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Americanos já gastam com mais cautela
Para analistas, mudança pode ter grandes implicações em uma economia movimentada 70% pelo consumo
PETER S. GOODMAN
DO "NEW YORK TIMES"
Por mais de meio século, os
norte-americanos se demonstraram extraordinariamente
habilidosos em descobrir novas
maneiras de gastar dinheiro.
Nos anos 50 e 60, à medida
que crescia a popularidade dos
cartões de crédito, muitos começaram a jantar fora quando
sentiam vontade ou adquirir
televisores em prestações, em
lugar de economizar os salários. Nos anos 80, milhões de
norte-americanos investiam
suas economias no mercado de
ações, usando o ganho para
bancar consumo superior à
renda. Milhões de outros tomaram empréstimos despreocupadamente, oferecendo suas
casas como garantia.
Mas os dias de despreocupação quanto ao crédito e ao risco
podem ter chegado ao fim e um
período de poupança involuntária se iniciou em muitos domicílios. Com a queda no nível
do emprego e nos valores das
casas e o inchaço nas dívidas, o
mesmo país pioneiro nos empréstimos imobiliários sem entrada se vê sujeito a um imperativo incomum: viver nos limites
de sua renda.
"Deixamos de usar nossos
cartões de crédito", disse Lisa
Merhaut, funcionária de uma
empresa de telecomunicações
em Leesburg, Virgínia, e cuja
família em 2007 acumulou dívidas que não podia pagar em
seus cartões. Agora, com renda
familiar acima de US$ 100 mil
anuais, ela paga as compras em
dinheiro. "Nós temos o que nós
temos. Só podemos gastar o dinheiro que está entrando."
A mudança, para alguns analistas, pode ter implicações que,
para uma economia propelida
principalmente pelo consumo,
podem ser imensas.
"O longo colapso no índice de
poupança dos EUA acabou",
disse Ethan Harris, economista
chefe do Lehman Brothers nos
EUA. "As pessoas vão começar
a poupar à maneira antiga, em
lugar de permitir que o mercado de ações e a alta no valor dos
imóveis residenciais façam o
papel de poupança."
Em 1984, os norte-americanos economizavam mais de um
décimo de sua renda, de acordo
com o governo. Uma década depois, a metade. Agora, o índice é
negativo, sugerindo que gastam
mais do que a renda.
Para os 34 milhões de domicílios que transformaram parte
do patrimônio imobiliário em
capital nos últimos quatro
anos, o índice de poupança era
de menos 13% em 2006, segundo a Economy.com, da
Moody's: eles estavam se endividando, usando seus ativos para financiar a vida cotidiana.
Pelo final do ano passado, o
índice de poupança do grupo
continuava em menos 7%, em
larga medida porque critérios
mais rígidos dificultaram a obtenção de empréstimos.
"Para eles, o jogo acabou",
disse Mark Zandi, economista-chefe da Economy.com. "Agora
estão descobrindo os limites do
crédito."
No passado, os norte-americanos descobriram muitas maneiras inovadoras de financiar
os gastos, mesmo em momentos em que a austeridade parecia inevitável. Isso poderia voltar a acontecer.
Os anos 70 -"a década do
eu"-, tiveram a morte declarada na recessão dos anos 80, mas
foram sucedidos pela "era da
cobiça" e mais tarde pelo boom
do mercado da internet, nos
anos 90. Em longo prazo, a economia deveria continuar crescendo em ritmo que reflita os
ganhos de produtividade e o
aumento da população.
O retorno à realidade está
bastante presente nos shoppings, onde os consumidores
que optavam por lojas mais caras voltaram às cadeias que oferecem descontos. Wal-Mart e
T. J. Maxx estão prosperando.
Já Coach, Tiffany e Williams-Sonoma perderam impulso.
Não muito tempo atrás, Elena Gamble teria observado o
Cadillac estacionado do outro
lado da rua, em sua casa de Elk
City, Oklahoma, e sentido uma
ponta de inveja. Ela ganha US$
2.600 em uma penitenciária e o
marido, US$ 2.000.
