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OPINIÃO ECONÔMICA
Nem Allende nem De la Rúa
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O chileno Salvador Allende
e o argentino Fernando de la
Rúa têm alguns pontos em comum: chegaram à Presidência da
República pelo voto, em eleições
livres e com promessas de mudança. Nenhum dos dois terminou o mandato para o qual haviam sido eleitos.
A grande diferença, evidentemente, é que Allende tentou uma
transformação radical: a implantação do socialismo pela via democrática. De la Rúa, embora
candidato de oposição, quis manter o modelo econômico liberal
herdado do governo Carlos Menem.
O presidente eleito do Brasil,
Luiz Inácio Lula da Silva, que visitou a Argentina e o Chile nesta
semana, quer evitar esses dois extremos. Isso ficou claro durante a
campanha eleitoral. Para o PT, o
socialismo passou a ser um emblema vago, uma espécie de referência meramente teórica: não se
cogita retomar a tentativa de
Allende. Por outro lado, também
está descartado o continuísmo "à
la" De la Rúa, que representaria
naturalmente um gigantesco estelionato eleitoral.
Nos seus primeiros discursos no
exterior, em Buenos Aires e Santiago, o presidente eleito continuou a dar uma no cravo e outra
na ferradura. Reiterou a sua disposição de preservar a estabilidade econômica e de honrar contratos. Mas reafirmou, também, o
seu "compromisso fundamental"
com os pobres e os excluídos. Criticou o "voluntarismo ingênuo,
que desconhece a existência de
constrangimentos internacionais". Mas prometeu transitar
para um "novo modelo de desenvolvimento", cujo pressuposto é a
redução da "vulnerabilidade externa da economia brasileira".
Em Santiago, numa passagem
muito citada pela imprensa, Lula
afirmou: "Não haverá pleno exercício da soberania popular, se não
tivermos a capacidade de controlar as principais decisões econômicas".
É disso que se trata: honrar a
decisão do eleitorado, recuperar a
autonomia do país e orientar a
política econômica para a defesa
dos interesses brasileiros. O Brasil
vem sendo governado, em grande
medida, de fora para dentro
-em benefício de interesses estrangeiros e de minorias domésticas que mantêm relações privilegiadas com os esquemas internacionais de poder. Como seria de
esperar, essa situação não produziu resultados para o país no seu
conjunto. Foi, por isso mesmo, rejeitada pelas urnas.
O risco de que o governo Lula
tome o rumo da mudança radical, à moda de Allende, é muito
pequeno, para não dizer inexistente. O risco maior é o de que as
forças derrotadas na eleição,
aproveitando-se das vulnerabilidades econômicas do país e das
fragilidades do novo governo,
consigam obstruir as mudanças
desejadas pelos brasileiros.
De uma maneira geral, o brasileiro é paciente e moderado. Dará
um crédito de confiança ao governo Lula.
Mas que os defensores da continuidade não se iludam. A paciência tem limites. O brasileiro não
quer mais ser caudatário de ninguém. E não aceitará continuar
na situação de dependência bem
caracterizada pelo presidente
eleito, em Buenos Aires: "(...) Acabamos por ficar dependentes dos
fluxos financeiros internacionais
e com isso diminuiu a capacidade
de tomarmos decisões soberanas.
Ficamos à mercê de especuladores que, muitas vezes, nem sabem
direito onde os nossos países estão
situados. A mensagem que recebi
do meu povo no dia 27 de outubro
é que esse período negativo tem
que ficar para trás. Devemos retomar o controle de nosso destino.
Devemos, nós mesmos, construir
o nosso futuro".
Assim seja.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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