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São Paulo, quinta-feira, 06 de fevereiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Vacinas contra choques externos

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Com a provável invasão do Iraque pelos EUA, a economia brasileira está prestes a sofrer mais um choque externo. Na realidade, os efeitos econômico-financeiros dessa guerra já estão se fazendo sentir, principalmente no mercado de câmbio.
De um lado, temos os impactos diretos sobre o preço do petróleo importado. De outro, e mais importante, um novo período de aumento da aversão ao risco nos mercados financeiros internacionais. Entre as primeiras vítimas da onda de incerteza estão as moedas de economias consideradas frágeis, como é o caso do real. No governo brasileiro, segundo se noticia, há quem tema que o dólar possa atingir novamente a cotação de R$ 4.
As consequências econômicas da guerra são imprevisíveis. Dependem, por exemplo, da duração do conflito, da intensidade da reação dos mercados internacionais e da evolução da economia dos EUA e de outras economias centrais.
Uma coisa, entretanto, é certa: a crise no Iraque constitui mais uma indicação de que o Brasil continuará se defrontando, ao longo dos próximos anos, com um cenário mundial turbulento, marcado por instabilidades econômico-financeiras e conflitos políticos e militares.
Qual a estratégia do novo governo para enfrentar choques externos? O governo tem apenas um mês e cinco dias de existência e, no curto prazo, pouco pode fazer. Mas como preparar a economia brasileira para turbulências futuras?
Os discursos e entrevistas do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, e de alguns dos seus assessores sugerem que as fichas da equipe econômica estão sendo depositadas, basicamente, nas propriedades imunizadoras de uma ajustamento fiscal saudável e duradouro. Infelizmente, a estratégia da nova equipe pouco difere da que vinha sendo adotada pelo governo anterior. As suas chances de sucesso parecem pequenas.
No seu discurso de posse, por exemplo, o ministro Palocci comparou as crises externas aos vírus e às bactérias: "Se o organismo estiver saudável e for preparado, inclusive com cuidadosas vacinas, vai resistir aos choques externos, aos vírus e às bactérias e seguirá saudável. No caso da política econômica, preparar o organismo significa um orçamento público saudável e ajustado às suas obrigações previstas".
O problema está na última frase. A principal restrição que enfrenta a economia brasileira é cambial, e não fiscal. A dificuldade primordial não reside nas contas do setor público, que são basicamente internas e liquidáveis em reais, e sim nas contas do balanço de pagamentos do país, isto é, nas contas em dólares -moeda que não emitimos e cuja oferta é escassa e altamente instável.
No caso da política econômica, preparar o organismo significa, sobretudo, ajustar as contas externas e diminuir a vulnerabilidade internacional da economia.
Ninguém ignora a importância de ajustar as contas públicas de forma sustentável. Mas é uma ilusão imaginar que isso possa vacinar a economia contra choques internacionais e prepará-la para retomar o crescimento.
Várias economias "emergentes" que sucumbiram a choques externos e crises cambiais ostentavam contas públicas ajustadas. Eram elogiadas internacionalmente por seus "fundamentos saudáveis". Por exemplo: o México, que experimentou crise aguda em 1994-95; ou a Tailândia, a Indonésia e a Coréia do Sul, que entraram em crises igualmente graves em 1997.
Inversamente, países com desempenho fiscal muito fraco (Índia) ou duvidoso (China) atravessaram basicamente incólumes todas as crises internacionais ocorridas desde meados da década de 90. A Índia e, sobretudo, a China registraram nesse período taxas elevadas de crescimento econômico.
Não por acaso, a Índia e a China têm os seguintes pontos fundamentais em comum: a) déficits moderados ou até superávits no balanço de pagamentos em conta corrente; b) moedas não-conversíveis e controles seletivos sobre os movimentos de entrada e saída de capitais; e c) níveis geralmente elevados de reservas internacionais.
Digito esse linhas e paro, assaltado por súbita melancolia. Bem sei que, como dizia Nelson Rodrigues, as coisas que são ditas uma vez, e só uma vez, permanecem rigorosamente inéditas. Mas a verdade é que eu já escrevi a respeito desses problemas centenas de vezes. Fico com a sensação amarga de que a minha maldição, tal qual a de Cassandra, é fazer alertas e apelos que nunca são escutados.
Mas, enfim, se os erros são os mesmos, como pode a crítica mudar? O governo brasileiro precisa, repito, alterar o foco da política econômica e dedicar grande parte dos seus esforços, ao longo dos próximos anos, a um programa sistemático e planejado de diminuição da vulnerabilidade das contas externas. Esse programa deve incluir a manutenção de déficits pequenos no balanço de pagamentos em conta corrente (mesmo com a economia voltando a crescer e o câmbio real menos desvalorizado), a implantação de controles seletivos sobre os fluxos de capital e a recomposição das reservas internacionais do país.
Não há tempo para evitar que a provável guerra no Iraque prejudique o desempenho da economia brasileira. Mas, sem adotar medidas rigorosas de ajustamento e controle das contas externas, continuaremos como estamos: extremamente suscetíveis a tudo quanto é choque e turbulência internacional e impossibilitados de retomar o crescimento econômico sustentado.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net



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