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Setores aquecidos e em crise "dividem" economia americana
EDUARDO PORTER
DO "NEW YORK TIMES"
Os economistas há muito
tempo vêm tecendo fantasias
sobre a chamada "economia
Cachinhos Dourados", aquela
na qual a temperatura não é
nem fria nem quente demais.
Nesse mundo ideal, a economia funciona com tamanha
suavidade que há pouco risco
de superaquecimento e de alta
da inflação, o que forçaria o Federal Reserve (Fed, o banco
central dos EUA) a elevar os juros. E o mercado de trabalho
não está perdendo força e
ameaçando lançar a economia
ao gélido banho da recessão.
A economia "toda certinha"
não costuma se concretizar
muitas vezes, é claro, mas, recentemente, o conto de fadas
ganhou uma faceta raras vezes
vista: temos hoje uma economia que é ao mesmo tempo fria
demais e quente demais.
O mercado de habitação se
enregelou, e a indústria automobilística. Mas, em outras
frentes, entre as quais a construção comercial e o consumo
de itens mais dispendiosos, a
atividade parece fumegante.
Isso faz com que tanto os
economistas quanto o Fed precisem enfrentar um desafio:
decidir qual é o maior dos dois
riscos, ou seja, se a queda do
mercado de habitação vai arrastar com ela o resto da economia, forçando o Fed a cortar juros, ou se a inflação se manterá
acima da zona de conforto acatada pelo BC, forçando-o, nesse
caso, a elevar as taxas.
Mas outros dizem que, em
2007, a parte quente e a parte
fria da economia podem se cancelar mutuamente, o que geraria a temperatura perfeita.
Por enquanto, porém, com o
setor de construção residencial
iniciando seu segundo ano de
queda, muitos economistas reduziram agressivamente suas
projeções do PIB em 2007, e alguns começaram até a falar discretamente em recessão.
"Estamos elevando a probabilidade de recessão a 35% em
nossas projeções", disse David
W. Berson, da Fannie Mae.
Já Charles Dumas, da Lombard, em Londres, prefere
apontar para uma série de forças compensatórias, do alto nível de emprego ao crescimento
da renda, passando pelo investimento empresarial robusto.
No caso de Andrew Palau,
que dirige a construtora Premier Homes and Additions, os
negócios despencaram quando
o mercado da habitação entrou
em colapso, reduzindo a demanda por novas suítes e reformas de cozinhas em todo o condado de Bergen, no nordeste do
Estado de Nova Jersey.
Virtualmente todas as construtoras do país compartilham
da preocupação expressa por
Palau. Mas a situação do lado
de fora da economia vinculada
à habitação oferece panorama
fortemente divergente.
"Nosso mercado está muito
perto de operar a plena capacidade", disse Michael D. Bolen,
presidente-executivo e do conselho da McCarthy Building, de
St. Louis, uma construtora comercial que realiza obras como
escolas, hospitais, cassinos e
estacionamentos.
Em ebulição
Se as declarações de Bolen
merecem crédito, o mercado de
trabalho enfrenta situação semelhante à do período mais
frenético do boom da internet,
nos anos 90. "É um caos", ele
diz. "Estamos oferecendo gratificações para quem aceita empregos e garantindo vagas para
pessoas recém-formadas."
Esse desempenho contrastante gerou uma diferença de
opiniões incomumente larga
quanto às perspectivas da economia neste ano.
Ian Shepherdson, economista-chefe da High Frequency,
projeta estagnação. Ele acredita que o Fed reduzirá sua taxa
de referência para os juros de
curto prazo dos atuais 5,25% a
3,75% antes do final de 2007.
No mercado futuro, a expectativa é que o Fed reduza os juros a 4,75% no fim deste ano.
Mas Bruce Kasman, economista-chefe do JP Morgan, prevê que a economia crescerá ao
saudável ritmo de 3% em 2007.
Em lugar de reduzir os juros, o
Fed talvez precise elevá-los
mais um pouco para conter as
pressões inflacionárias.
Os economistas foram apanhados de surpresa pela velocidade com que o mercado de habitação se transformou de bolha cada vez mais inflada em
pedra que não pára de cair.
Mas, apesar de todos os danos causados pelo estouro da
bolha da habitação, a crise até
agora continua limitada a apenas alguns segmentos.
Hoje, virtualmente todos os
economistas concordam em
que é provável que a recessão
na habitação continue a prejudicar o crescimento econômico. Mas o consenso não se mantém quando a questão é avaliar
a dimensão dos danos.
O mais importante desacordo gira em torno da intensidade
dos efeitos colaterais da recessão na habitação sobre o restante da economia e de que maneira ela afetará o consumo,
que responde por mais de 70%
da atividade econômica do país.
"Não se pode acreditar que
uma recessão importante em
um setor que responde por 6%
da economia nacional passe
sem causar conseqüências",
disse Jan Hatzius, economista-chefe do Goldman Sachs para o
mercado americano.
Paradoxo do consumo
Muitos economistas argumentam que a queda nos preços da habitação deve resultar
em redução forte no consumo.
Os proprietários de residências
certamente estão extraindo
menos dinheiro de seu patrimônio imobiliário.
Mas os consumidores ainda
não exibiram qualquer sinal de
que estão prontos a fechar as
carteiras. O consumo vem sendo sustentado pelo aumento no
número de empregos e pelo
crescimento nos salários.
Há, no entanto, um ponto
fraco crucial em todas as projeções. A meio caminho do colapso de um boom residencial que
talvez tenha sido o mais vigoroso da história norte-americana,
a economia está navegando em
águas desconhecidas. Ninguém
sabe de que maneira uma situação como essa se resolve.
Allen Sinai, economista-chefe mundial da Decision Economics, observou que as recessões causadas por crises no setor de habitação costumavam
ser caracterizadas por alta nas
taxas de juros e crédito escasso,
condições que não se aplicam a
esse momento de dinheiro relativamente fácil e barato.
Alguns economistas propuseram paralelos com o ano
2000, quando o Fed reverteu
sua "postura" monetária rapidamente e começou a cortar juros, após ter alertado sobre riscos inflacionários. Mas a recessão de 2000 surgiu porque empresas endividadas, chocadas
com o final do boom da alta tecnologia e a escassez de novos
pedidos, pararam de investir e
contratar. Hoje, os balanços
das empresas vão muito bem.
"Se a habitação for tão prejudicial caindo quanto foi benéfica subindo, teremos recessão",
disse Sinai.
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