São Paulo, quinta-feira, 05 de dezembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Nem Allende nem De la Rúa

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O chileno Salvador Allende e o argentino Fernando de la Rúa têm alguns pontos em comum: chegaram à Presidência da República pelo voto, em eleições livres e com promessas de mudança. Nenhum dos dois terminou o mandato para o qual haviam sido eleitos.
A grande diferença, evidentemente, é que Allende tentou uma transformação radical: a implantação do socialismo pela via democrática. De la Rúa, embora candidato de oposição, quis manter o modelo econômico liberal herdado do governo Carlos Menem.
O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que visitou a Argentina e o Chile nesta semana, quer evitar esses dois extremos. Isso ficou claro durante a campanha eleitoral. Para o PT, o socialismo passou a ser um emblema vago, uma espécie de referência meramente teórica: não se cogita retomar a tentativa de Allende. Por outro lado, também está descartado o continuísmo "à la" De la Rúa, que representaria naturalmente um gigantesco estelionato eleitoral.
Nos seus primeiros discursos no exterior, em Buenos Aires e Santiago, o presidente eleito continuou a dar uma no cravo e outra na ferradura. Reiterou a sua disposição de preservar a estabilidade econômica e de honrar contratos. Mas reafirmou, também, o seu "compromisso fundamental" com os pobres e os excluídos. Criticou o "voluntarismo ingênuo, que desconhece a existência de constrangimentos internacionais". Mas prometeu transitar para um "novo modelo de desenvolvimento", cujo pressuposto é a redução da "vulnerabilidade externa da economia brasileira".
Em Santiago, numa passagem muito citada pela imprensa, Lula afirmou: "Não haverá pleno exercício da soberania popular, se não tivermos a capacidade de controlar as principais decisões econômicas".
É disso que se trata: honrar a decisão do eleitorado, recuperar a autonomia do país e orientar a política econômica para a defesa dos interesses brasileiros. O Brasil vem sendo governado, em grande medida, de fora para dentro -em benefício de interesses estrangeiros e de minorias domésticas que mantêm relações privilegiadas com os esquemas internacionais de poder. Como seria de esperar, essa situação não produziu resultados para o país no seu conjunto. Foi, por isso mesmo, rejeitada pelas urnas.
O risco de que o governo Lula tome o rumo da mudança radical, à moda de Allende, é muito pequeno, para não dizer inexistente. O risco maior é o de que as forças derrotadas na eleição, aproveitando-se das vulnerabilidades econômicas do país e das fragilidades do novo governo, consigam obstruir as mudanças desejadas pelos brasileiros.
De uma maneira geral, o brasileiro é paciente e moderado. Dará um crédito de confiança ao governo Lula.
Mas que os defensores da continuidade não se iludam. A paciência tem limites. O brasileiro não quer mais ser caudatário de ninguém. E não aceitará continuar na situação de dependência bem caracterizada pelo presidente eleito, em Buenos Aires: "(...) Acabamos por ficar dependentes dos fluxos financeiros internacionais e com isso diminuiu a capacidade de tomarmos decisões soberanas. Ficamos à mercê de especuladores que, muitas vezes, nem sabem direito onde os nossos países estão situados. A mensagem que recebi do meu povo no dia 27 de outubro é que esse período negativo tem que ficar para trás. Devemos retomar o controle de nosso destino. Devemos, nós mesmos, construir o nosso futuro".
Assim seja.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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