São Paulo, terça-feira, 05 de dezembro de 2000

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OPINIÃO ECONÔMICA

Cara ou coroa

BENJAMIN STEINBRUCH

O professor John Allen Paulos, da Universidade de Temple, escreveu uma carta interessante ao "The New York Times". Matemático, ele sustentou a tese de que é impossível saber quem ganhou as eleições nos Estados Unidos.
Segundo Paulos, a votação na Flórida é essencialmente um empate. Medir a pequena diferença entre os dois candidatos, num universo de 6 milhões de votos, seria como medir o comprimento de duas bactérias com uma régua. Ou seja, o sistema eleitoral da Flórida seria incapaz de fazer aferições tão finas.
Nenhum tribunal, na opinião do matemático, poderá determinar com precisão quem venceu a disputa. Assim, jocosamente, ele fez uma sugestão: que a Presidência dos Estados Unidos seja decidida no cara ou coroa. Uma enorme moeda, com Bush numa face e Gore na outra, seria jogada do alto de um edifício de Tallahassee, a capital da Flórida. Para evitar um novo empate, a moeda teria a borda arredondada.
Apesar da sugestão jocosa, é importante observar que o matemático não estava brincando em sua carta. Ao contrário, falava sério sobre o obsoleto sistema eleitoral americano. Quase um mês após a votação, descobre-se que o sistema não permite a contagem precisa de votos. Um condado do país tecnologicamente mais adiantado do mundo não conseguiu apurar, em 20 dias, ainda que manualmente, o resultado exato de 400 mil votos.
Na confusão da apuração americana, o próprio "The New York Times", até com certa ironia, em editorial, fez o seguinte comentário: "Pena que a eleição na Flórida não foi feita com urnas brasileiras".
Esse episódio deveria servir para aumentar a auto-estima brasileira. O Brasil acabou de eleger prefeitos e vereadores, sem nenhuma contestação, em 5.559 municípios. Em todos, inclusive aqueles situados no meio da floresta amazônica, alguns sem luz elétrica, foi usada a urna eletrônica.
Essa caixinha pequena e portátil foi desenvolvida por quatro engenheiros da Procomp, empresa brasileira que hoje tem capital majoritariamente americano. Talvez por timidez, até o momento em que aconteceu o desastre da apuração americana, ninguém havia se lembrado de oferecer a outros países o sistema desenvolvido no Brasil.
Não podemos, é claro, ter a pretensão de dar lições de democracia aos americanos. Estamos muito longe disso. Mas o caso das urnas eletrônicas nos faz lembrar que, em matéria de competição econômica, não há espaço para timidez. Precisamos aprender a ser agressivos no apoio e na divulgação dos negócios de setores nos quais o Brasil é competitivo. Se já produzimos urnas eletrônicas reconhecidas pelos americanos, o que não dizer de setores como siderurgia, mineração, celulose, alumínio, têxtil, calçados e agrobusiness, nos quais somos tradicionalmente competitivos?
Devemos incrementar o apoio creditício a esses setores competitivos brasileiros. Eles são geradores de riqueza para o país. Para aumentar sua competência, precisam ser estimulados a desenvolver operações globais e não a vender ativos ao capital estrangeiro, como tem acontecido. Por um raciocínio imediatista, a venda desses empreendimentos para investidores internacionais seria uma boa opção, por causa da entrada de capitais. Mas devemos pensar a longo prazo, porque esses setores nacionais podem se transformar em grandes geradores de divisas e emprego, com foco nas exportações.
O fiasco da apuração americana demonstra que não podemos ter vergonha de propalar nossos valores. Muitas de nossas empresas têm demonstrado competência profissional e tecnológica. Precisam agora olhar para o futuro, internacionalizar sua produção e comercialização, vender suas idéias e produtos. A discussão não deve ser sobre a venda de ativos no mercado brasileiro e sim sobre a compra de concorrentes lá fora. Empresas eficientes e bem administradas encontram facilmente financiamento de capital para fazer aquisições ou negociar parcerias no exterior. Só é preciso ousar.
PS.: Na semana passada, o governador da Pensilvânia, Tom Ridge, esteve no Brasil em missão comercial. Naquele Estado americano estão as siderúrgicas mais obsoletas dos EUA, que sustentam o lobby contra a entrada de aço brasileiro, e que precisam de atualização tecnológica. Ridge veio oferecer parcerias. Sintomaticamente, visitou a Vale do Rio Doce.

Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente dos conselhos de administração da Valepar e da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail: bvictoria@psi.com.br



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