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COOPERAÇÃO
De saída da Argentina, José Botafogo Gonçalves diz que o banco não consegue expandir sua atuação
Embaixador pede mudança no BNDES
CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES
Depois de ter acompanhado o
período mais agudo da crise argentina no posto que, ao lado de
Washington, é considerado o
mais importante da representação do país no exterior, o embaixador José Botafogo Gonçalves
será substituído na próxima semana em Buenos Aires pelo embaixador Mauro Luiz Iecker Vieira, considerado o braço direito do
chanceler Celso Amorim.
Em entrevista à Folha, Botafogo
defendeu a regionalização dos financiamentos do BNDES, disse
que tanto os empresários como a
legislação brasileira são muito nacionalistas, mas que a responsabilidade de adotar políticas globais é
do governo.
Segundo ele, o BNDES não pode
expandir sua atuação para além
das fronteiras brasileiras porque
há entraves jurídicos que precisam ser mudados.
Botafogo foi o representante do
Mercosul do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ministro da Indústria e Comércio
em 1998. Ele se aposenta da carreira diplomática para presidir o
Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) no Rio.
Leia a seguir trechos da entrevista por Botafogo.
Folha - A Argentina voltou a ter
déficit comercial com o Brasil, o que
faz as indústrias do parceiro comercial voltarem a reclamar. Como o
Brasil pode ajudar o parceiro a melhorar as exportações?
José Botafogo Gonçalves - Dentro
da ótica do Mercosul, a regra básica é de comércio livre, de maneira
que déficits e superávits não constituem um problema. O objetivo é
não criar mecanismos artificiais
de equilíbrio de balança comercial porque não estamos preocupados em buscar soluções puramente nacionais. Quando há um
bloco integrado, esses problemas
desaparecem. Mas, como não
chegamos ao pleno grau de integração comercial e unificação de
mercados, temos procurado levar
em conta as dificuldades de alguns setores importadores argentinos que se sentem ameaçados
por uma excessiva exportação
brasileira.
Folha - O que é possível fazer para
diminuir as dificuldades de integração?
Botafogo - Eu sustento a idéia de
que o BNDES possa ter, além de
suas funções atuais, uma função
de órgão de fomento regional.
Sou favorável à extensão da atuação do BNDES para além das
fronteiras e à busca de mecanismos de integração financeira do
BNDES, seja para investimentos
em infra-estrutura, financiamento do comércio ou investimentos
produtivos de longo prazo. De tal
maneira que esses investimentos
integrem as economias da região.
Se temos e queremos ter um mercado unificado, não há por que
distinguir um do outro.
Folha - No ano passado, o presidente Lula anunciou que o BNDES
financiaria projetos e o comércio
da região. Por que isso ainda não
ocorreu?
Botafogo - Entre a vontade política e a capacidade executiva há
ainda um hiato que precisa ser coberto. Algumas normas têm de
ser modificadas no procedimento
do banco. É preciso modificar algumas leis porque o banco não foi
feito para ter uma atuação internacional.
Há que adotar uma filosofia de
pôr o banco a serviço da integração regional, que é o que esse governo, muito acertadamente, vem
propondo. O Finame (financiamento para a compra de máquinas e equipamentos), por exemplo, poderia ser usado para financiar as importações de bens de capital da região. Mas há dificuldades de ordem legal.
Folha - Quais seriam essas modificações legais?
Botafogo - A utilização dos recursos do FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador) é um exemplo. Há regras rígidas para usá-los. Mas o BNDES não tem apenas
o FAT como recurso de "funding". Talvez seja possível aplicar
uma parte dos recursos provenientes dos títulos que o BNDES
lança no mercado em projetos de
integração de cadeias produtivas
ou de infra-estrutura que ajudem
os países da região.
Acho que, mesmo que haja impedimentos legais em algumas
áreas, há espaço em outras que
permitiriam que o banco ganhasse experiência.
Folha - Quais são os focos de resistência para essa mudança no
Brasil?
Botafogo - Eu acho que os empresários brasileiros ainda têm
uma visão bastante nacionalista.
Não todos estão convencidos de
que é preciso partir para a internacionalização das suas empresas. Por que os americanos expandem a sua economia além das
fronteiras? Por que os europeus
investem no resto do mundo?
Porque o benefício é global, ainda
que ele vá deixar de produzir um
produto no seu país de origem.
Precisamos de políticas públicas
mais globais.
Folha - É preciso mudar a mentalidade de quem no Brasil?
Botafogo - De todo mundo. Tanto em países desenvolvidos como
em subdesenvolvidos, mais ou
menos liberais, a responsabilidade pela definição de um projeto
estratégico é do governo. Isso não
tem nada a ver com o espaço que
o setor privado ocupa.
A posição que o país deve tomar
no mundo é pública. As outras
partes executam políticas, influindo também nas decisões públicas,
mas acho que está muito claro
que as políticas públicas têm que
ter um papel importante na redefinição do modelo do crescimento
brasileiro.
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