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VINICIUS TORRES FREIRE
Era uma vez um mercado...
Secretário do Tesouro dos
EUA organiza um "plano de salvação" do mercado imobiliário que rifa contratos
AS CRISES financeiras suscitam
um pouco de "Schadenfreude", a alegria com a desgraça
alheia. É o escárnio provocado pelo
espetáculo de fantasias rasgadas por
quem, nos tempos bons, defende o
odor de santidade de mercados e de
contratos e, nos tempos bicudos, joga no lixo o fundamentalismo liberalóide a fim de salvar seus fundos.
Sim, trata-se da relativa desgraça de
bancos e cia. envolvidos na crise financeira euro-americana. Só não dá
para rir mais porque o lixo transborda e envolve quem não tem nada a
ver com o pato -os patos.
São dias divertidos. Chineses e
árabes compram e comem pelas
bordas grandes instituições financeiras dos EUA. Um publicista liberal como Martin Wolf, do "Financial
Times", diz que bancos são, em tese,
subsidiados e que, se não se comportam, devem ser estritamente regulados e controlados pelo Estado.
Agora, o secretário do Tesouro dos EUA,
o ultraliberal Henry Paulson, articula com bancos um plano que, em última análise, rifa contratos.
O plano da "Coalizão Esperança
Agora" é congelar os juros de parte
dos financiamentos imobiliários
com taxas reajustáveis. No ano que
vem, cerca de 1,4 milhão de financiamentos para clientes de segunda linha ("subprime") serão reajustados.
Paulson e cia. querem evitar mais
calotes e arrestos de casas.
Mais calotes reduziriam ainda
mais o preço dos títulos lastreados
em hipotecas, tornando ainda mais
podres os balanços de instituições
financeiras. Mais arrestos aumentariam o estoque de casas sem mercado, derrubando ainda mais os preços dos imóveis, o patrimônio dos
americanos, seu ânimo de consumir
etc. O plano comeria o dinheiro de
quem investiu nos títulos cujo valor
depende de pagamentos de hipotecas, derivativos de crédito. É uma
quebra de contratos organizada.
O plano prevê ainda que o Congresso permita que Estados e municípios emitam mais títulos de dívida,
com isenção fiscal, a fim de ajudar o
refinanciamento de imóveis. É a segunda iniciativa de Paulson com o
objetivo de tapar rombos de bancos
e empurrar a crise com a barriga.
Enquanto isso, os ares das finanças ficam cada vez mais mefíticos.
Um estudo encomendado pelo
"Wall Street Journal" mostra que financeiras e bancos empurraram financiamentos caros, "subprime"
mesmo para muita gente que tinha
condição de obter dinheiro mais barato. Descobriu-se que o fundo estadual da Flórida sofre uma corrida,
pois perde bilhões com investimentos em derivativos de crédito imobiliário. O fundo supervisiona investimentos de cidades, escolas e de previdência de servidores. Pode haver
mais fundos de pensão avariados.
A previsão de lucro de Wall Street
sofreu ontem nova rodada de degradação. Para a média dos analistas, o
lucro do setor financeiro deve cair
31% no quarto trimestre de 2007
(contra 2006). Para o Deutsche
Bank, novembro será o pior mês, em
anos, do mercado de renda fixa.
O problema do calote "subprime"
era, em si, pequeno. Mas os bancos
tomaram muito dinheiro emprestado para comprar títulos com renda
derivada de hipotecas. Quando mais
gente passou a recusar a renovação
desses empréstimos, a pirâmide de
cartas desabou. Quem vai pagar a
conta da hipocrisia liberalóide?
vinit@uol.com.br
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