São Paulo, quinta-feira, 05 de novembro de 2009

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Preparando uma nova crise?


Liquidez abundante, políticas monetárias ultraexpansivas e juros baixos estão estimulando a formação de novas bolhas

A RECUPERAÇÃO da economia mundial está em pleno andamento, inclusive nos países desenvolvidos onde a crise começou. Uma certa comemoração é compreensível. Afinal, estivemos bastante próximos de uma segunda Grande Depressão. Sem a intervenção maciça dos governos e bancos centrais -nos campos fiscal, monetário e financeiro-, uma depressão teria provavelmente ocorrido. A recuperação em curso não é um fenômeno espontâneo, mas o resultado da ação do Estado para estimular as economias e evitar a desintegração do sistema financeiro.
Mas a comemoração tem de ser comedida. Não só porque a recuperação é incipiente mas porque políticas adotadas para combater a crise deixaram um legado muito problemático. Como se sabe, as políticas fiscais antirrecessivas, o socorro ao sistema financeiro e a própria recessão levaram a um aumento drástico da dívida pública nos países desenvolvidos. Esse aumento se adiciona aos problemas de natureza estrutural, anteriores à crise, em especial o custo em termos de previdência e saúde decorrentes ao envelhecimento das populações desses países.
Isso significa que, caso haja uma recaída na recessão, os governos do mundo desenvolvido não terão margem de manobra para uma nova rodada de políticas fiscais anticíclicas. A munição fiscal foi gasta no enfrentamento da crise de 2008-2009.
Existe risco de recaída? Sem dúvida. Uma possibilidade que não pode ser descartada: uma nova fase de turbulência nos mercados financeiros. Os governos dos países desenvolvidos não conseguiram ainda implementar reformas convincentes na área financeira. Medidas foram tomadas; planos, anunciados; reformas, prometidas. Mas ainda não temos segurança de que a regulação e a supervisão tenham sido suficientemente fortalecidas. Portanto, o sistema financeiro pode ser fonte de novas ondas de instabilidade.
Em certo sentido, a insegurança pode ter aumentado. Algumas providências adotadas para fazer face à instabilidade e à recessão contribuem para aumentar o risco de novas crises. Por exemplo: políticas monetárias ultraexpansivas, liquidez abundante e taxas de juro moderadas (ou até negativas em termos reais) estão estimulando a formação de novas bolhas especulativas nos mercados de ativos (inclusive em países emergentes como o Brasil).
Outro exemplo: a crise desencadeou maior concentração dos sistemas financeiros. Em diversos segmentos do mercado, sobraram algumas poucas empresas gigantescas -grandes demais para falir e, em alguns países, grandes demais para serem salvas (caso de países pequenos ou médios que sediam grandes conglomerados financeiros).
A percepção generalizada, confirmada e reforçada pela crise recente, é a seguinte: o Estado não está em condições de permitir a quebra de bancos e outras empresas financeiras de grande porte. Essa percepção tende a estimular comportamentos de risco nas grandes instituições privadas. Se der certo, o lucro é privado.
Se der errado, o contribuinte fica com a conta. Os governos estão tentando amenizar esses problemas, mas a solução não é nada fácil.
Países como o Brasil devem, portanto, tomar as suas precauções. É preciso manter políticas prudentes nos campos fiscal, monetário e financeiro, restringir a apreciação da moeda, controlar a entrada de capitais especulativos, evitar desequilíbrios expressivos nas contas externas correntes e continuar acumulando reservas. O Brasil atravessou bastante bem a crise de 2008-2009, mas não deve baixar a guarda.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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