São Paulo, sábado, 06 de março de 2010

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ANÁLISE

Tese do governo sobre rede é contestável

SAMANTHA LIMA
DA SUCURSAL DO RIO

O argumento utilizado pela AGU (Advocacia-Geral da União) para defender a reintegração de posse ao sistema Eletrobrás da rede de fibras ópticas usada pela Eletronet -como já foi decidido pela Justiça do Rio de Janeiro em primeira instância- não é unânime entre advogados consultados pela Folha.
Pelo menos dois pontos poderiam embasar uma contestação da devolução das redes, afirmam. Os beneficiados pela não devolução das redes às estatais seriam os credores das empresas.
As chances de os sócios da Eletronet -entre eles, Nelson dos Santos, que contratou serviços do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu- receberem alguma coisa é tida como "muito remota" pelos advogados, analisando apenas documentos até agora divulgados.
Reportagem da Folha publicada em 23 de fevereiro revelou que Santos espera receber R$ 200 milhões caso o governo pretenda usar a rede no Plano Nacional de Banda Larga, que ele sustenta ser da Eletronet, empresa que faliu em 2003.
Santos, que pagou R$ 620 mil a Dirceu entre 2007 e 2009 por "serviços de consultoria", não explica como chegou a esse número nem por que diz acreditar ter direito a ele. Mas sustenta que fez investimentos na rede e, portanto, deveria ser ressarcido.
Credores da Eletronet, que reclamam débitos da ordem de R$ 800 milhões, também afirmam que a rede pertence à massa falida.
A AGU, por sua vez, diz que a rede sempre foi das estatais elétricas federais -Eletrobrás à frente- e que esteve em permissão de uso pela Eletronet por força de um contrato assinado em 1999.

Retomada
Cláusula desse contrato previa a retomada da rede pelas estatais em caso de falência da Eletronet. A falência foi pedida pela Lightpar (hoje Eletropar), antiga subsidiária da Eletrobrás, detentora de 49% da Eletronet. Os outros 51% pertenciam à americana AES, que acabou saindo do negócio, dando espaço, depois, para a entrada de Santos.
Com base na falência, a AGU sustenta que a rede volta para o governo. Para a reversão da rede, a Justiça do Rio determinou o pagamento de R$ 270 milhões, pelas estatais elétricas, à massa falida da Eletronet. A AGU diz que a Eletrobrás pagou a caução em títulos públicos, o que é contestado pelos credores.

Cláusulas questionáveis
Uma das cláusulas do contrato questionadas por um especialista é a que prevê rescisão.
"A lei estabelece que contratos bilaterais firmados antes da falência continuam valendo com a falência, não podendo ser rescindidos unilateralmente. A doutrina majoritária diz que a cláusula que prevê a dissolução do contrato, nessa situação, é nula", afirma o professor de direito Cássio Cavalli, da Fundação Getulio Vargas.
Também é questionável o fato de a Lightpar (no momento da falência, sua controladora) ter pedido falência da Eletronet, dizem outros dois especialistas que pediram para não ser identificados.
Para eles, o juiz pode pôr em xeque a própria falência, já que foi pedida pela Lightpar -e, pelo contrato, a Lightpar seria a maior beneficiada com a decretação, porque teria as redes de volta. E isso prejudicaria os credores, dizem.
Um quarto advogado afirma que, em tese, não há como as estatais recuperarem a rede sem indenizar a Eletronet, caso seja comprovado que ela ampliou a rede original.
"Se houve investimento na rede, a Eletronet tem direito a reparação", diz Renato Stetner, sócio do Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados.
Nesse caso, o dinheiro pagaria débitos relativos à administração da massa falida. Se sobrasse, os credores receberiam o resto.
Nessa situação, é "muito difícil" sobrar algo para o acionista, dizem dois especialistas. Mas não impossível. É o que ocorreria, por exemplo, se os credores aceitassem receber muito menos do que lhes é devido e, com isso, sobrasse alguma parte da indenização paga pelas estatais.


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