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São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Entre o otimismo e o realismo

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Com a estabilização do cenário econômico, a atenção da opinião pública volta-se para a questão do crescimento. Será que, finalmente, depois de inúmeros momentos de esperanças não concretizadas, podemos aspirar um período de crescimento sustentado? Essa pergunta angustiada está presente com frequência na imprensa nestes últimos dias.
Para os otimistas, dentro e fora do governo, a resposta é claramente afirmativa. Para fundamentar essa posição, citam, como indicadores de um paraíso próximo, a estabilidade da taxa de câmbio, a queda vertiginosa do chamado risco Brasil, a redução dos juros Selic e as últimas estatísticas de uma produção industrial em crescimento.
Reforçam sua posição lembrando o compromisso do governo com o superávit primário de 4,25% do PIB, a reforma da Previdência e as projeções otimistas com relação à balança comercial em 2004. Chegam finalmente a um quase estado de êxtase quando apontam para o compromisso com um liberalismo sem qualificações que o ministro Palocci e sua equipe reafirmam a todo instante.
Os que defendem uma certa cautela em relação ao futuro dizem que os otimistas não levam em conta certas questões que ainda estão presentes no cenário econômico brasileiro. Entre os principais obstáculos à volta do crescimento estão os juros elevados cobrados pelos bancos em suas operações de crédito, a existência de uma carga tributária excessiva e desigual, a fragilidade de nossas reservas, em vista dos desequilíbrios de nossa conta corrente externa, e as limitações de nossa infra-estrutura econômica.
Na longa lista de obstáculos, para que a visão otimista prevaleça, lembram ainda que os ganhos obtidos neste último ano estão influenciados por uma situação externa atípica, que deve ser invertida ao longo de 2004. A liquidez internacional provocada pela ação de vários bancos centrais nos mercados de câmbio e juros gerou a migração de volumes de recursos expressivos para economias emergentes como o Brasil. Com a normalização dos juros, nas principais economias do mundo, esse fluxo de capitais vai voltar a seu leito anterior.
Um outro argumento a favor de uma visão mais cautelosa sobre o futuro deriva de uma rápida lembrança sobre o que ocorreu no período 1997/1998 e 2000/ 2001. Nestes dois momentos de nossa história recente, também vivemos um período de otimismo extremado, que foi seguido por tempos de crise e desilusão. Essa ciclotimia em relação ao Brasil acontece porque os mercados financeiros internacionais não conseguem entender as reais limitações, de natureza microeconômica, que existem em nosso sistema produtivo.
O descompasso entre indicadores macroeconômicos e as limitações operacionais de um sistema produtivo ineficiente ocorre com frequência no mundo de hoje. Ele aparece porque as dificuldades associadas à definição e à execução de uma política macroeconômica eficiente são infinitamente menores do que as necessárias para realizar a reforma estrutural de uma economia em desenvolvimento.
Por outro lado, a facilidade para um país se endividar em momentos de euforia ou de juros muito baixos esconde essa limitação e permite a ocorrência de espasmos de crescimento, ou, como gosto de chamar, do vôo da galinha.
Minha opinião é que estamos vivendo hoje a repetição do ocorrido nos períodos de 1997/1998 e 2000/2001. O otimismo gerado pela política macroeconômica do governo Lula está fazendo os mercados minimizarem problemas graves que estão presentes na nossa economia. Alguns desses gargalos já existiam antes da posse do governo do PT; outros foram criados em razão da existência de uma agenda típica de esquerda em setores críticos como os da regulação da concessão de serviços públicos e da operação das licenças ambientais.
Os mercados têm reagido como se apenas o governo Palocci existisse, não levando a sério a força do setor histórico do PT no comando de áreas importantes. Eu não acredito na conversão à economia de mercado da ministra de Minas e Energia e de sua equipe de estatistas convictos. Da mesma forma, não vejo como caminhar na direção de uma economia de mercado eficiente quando o governo coloca na ANP (Agência Nacional do Petróleo) um ex-deputado comunista histórico e sincero defensor da Petrobras como empresa monopolista e na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) um militante do pensamento da Telebrás estatal.
Mas o mercado, quando resolve cavalgar o corcel do otimismo, não tem olhos para essas questões. Somente ao meio de uma crise é que esse outro lado do governo será considerado.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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