Eles têm uma dívida de US$
10 mil e com juros elevados.
Não vão ao cinema ou jantam
fora, exceto visitas ocasionais
ao McDonald's. Cancelaram o
acesso à internet e perderam o
carro por não conseguir manter as prestações em dia.
Quando eles olham para o
Cadillac do outro lado da rua, a
inveja foi substituída por pena
pelo vizinho endividado.
Por décadas, esse tipo de inveja representa um dos principais propulsores do crescimento econômico. De 1980 a 2007,
a parcela do consumo na economia dos EUA subiu de 63%
para 70%, segundo a Economy.com, e a proporção da
renda posterior aos impostos
absorvida pelo pagamento de
dívidas domiciliares, de 11% para mais de 14%.
Mesmo depois que a linha de
raciocínio "mercado de ações
como máquina de dinheiro" se
provou falsa, os gastos continuaram elevados. O Federal
Reserve (Fed, o banco central
dos EUA) cortou as taxas de juros, os bancos ofereceram hipotecas com termos de pagamento frouxos e a fábula de que
os preços das casas subiriam
para sempre se instalou.
Entre 2004 e 2006, os norte-americanos extraíram mais de
US$ 800 bilhões de suas casas
em forma de vendas, empréstimos caucionados e hipotecas.
"As pessoas começaram a
considerar crédito como equivalente a poupança", disse Michelle Jones, vice-presidente
do Consumer Credit Counseling Service of Greater Atlanta.
Alguns norte-americanos
têm patrimônio suficiente para
continuar a gastar o bastante e
estimular a economia. Os 20%
mais ricos geram 50% do consumo, segundo Dean Maki,
economista-chefe da Barclays
Capital para os EUA.
Os outros, alguns dizem que
logo voltarão pedindo mais. "O
consumidor norte-americano
sempre viveu no vermelho", diz
Lendol Calder, autor de "Financing the American Dream:
A Cultural History of Consumer Credit" [financiando o sonho americano: uma história
do crédito ao consumidor].
Os conselheiros de crédito
estão sobrecarregados de pedidos, não só de pessoas de recursos modestos mas também de
profissionais com salários
anuais acima de US$ 100 mil,
que têm dificuldade em distinguir entre necessário e desejado, em função do acesso de
sempre a financiamentos.
"Quanto mais uma pessoa viveu com renda alta, mais difícil
se torna cortar os gastos", disse
Manuel Navarro, da Money
Management International,
em San Diego. "Eu pergunto se
realmente precisam de um televisor de 60 polegadas em suas
salas."
Fran Barbaro, 50, tem mestrado em administração de empresas e passou por diversos
empregos no setor de computação, com salário de US$ 150 mil
ao ano. Sua carteira de investimento em ações era avaliada
em US$ 1 milhão. A casa de três
quartos em Boston era decorada com obras de arte originais.
Mas um divórcio, problemas
de saúde e a maternidade esgotaram a sua poupança. Hoje, a
casa vale menos do que a dívida
que contraiu para comprá-la, e
ela deve mais US$ 200 mil a
bancos, operadoras de cartões
de crédito e autoridades tributárias.
Barbaro diz que sabia estar
vivendo além de seus recursos.
No entanto, a casa dela precisava de reforma. Seus dois filhos
precisavam de reforço escolar,
o que lhe custava US$ 25 mil ao
ano. As contas médicas se multiplicavam. "Eram despesas cotidianas. E sempre havia dinheiro."
Até que acabou. Ela recebe
US$ 5.200 líquidos ao mês, mas
US$ 4.400 do total vão para o
pagamento de dívidas.
Barbaro alugou sua casa enquanto negocia um corte em
sua hipoteca. Foi para um apartamento, onde os dois meninos
dormem no quarto e ela em um
sofá-cama na sala.
"É a pior coisa. Como salvar o
que você tem e, com sorte, voltar à vida anterior?"
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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