São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2004

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COOPERAÇÃO

De saída da Argentina, José Botafogo Gonçalves diz que o banco não consegue expandir sua atuação

Embaixador pede mudança no BNDES

CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES

Depois de ter acompanhado o período mais agudo da crise argentina no posto que, ao lado de Washington, é considerado o mais importante da representação do país no exterior, o embaixador José Botafogo Gonçalves será substituído na próxima semana em Buenos Aires pelo embaixador Mauro Luiz Iecker Vieira, considerado o braço direito do chanceler Celso Amorim.
Em entrevista à Folha, Botafogo defendeu a regionalização dos financiamentos do BNDES, disse que tanto os empresários como a legislação brasileira são muito nacionalistas, mas que a responsabilidade de adotar políticas globais é do governo.
Segundo ele, o BNDES não pode expandir sua atuação para além das fronteiras brasileiras porque há entraves jurídicos que precisam ser mudados.
Botafogo foi o representante do Mercosul do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ministro da Indústria e Comércio em 1998. Ele se aposenta da carreira diplomática para presidir o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) no Rio.
Leia a seguir trechos da entrevista por Botafogo.
 

Folha - A Argentina voltou a ter déficit comercial com o Brasil, o que faz as indústrias do parceiro comercial voltarem a reclamar. Como o Brasil pode ajudar o parceiro a melhorar as exportações?
José Botafogo Gonçalves -
Dentro da ótica do Mercosul, a regra básica é de comércio livre, de maneira que déficits e superávits não constituem um problema. O objetivo é não criar mecanismos artificiais de equilíbrio de balança comercial porque não estamos preocupados em buscar soluções puramente nacionais. Quando há um bloco integrado, esses problemas desaparecem. Mas, como não chegamos ao pleno grau de integração comercial e unificação de mercados, temos procurado levar em conta as dificuldades de alguns setores importadores argentinos que se sentem ameaçados por uma excessiva exportação brasileira.

Folha - O que é possível fazer para diminuir as dificuldades de integração?
Botafogo -
Eu sustento a idéia de que o BNDES possa ter, além de suas funções atuais, uma função de órgão de fomento regional. Sou favorável à extensão da atuação do BNDES para além das fronteiras e à busca de mecanismos de integração financeira do BNDES, seja para investimentos em infra-estrutura, financiamento do comércio ou investimentos produtivos de longo prazo. De tal maneira que esses investimentos integrem as economias da região. Se temos e queremos ter um mercado unificado, não há por que distinguir um do outro.

Folha - No ano passado, o presidente Lula anunciou que o BNDES financiaria projetos e o comércio da região. Por que isso ainda não ocorreu?
Botafogo -
Entre a vontade política e a capacidade executiva há ainda um hiato que precisa ser coberto. Algumas normas têm de ser modificadas no procedimento do banco. É preciso modificar algumas leis porque o banco não foi feito para ter uma atuação internacional.
Há que adotar uma filosofia de pôr o banco a serviço da integração regional, que é o que esse governo, muito acertadamente, vem propondo. O Finame (financiamento para a compra de máquinas e equipamentos), por exemplo, poderia ser usado para financiar as importações de bens de capital da região. Mas há dificuldades de ordem legal.

Folha - Quais seriam essas modificações legais?
Botafogo -
A utilização dos recursos do FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador) é um exemplo. Há regras rígidas para usá-los. Mas o BNDES não tem apenas o FAT como recurso de "funding". Talvez seja possível aplicar uma parte dos recursos provenientes dos títulos que o BNDES lança no mercado em projetos de integração de cadeias produtivas ou de infra-estrutura que ajudem os países da região.
Acho que, mesmo que haja impedimentos legais em algumas áreas, há espaço em outras que permitiriam que o banco ganhasse experiência.

Folha - Quais são os focos de resistência para essa mudança no Brasil?
Botafogo -
Eu acho que os empresários brasileiros ainda têm uma visão bastante nacionalista. Não todos estão convencidos de que é preciso partir para a internacionalização das suas empresas. Por que os americanos expandem a sua economia além das fronteiras? Por que os europeus investem no resto do mundo? Porque o benefício é global, ainda que ele vá deixar de produzir um produto no seu país de origem. Precisamos de políticas públicas mais globais.

Folha - É preciso mudar a mentalidade de quem no Brasil?
Botafogo -
De todo mundo. Tanto em países desenvolvidos como em subdesenvolvidos, mais ou menos liberais, a responsabilidade pela definição de um projeto estratégico é do governo. Isso não tem nada a ver com o espaço que o setor privado ocupa.
A posição que o país deve tomar no mundo é pública. As outras partes executam políticas, influindo também nas decisões públicas, mas acho que está muito claro que as políticas públicas têm que ter um papel importante na redefinição do modelo do crescimento brasileiro.


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