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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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Calçado nacional perde mercado para o chinês

DA REPORTAGEM LOCAL

A história dos brasileiros que migraram para a China em busca de trabalho é o lado humano do processo econômico de perda de competitividade e de mercado dos sapatos de couro nacionais para os asiáticos. "Quem ensinou o chinês a fazer calçado feminino para exportação foram os brasileiros", diz Arnaldo José Frizzo Filho, diretor-superintendente do grupo Braspelco, um dos maiores exportadores de couro do Brasil.
Segundo Frizzo, o país regrediu nesse setor na última década: passou a exportar mais matéria-prima e menos produtos manufaturados, que têm maior valor agregado e custam mais. E um dos destinos das exportações de matéria-prima é justamente a China.
Ou seja, além de fornecer especialistas no ramo, o Brasil vende o couro para a fabricação de sapatos que depois vão competir no exterior com os produzidos aqui.
"Estamos praticando a antipolítica industrial, transferindo insumo, tecnologia e treinamento para a China, que é nosso concorrente", observa Fábio Silveira, da consultoria MB Associados.
Estudo realizado por Frizzo indica que, em 1985, o Brasil exportava 113,2 milhões de pares de sapatos para os EUA, o maior mercado mundial. No mesmo ano, a China vendeu 20,8 milhões de pares aos norte-americanos. Cinco anos depois, os chineses já exportavam mais que o dobro dos brasileiros. Em 2001, a diferença foi de 94,9 milhões de pares do Brasil e 1,1 bilhão de pares da China.
Segundo Frizzo, as vendas de couro e produtos manufaturados de couro pela China somam US$ 11,5 bilhões enquanto as brasileiras estão em US$ 2,5 bilhões.
Além de diminuir o volume de calçados, aumentou a quantidade de couro não-manufaturado exportado pelo Brasil. Frizzo diz que as exportações do setor já eram de US$ 2,5 bilhões em 1993. A diferença é que, na época, as vendas de couro representavam US$ 600 milhões do total. O restante era de produtos acabados. Agora, as exportações de couro são de US$ 1 bilhão. "Regredimos na agregação de valor", sustenta Frizzo.
O gaúcho Celso Luiz Kiefer, 50, acompanhou de perto a expansão e a crise da indústria calçadista brasileira. Começou a trabalhar no setor em 1972, em Novo Hamburgo (RS), quando era estudante universitário. Três anos depois, ocupava um cargo de direção na filial brasileira da Michel Meynard, uma das principais fabricantes mundiais de sapatos.
Saiu do Brasil em 1988 para trabalhar na mesma empresa nos EUA. O Brasil era a principal base de operação internacional da Michel Meynard, como de todas as outras grandes fabricantes de sapatos. As companhias definiam suas coleções e as produziam nas indústrias do sul para posterior exportação. Na transição dos anos 80 para os 90 o Brasil perdeu esse lugar para a China.
Depois de trabalhar no projeto de implantação da Michel Meynard na China, Kiefer pediu para ser transferido para o país em 1994. Foi com a mulher, Clara Bohrer, e o filho, Arno Bohrer Kiefer, que tinha um ano e oito meses. "Pão branco era um luxo e massa de tomate, uma raridade", lembra Kiefer. Acabou ficando até 2002, quando voltou aos EUA.
Eduardo Richter, que tem uma empresa de exportação de couro, diz que a China começou a desenvolver esse mercado há 15 anos. Desde que o processo teve início, Richter viaja ao país asiático a cada três meses. "Os brasileiros que trabalham lá estariam em uma situação muito mais difícil se estivessem aqui", afirma o gaúcho, que vive em Novo Hamburgo.
Os brasileiros que estão na China hoje afirmam que houve alterações na legislação trabalhista e que há limites um pouco mais estritos para a jornada de trabalho, apesar de ser comum o trabalho aos sábados, por exemplo.
A agência de empregos Vision, de Novo Hamburgo, estima que de 4 a 5 brasileiros saiam todos os meses do Vale dos Sinos para trabalhar na China. Segundo o dono da Vision, Luiz Mário Leuck, o número de emigrantes subiu nos últimos dois anos.
Ao mesmo tempo, diminuíram os salários oferecidos. Leuck diz que no início dos anos 90 os salários variavam de US$ 3.000 a US$ 10 mil. Hoje, a faixa é de US$ 1.500 a US$ 5.000, avalia. (CT)


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