada de "pós-keynesiana", que
tem na Universidade Federal do
Rio de Janeiro e no Instituto de
Economia da Unicamp seus representantes no Brasil. A professora Maria da Conceição Tavares
e o economista Celso Furtado são
seus ícones maiores.
Lessa tem como homem forte de
sua diretoria um funcionário de
carreira que esteve afastado, durante mais de uma década, da
instituição, servindo na Escola
Superior de Guerra. Este levou
para o banco as propostas e os valores desenvolvidos nesse órgão
durante o regime militar. Acompanham-no, ainda, dois coronéis
ligados aos antigos órgãos de segurança, que implantaram um
verdadeiro clima de terror dentro
da instituição.
Sem experiência bancária e administrativa, mas com um vigor
ideológico extraordinário, Lessa e
seu homem forte estão procurando inverter os marcos operacionais do banco, desenvolvidos ao
longo de mais de uma década.
Até obrigaram os funcionários
mais novos, a maioria com mestrado e doutorado em economia,
a fazer na UFRJ uma "reciclagem" de seu pensamento econômico...
O BNDES é, hoje, com o Ministério de Minas e Energia e a Eletrobrás, o instrumento que esse
grupo dissidente utiliza para tentar dar curso ao velho programa
do PT. Alguns de seus marcos
operacionais são a reestatização e
a implementação de um sistema
soviético de regulação do setor
elétrico, a restrição a empréstimos
do banco a empresas nacionais de
controle de capital estrangeiro e a
utilização de empréstimos em
países do Mercosul como instrumento de hegemonia geopolítica.
Para enfrentar o que pensam
ser uma nova ameaça privatista
nas áreas de serviços públicos, estão procurando, no setor elétrico,
o cadáver de uma empresa privada para chocar e ganhar a opinião pública. Escolheram a Eletropaulo, a maior distribuidora
de energia elétrica da América
Latina, como seu alvo inicial e
prioritário. Aproveitando-se das
dificuldades financeiras desse setor, criadas pelo "apagão" de
2001, e do colapso de sua controladora nos EUA, estão sufocando
a empresa para que o governo retome sua concessão. Nessa guerra
santa, pouco contam os riscos que
um eventual colapso da empresa
possa gerar na economia de São
Paulo e do país.
Espero que o governo perceba
rapidamente que o setor elétrico
vive hoje uma crise profunda, que
a postura revanchista desses retrógrados só faz agravar. Em vez
de correr atrás de fantasmas inexistentes na tentativa de promover um acerto de contas com
quem pensa de forma diferente, o
comando do BNDES e os técnicos
ligados ao Ministério de Minas e
Energia deveriam estar buscando
soluções realistas para resolver esse que é um dos grandes limitadores estruturais de uma retomada
vigorosa do crescimento econômico sustentado.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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