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São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Lula e seus dois governos

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O governo Lula tem mostrado uma capacidade extraordinária de adaptação às condições objetivas de governabilidade de um Brasil complexo e cheio de problemas. A cada dia que passa, antigos dogmas do petismo histórico são abandonados sob o impacto do choque de sua ideologia com a dura realidade do dia-a-dia do poder.
Da mesma forma, caem, como castelos de cartas, críticas de natureza supostamente moral que os petistas faziam, durante os anos de oposição, aos chamados "partidos políticos de origem burguesa", especialmente aos tucanos de FHC. Em apenas oito meses de governo, o PT ficou igual aos outros que compõem o universo partidário! Quem ainda tem alguma dúvida em relação a isso que acompanhe em detalhes as negociações para a aprovação da reforma tributária na Câmara de Deputados.
A prática econômica do governo Lula também mostra essa surpreendente mudança em relação ao PT que pensávamos existir. Com o passar do tempo -e dadas as vitórias obtidas aos olhos do mercado-, a política econômica do ministro Palocci vai se consolidando. Os bolsões de resistência existentes perdem força na relação com o núcleo duro do governo e serão certamente afastados cada vez mais dos centros de decisão.
Um dos exemplos mais marcantes desses bolsões tem sido o BNDES. Dado como prêmio de consolação aos economistas históricos do partido, esse extraordinário banco de desenvolvimento -um dos maiores do mundo em capacidade de financiamento- segue em clara rota de colisão com a equipe do ministro Palocci. É hoje presidido por Carlos Lessa, um economista que segue a ultrapassada escola econômica chamada de "pós-keynesiana", que tem na Universidade Federal do Rio de Janeiro e no Instituto de Economia da Unicamp seus representantes no Brasil. A professora Maria da Conceição Tavares e o economista Celso Furtado são seus ícones maiores.
Lessa tem como homem forte de sua diretoria um funcionário de carreira que esteve afastado, durante mais de uma década, da instituição, servindo na Escola Superior de Guerra. Este levou para o banco as propostas e os valores desenvolvidos nesse órgão durante o regime militar. Acompanham-no, ainda, dois coronéis ligados aos antigos órgãos de segurança, que implantaram um verdadeiro clima de terror dentro da instituição.
Sem experiência bancária e administrativa, mas com um vigor ideológico extraordinário, Lessa e seu homem forte estão procurando inverter os marcos operacionais do banco, desenvolvidos ao longo de mais de uma década. Até obrigaram os funcionários mais novos, a maioria com mestrado e doutorado em economia, a fazer na UFRJ uma "reciclagem" de seu pensamento econômico...
O BNDES é, hoje, com o Ministério de Minas e Energia e a Eletrobrás, o instrumento que esse grupo dissidente utiliza para tentar dar curso ao velho programa do PT. Alguns de seus marcos operacionais são a reestatização e a implementação de um sistema soviético de regulação do setor elétrico, a restrição a empréstimos do banco a empresas nacionais de controle de capital estrangeiro e a utilização de empréstimos em países do Mercosul como instrumento de hegemonia geopolítica.
Para enfrentar o que pensam ser uma nova ameaça privatista nas áreas de serviços públicos, estão procurando, no setor elétrico, o cadáver de uma empresa privada para chocar e ganhar a opinião pública. Escolheram a Eletropaulo, a maior distribuidora de energia elétrica da América Latina, como seu alvo inicial e prioritário. Aproveitando-se das dificuldades financeiras desse setor, criadas pelo "apagão" de 2001, e do colapso de sua controladora nos EUA, estão sufocando a empresa para que o governo retome sua concessão. Nessa guerra santa, pouco contam os riscos que um eventual colapso da empresa possa gerar na economia de São Paulo e do país.
Espero que o governo perceba rapidamente que o setor elétrico vive hoje uma crise profunda, que a postura revanchista desses retrógrados só faz agravar. Em vez de correr atrás de fantasmas inexistentes na tentativa de promover um acerto de contas com quem pensa de forma diferente, o comando do BNDES e os técnicos ligados ao Ministério de Minas e Energia deveriam estar buscando soluções realistas para resolver esse que é um dos grandes limitadores estruturais de uma retomada vigorosa do crescimento econômico sustentado.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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