São Paulo, sábado, 06 de março de 2004

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ANÁLISE

Reação à terceirização externa desafia o bom senso

DO "FINANCIAL TIMES"

Os políticos normalmente não procuram assumir o crédito -muito menos em um ano eleitoral- por projetos de lei que tornarão os serviços governamentais menos eficientes e mais dispendiosos. Mas seriam essas as conseqüências lógicas da aprovação nesta semana, pelo Senado dos EUA, de uma lei que proíbe terceirizar contratos federais para países em desenvolvimento?
Não é isso, evidentemente, que os proponentes da medida dizem pretender. Como diversas outras propostas em discussão no Congresso e nos legislativos estaduais, a medida tem por objetivo conter a crescente transferência de atividades industriais e de serviços para locais de baixo custo, à qual vem cada vez mais sendo imputada a culpa pela recuperação econômica com baixo emprego que os EUA vêm atravessando.
Como todas as medidas de protecionismo comercial, restrições à "terceirização externa" de trabalho para o governo podem servir para estimular o emprego nos Estados Unidos, mas apenas no curto prazo. Boa parte do trabalho transferido ao exterior no setor de serviços, até agora, consiste de atividades rotineiras, como centrais de atendimento telefônico e processamento de "back-office", que podem ser computadorizadas. A menos que os contribuintes estejam dispostos a pagar mais do que já vêm fazendo para que sejam realizadas manualmente nos EUA, a transferência ao exterior ou a automatização provavelmente será inevitável.
Não é certo ainda que as propostas em discussão venham a se tornar lei. Mesmo que o façam, talvez seu impacto direto seja limitado. Os contratos do governo dos EUA representam uma proporção minúscula da terceirização externa realizada na Índia -hoje, o país que mais se beneficia da tendência. No entanto, dada a atual histeria norte-americana sobre o tema, existe o risco de que restrições mais draconianas sejam adotadas no futuro.
A perspectiva está começando a alarmar importantes empresas norte-americanas, como a General Electric, que recentemente alertaram seus acionistas quanto à possibilidade de que as operações sejam materialmente afetadas por esse tipo de restrição. Algumas empresas enfrentam também pressão sindical para reduzir a terceirização e temem se tornar alvo de campanhas hostis de defesa do consumidor.
Diante da competição mundial incansável, as empresas dos EUA estão contando pesadamente com medidas de corte de custos para produzir o crescimento de lucros necessário para justificar a avaliação que suas ações vêm sustentando nas Bolsas. Muitas pretendem fazê-lo transferindo operações para o exterior. O que as atrai não é só a economia de custos mas, cada vez mais, a disponibilidade abundante de capacitação profissional em áreas como a ciência, a engenharia de software e o desenvolvimento de produtos, na Índia e em outros países.
Inibir seu acesso a esses recursos não só reduziria sua produtividade, o propulsor da futura criação de empregos nos EUA, mas também ameaçaria seu desempenho financeiro, elevaria o custo do capital e reduziria sua capacidade para investir e se expandir. Certamente não é isso que desejam os políticos americanos.
Infelizmente, as vozes do bom senso econômico foram dominadas pela demagogia eleitoral e pelas posições populistas. A tentativa -com base em indícios tênues- de imputar a culpa pelos problemas econômicos dos Estados Unidos à terceirização externa indica que os democratas encaram essa causa como uma ferramenta para a vitória nas urnas. A confusão evidente do governo Bush quanto à melhor maneira de reagir às acusações só serve para encorajar essa crença.
As empresas parecem ter sido apanhadas tão desprevenidas quanto a Casa Branca, pela violência da reação. Algumas nem sequer imaginavam que isso aconteceria. Outras parecem ter presumido que a questão era apenas uma moda de ano eleitoral, que desaparecerá quando o pleito estiver decidido. É possível que as coisas transcorram assim, mas até lá os danos já terão sido causados.
Os números decepcionantes sobre a criação de empregos em fevereiro, divulgados ontem, só servirão para alimentar as chamas. Até que a quantidade -e, igualmente importante, a qualidade- dos novos empregos aumente, o frenesi quanto à terceirização externa provavelmente continuará, e com ele o risco de erros tolos de política. Se as empresas dos EUA quiserem evitar as conseqüências de um erro como esse, é melhor que comecem a contra-atacar.


Tradução de Paulo Migliacci


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