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OPINIÃO ECONÔMICA
Vacinas contra choques externos
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Com a provável invasão do
Iraque pelos EUA, a economia brasileira está prestes a sofrer
mais um choque externo. Na realidade, os efeitos econômico-financeiros dessa guerra já estão se
fazendo sentir, principalmente no
mercado de câmbio.
De um lado, temos os impactos
diretos sobre o preço do petróleo
importado. De outro, e mais importante, um novo período de aumento da aversão ao risco nos
mercados financeiros internacionais. Entre as primeiras vítimas
da onda de incerteza estão as
moedas de economias consideradas frágeis, como é o caso do real.
No governo brasileiro, segundo se
noticia, há quem tema que o dólar possa atingir novamente a cotação de R$ 4.
As consequências econômicas
da guerra são imprevisíveis. Dependem, por exemplo, da duração do conflito, da intensidade da
reação dos mercados internacionais e da evolução da economia
dos EUA e de outras economias
centrais.
Uma coisa, entretanto, é certa: a
crise no Iraque constitui mais
uma indicação de que o Brasil
continuará se defrontando, ao
longo dos próximos anos, com um
cenário mundial turbulento,
marcado por instabilidades econômico-financeiras e conflitos políticos e militares.
Qual a estratégia do novo governo para enfrentar choques externos? O governo tem apenas um
mês e cinco dias de existência e,
no curto prazo, pouco pode fazer.
Mas como preparar a economia
brasileira para turbulências futuras?
Os discursos e entrevistas do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, e de alguns dos seus
assessores sugerem que as fichas
da equipe econômica estão sendo
depositadas, basicamente, nas
propriedades imunizadoras de
uma ajustamento fiscal saudável
e duradouro. Infelizmente, a estratégia da nova equipe pouco difere da que vinha sendo adotada
pelo governo anterior. As suas
chances de sucesso parecem pequenas.
No seu discurso de posse, por
exemplo, o ministro Palocci comparou as crises externas aos vírus
e às bactérias: "Se o organismo estiver saudável e for preparado, inclusive com cuidadosas vacinas,
vai resistir aos choques externos,
aos vírus e às bactérias e seguirá
saudável. No caso da política econômica, preparar o organismo
significa um orçamento público
saudável e ajustado às suas obrigações previstas".
O problema está na última frase. A principal restrição que enfrenta a economia brasileira é
cambial, e não fiscal. A dificuldade primordial não reside nas contas do setor público, que são basicamente internas e liquidáveis
em reais, e sim nas contas do balanço de pagamentos do país, isto
é, nas contas em dólares -moeda
que não emitimos e cuja oferta é
escassa e altamente instável.
No caso da política econômica,
preparar o organismo significa,
sobretudo, ajustar as contas externas e diminuir a vulnerabilidade internacional da economia.
Ninguém ignora a importância
de ajustar as contas públicas de
forma sustentável. Mas é uma ilusão imaginar que isso possa vacinar a economia contra choques
internacionais e prepará-la para
retomar o crescimento.
Várias economias "emergentes"
que sucumbiram a choques externos e crises cambiais ostentavam
contas públicas ajustadas. Eram
elogiadas internacionalmente
por seus "fundamentos saudáveis". Por exemplo: o México, que
experimentou crise aguda em
1994-95; ou a Tailândia, a Indonésia e a Coréia do Sul, que entraram em crises igualmente graves
em 1997.
Inversamente, países com desempenho fiscal muito fraco (Índia) ou duvidoso (China) atravessaram basicamente incólumes
todas as crises internacionais
ocorridas desde meados da década de 90. A Índia e, sobretudo, a
China registraram nesse período
taxas elevadas de crescimento
econômico.
Não por acaso, a Índia e a China têm os seguintes pontos fundamentais em comum: a) déficits
moderados ou até superávits no
balanço de pagamentos em conta
corrente; b) moedas não-conversíveis e controles seletivos sobre os
movimentos de entrada e saída
de capitais; e c) níveis geralmente
elevados de reservas internacionais.
Digito esse linhas e paro, assaltado por súbita melancolia. Bem
sei que, como dizia Nelson Rodrigues, as coisas que são ditas uma
vez, e só uma vez, permanecem rigorosamente inéditas. Mas a verdade é que eu já escrevi a respeito
desses problemas centenas de vezes. Fico com a sensação amarga
de que a minha maldição, tal
qual a de Cassandra, é fazer alertas e apelos que nunca são escutados.
Mas, enfim, se os erros são os
mesmos, como pode a crítica mudar? O governo brasileiro precisa,
repito, alterar o foco da política
econômica e dedicar grande parte
dos seus esforços, ao longo dos
próximos anos, a um programa
sistemático e planejado de diminuição da vulnerabilidade das
contas externas. Esse programa
deve incluir a manutenção de déficits pequenos no balanço de pagamentos em conta corrente
(mesmo com a economia voltando a crescer e o câmbio real menos desvalorizado), a implantação de controles seletivos sobre os
fluxos de capital e a recomposição
das reservas internacionais do
país.
Não há tempo para evitar que a
provável guerra no Iraque prejudique o desempenho da economia brasileira. Mas, sem adotar
medidas rigorosas de ajustamento e controle das contas externas,
continuaremos como estamos: extremamente suscetíveis a tudo
quanto é choque e turbulência internacional e impossibilitados de
retomar o crescimento econômico
sustentado.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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